Apenas um em cada 10 portugueses faz formação ao longo da vida. Responsáveis do ISEG, Fundação José Neves e IEFP identificam caminhos para mudar isso

O Building The Future é onde tecnologia, inovação e liderança se cruzam para potenciar pessoas e empresas. Com organização da Microsoft Portugal, o evento decorreu este ano em formato digital e contou com um painel moderado por Ana Leonor Martins, directora de redação da Human Resources, com a participação de António Leite, vice-presidente do conselho directivo do IEFP, Clara Raposo, dean do ISEG – Lisbon School of Economics & Management, e Carlos Oliveira, presidente executivo da Fundação José Neves. 

Por Sandra M. Pinto

 

Subordinado ao tema “Long Life Tech Learners”, o painel de convidados alertou para a importância da educação ao longo da vida, essencial para os profissionais que se manterem relevantes no mercado mas também porque crescimento pessoal. Mas esta mentalidade está ainda muito longe ainda de ser a regra. Mas porquê? Falta de tempo? Dinheiro? Interesse?

De que forma pessoas e organizações se podem preparar para o novo paradigma em que todos teremos de ser “long life learners”, é a base da discussão. Antigamente, as competências adquiridas numa licenciatura duravam “uma vida”, mas hoje, com o acelerado ritmo de mudança, rapidamente se tornam obsoletas ou insuficientes, o que torna a aprendizagem contínua uma necessidade incontornável. Mas o problema começa mais “atrás”, pois quem está mais desperto para esta necessidade é precisamente quem já tem qualificações.

 

Carlos Oliveira revelou que, actualmente, «estão a trabalhar mais entidades para que aconteça mais formação. Queremos que existam mais modelos que preparem as pessoas para a nova dinâmica», afirma, explicando porquê: «Estamos num país em que 48% dos portugueses em idade adulta não terminaram o ensino secundário; 46% dos empregadores têm, no máximo, o ensino secundário completo; apenas um em cada 10 portugueses faz algum tipo de formação ao longo da vida, e os que fazem são tipicamente os mais qualificados. Segundo a OCDE, Portugal é o país que tem a maior urgência em rever todo o seu modelo de aprendizagem ao longo da vida, pelo que fizemos, enquanto país, uma evolução muito positiva do ponto de vista da educação nas últimas décadas, mas não nos podemos contentar com a tendência.
Temos, de facto, que acelerar muito mais para que possamos ter portugueses com as qualificações adequadas para o mercado de trabalho e para os desafios do futuro que possam ser felizes, com empregos qualificados e que por isso vão ajudar as empresas a serem mais produtivas, competitivas e que assim ajudem o país a crescer.»

Para o presidente executivo da Fundação José Neves, este é um tema fundamental para o futuro do país. «Estamos, esperemos, a sair de uma pandemia onde, efectivamente, mais uma vez esta classe de pessoas com menores qualificações foi das mais afectadas, quer pelo desemprego, quer pela incapacidade de procurar outras soluções, pelo que a questão da requalificação para novas profissões ou o aumento de competências na mesma profissão é fundamental, e neste aspecto a fundação tem vindo a lançar muitas iniciativas e programas.»

 

Neste contexto, as universidades também assumem um papel importante, pois há também aqui um novo paradigma. Clara Raposo também começou por fazer notar que «as pessoas menos qualificadas normalmente não se dirigem às universidades para fazerem a requalificação, pelo que temos mais dificuldade para atrair essa essas pessoas. Mas, naquilo a que chamávamos formação executiva – e agora chamamos formação ao longo da vida – também encontramos pessoas que, por vezes, não tem uma formação académica mas que começam a querer vir para a universidade adquirir novas competências, em áreas de gestão, para terem os conhecimentos das melhores ferramentas e teorias que os ajudam depois a executar melhor as suas funções, e estas pessoas juntam-se a todos os outros profissionais que já tem formação  académica anterior mas que querem refrescar os seus conhecimentos nas suas áreas profissionais e adquirir novas competências noutras áreas».

Relativamente às tendências, a responsável refere que estas têm levado a instituição a que preside a inovar mais a formação que oferece. «Aqui destacam-se todas as áreas que estão relacionadas com as tecnologias e com o digital, temos muitas pessoas interessadas em perceber como é que os seus negócios se devem adaptar a este mundo mais tecnológico e digitalizado, e queremos formar as pessoas destas organizações para conseguirem dar resposta a esses desafios. Há também uma tendência mais recente na formação em inteligência artificial ligada ao mundo empresarial, e, em simultâneo, há duas outras tendências que também me parecem importantes: há mais pessoas a tentarem reforçar as suas social skills e também mais profissionais a procurarem formação em temas relacionados com a sustentabilidade».

 

António Leite corrobora que «não há nenhuma dúvida de que as questões ligadas à tecnologia e ao digital têm uma enorme visibilidade e uma enorme procura por parte das pessoas a quem» o IEFP se dirige, mas «continuam a existir necessidades efectivas de formação nos sectores mais tradicionais, onde há, não só necessidade de mão-de-obra, mas há também necessidade de requalificação e de melhoria das competências e aquisição de novos conhecimentos».

A transição digital pode trazer três situações em simultâneo: «destruição de emprego, criação de emprego e necessidade de requalificação de emprego, e as pessoas que estão em cada uma destas situações precisam de respostas adequadas». E , na visão do responsável, é «absolutamente dramático o enorme défice de qualificações  que o país continua a ter. Apesar do esforço de décadas que a democracia fez, continuamos a ter os números que o Carlos referiu, que são muito problemáticos para nós portugueses a dois níveis:  colocam-nos numa enorme disparidade face aos chamados parceiros europeus, mas mostram também a enorme disparidade dentro do próprio país.  Esta realidade, que não é homogénea,  necessita por isso de respostas diversificadas, e esta é outra das áreas da nossa intervenção, salienta.

 

Sobre a necessidade de uma maior proximidade da academia às empresas, Clara Raposo garante que todos, universidade e empresas, estão a fazer essa pedagogia, «pois em conjunto queremos construir o futuro. As necessidades somos nós próprios que as vamos identificando e, em conjunto, vamos percebendo qual é a melhor forma de nos juntarmos e contribuirmos para o progresso daquilo que as empresas e os seus profissionais fazem», partilha. «Contamos com o acompanhamento de muitos parceiros empresariais, que  vão garantindo que estamos sempre a par das novidades e das novas tendências nas profissões que estão a recrutar, para garantirmos que os nossos programas preparam os nossos estudantes, não só para aquilo que é a essência da profissão, mas também para as necessidades do mercado no momento actual, sem perderem a capacidade de reaprenderem no futuro consoante as coisas vão evoluindo.»

No que diz respeito a formações mais preparadas para profissionais noutra fase da vida, vão «acompanhando os sinais que a procura vai dando, assim como as tendências internacionais», explica a dean, acrescentando que, com as empresas, «é muito interessante porque há uma procura mútua, eles procuram-nos e nós procuramo-los, e, normalmente, quando nós abordamos as empresas e vice-versa ambas as partes têm  determinada ideia do que a empresa precisa de fazer ou deveria fazer e que programas devem ser ou não criados para dar determinadas respostas. Quando conversamos, juntamos as peças e, normalmente, construímos algo bastante diferente do que qualquer das entidades à partida pretendia.» Clara Raposo acredita que as empresas começam a perceber que «há necessidade de actualização dos conhecimentos e das competências das suas equipas, que a formação ao longo da vida também é uma forma de se tornarem mais atractivas, porque o melhor investimento é aquele que fazemos em nós próprios».

 

A Fundação José Neves tem definidas metas concretas para tornar Portugal numa sociedade do conhecimento. Carlos Oliveira sublinha que é fundamental o país ter uma visão de longo prazo. «Visões de quatro anos não chegam para mudar nada na educação, pelo que com o nosso “Estado da Nação” definimos para o país aquilo que devia ser valorizado até 2040 ao nível da educação. Para isso, olhámos para o top 5 dos países num conjunto de diferentes indicadores e identificámos onde Portugal devia estar daqui a 18 anos: nomeadamente, 90% dos jovens com ensino superior, mas que depois tenham empregabilidade, o que implica um alinhamento com as necessidades do mercado de trabalho.»

Continua: «Lançámos um guia pratico dirigido às pessoas para que saibam como podem aprender ao longo da vida e explicando por que é que isso é importante. E iremos lançar, em meados de Fevereiro, um guia direccionado às empresas para elas perceberem quais são as vantagens de terem pessoas mais qualificadas para a produtividade da organização, identificando quais são tipicamente os entraves, sendo que o mais referido é a falta de tempo, logo seguido das questões financeiras e das relações com a empresa». Para o responsável, é necessária uma abordagem onde quer as empresas quer as pessoas possam dialogar para conseguirem chegar a conclusões. «De acordo com a OCDE, «tem havido uma diminuição do apoio das empresas à formação dos colaboradores, sendo que existe uma relação directa com o tipo de vínculo de trabalho e a aposta dos empregadores na formação».

Para Carlos Oliveira, a questão do tempo deve ser resolvida entre as pessoas e as empresas. «Se as pessoas perceberem que, aprendendo ao longo da vida, vão conseguir ter uma vida melhor, mais feliz, com melhores remunerações e com mais capacidade de fazerem aquilo que gostam, seguramente vão encontrar tempo.» Já na questão do financiamento, «existem soluções como as bolsas da Fundação. Temos 5 milhões de euros, sendo que apoiamos mais de 200 pessoas a fazerem formação ao longo da vida em diferentes empresas e estabelecimentos de ensino. Acreditamos que, querendo, há soluções, e nós queremos que cada vez mais portugueses possam  usufruir.» A Fundação José Neves tem ainda o portal Brighter Future, em parceria com o INE, que dá informação  sobre o emprego, os salários, competências, educação, etc «para que as pessoas possam tomar decisões informadas».

 

Com o intuito de criar uma cultura de aprendizagem ao longo da vida, também o IEFP teve de se adaptar. «Procuramos apostar em diferentes eixos: diversificação de ofertas e de parcerias, mas também um eixo de adequação às necessidades e de aumento da capacidade de formação», refere António Leite. Por ano, o IEFP chega a quase meio milhão de portugueses, «mais de 10% da população activa do país, o que é um valor muito relevante». Da oferta, destacam-se «programas com a parceria de grandes empresas nacionais para fazer chegar mais longe o emprego digital. Damos muita importância à diversificação, chegando não só às grandes empresas, mas também às mais pequenas.»

No que diz respeito à receptividade por parte das empresas, António Leite partilha que tem vindo a crescer, mas reconhece que «o tempo que decorre é um tempo difícil, pois durante a pandemia era difícil fazer formação, muitas empresas não estavam a trabalhar, mas agora que já estão a trabalhar, é preciso que se perceba que é de facto necessário. Estamos a conseguir e estamos muito optimistas para o que vai acontecer neste anos de 2022.»

 

Uma acção prioritária rumo ao caminho certo

Clara Raposo salienta que é difícil ser uma entidade sozinha a conseguir comunicar tudo e chegar às pessoas certas, por isso «a ligação às confederações e às associações empresariais de forma a tentar chegar às empresas de diferentes dimensões e diferentes sectores e explicar a oferta existente, é fundamental».

António Leite concorda e defende que é preciso «tornar claro o que é que cada parte envolvida na formação profissional ganha: os profissionais, os empregadores e o país. Não pode ser colocado um objectivo longínquo, mas tem se ser posta uma visão mais prática e concreta, em que perceba o efeito da formação, e isso temos de ser capazes de demonstrar que vale a pena aprender e que vale a pena fazer formação».

Carlos Oliveira conclui que não há apenas uma solução para resolver esta situação. «O essencial é que parta das pessoas perceberem que a sua educação é parte daquilo que o país lhe tem que dar para elas terem uma qualidade de vida muito melhor do que aquela que têm hoje; esse é o ponto de partida.»

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