As funções ‘blue-collar’ são pouco sexy mas têm elevada empregabilidade e chegam a ser (muito) bem pagas

Doutores e engenheiros. Desde sempre estes títulos figuraram como aliciantes no universo de trabalho. O ensino superior era (e ainda é) tido como garantia de salário elevado e reconhecimento social. Mas a verdade é que o desemprego em alguns desses cursos apelativos é elevado, ao contrário do que acontece com várias funções técnicas intremédias, menos “sexy” no papel, mas como emprego garantido e, regra geral, muito bem pagas. Margarida Segard, directora no ISQ, e Sónia Leal, Business Unit manager da Randstad Portugal, confirmam isso mesmo.

 

Por Sandra M. Pinto

 

«A minha função é sexy?” Foi esta a pergunta que serviu de ponto de partida para mais uma (re)talk, contou com a participação de Margarida Segard, directora no ISQ e responsável pela ISQ Academy, e Sónia Leal, Business Unit manager, Staffing, da Randstad Portugal, ambas com experiência em áreas profissionais ligadas à actividade industrial, em teoria, com funções menos “sexy”.

O ISQ tem a sua génese na soldadura e foi exemplo que se pediu à Margarida Segard para comentar. A responsável destacou que a profissão de soldadura tem passado por ciclos relativamente à procura quer por parte da população jovem ou mesmo da população adulta. «Neste momento, estamos a atravessar um ciclo de maior procura até porque há uma maior demanda por parte do mercado de trabalho, quer em Portugal como no estrangeiro, continuando a existir uma grande mobilidade neste sector. Por outro lado, a soldadura deixou de ser uma área limitada aos processos mais tradicionais, estando a evoluir para novas áreas de soldadura que já não se chamam soldadura mas sim processos de ligação, em suma, tecnologia», faz notar.

Há actualmente escassez de trabalhadores qualificados ou com qualificações internacionais «na soldadura a laser e robotizada». Simultaneamente «cada vez mais há uma série de novas competências que são pedidas aos profissionais e que acabam mesmo por extravasar a própria profissão, incluindo soft skills. Ou seja, os nossos profissionais não são só soldadores pois acabam por desempenhar funções de inspectores ou mesmo de formadores de equipa».

Mas é notório um desinteresse por parte dos jovens relativamente a estas áreas, muito por desconhecimento desta evolução e do upgrade tecnológico e das inúmeras aplicações que tem, sendo muito usada por exemplo na industria naval. Por outro lado, é uma área com várias oportunidades internacionais e, regra geral, muito bem paga.

 

Sónia Leal confirma que as funções de metalurgia e metalomecânica não são muito apelativas. «O Empower Branding que foi apresentado pela Randstad em Junho passado dá a conhecer as 20 empresas em que os portugueses gostariam de trabalhar e no top estão as empresas ligadas à aviação, à banca e ao universo multimédia. Só a meio da tabela encontramos empresas ligadas à industria, mas em funções que estejam ligadas a chefias intermédias. Em Portugal a indústria  ainda não é atractiva para trabalhar.»

 

Uma questão cultural 

Existindo neste sector uma elevada empregabilidade porque será ele menos procurado do que outros sectores onde a empregabilidade é, efectivamente, menor? Margarida Segard acredita que isto acontece não tanto pelo conteúdo do trabalho, mas porque, ao longo das últimas décadas, tem havido uma falta de campanhas ao nível do marketing profissional  e social em redor desta profissões. «Dinamizámos uma série de estudos europeus nesse sentido e cada vez mais é esta a percepção». A Comissão Europeia, juntamente com alguns estados membros tem desenvolvido um trabalho muito grande, mas manifestamente insuficientes, sublinha a responsável.

«Importa fortalecer a formação profissional destas profissões técnicas intermédias, que são absolutamente essenciais na indústria, nos serviços, nas áreas sociais e de empregabilidade publica», reforça a especialista. «Os jovens não querem ir para estas profissões intermédias e preferem sempre que possível continuar para o ensino superior, o que leva a que deixem de ter uma ferramenta técnica que depois os valoriza no mercado de trabalho.»

Sónia Leal afirma que em Portugal esta é uma questão cultural, havendo um longo caminho a percorrer. «Países como a Alemanha, a Dinamarca ou mesmo a Suécia dinamizam estas profissões e dão-lhes uma grande importância, enaltecendo-as, como no caso do Primeiro Ministro sueco que deixou já bem claro que começou a sua vida profissional enquanto soldador.»

«Tudo o que é tecnologia veio dinamizar estas profissões, as quais acabam por ter um upgrade, mas é preciso dar a conhecer que há uma industria nova de forma a torná-la mais apelativa», acrescenta a Business Unit manager da Randstad.

Neste sentido, Margarida Segard partilha que, no ISQ, continuam a implementar muitas campanhas para a área das profissões tecnológicas, «tanto para os jovens como para os adultos. Temos uma workforce que precisa de reskilling e upskilling; e precisa de mais mulheres também. Estudos indicam que quando entra uma mulher há imenso ganhos, por exemplo em termos de equipa, pelo que é importante também aqui a gestão da diversidade de género, alvo em que estamos a postar muito durante este ano. As profissões sobre as quais não foi feito nenhum marketing profissional e social têm um longo caminho a percorrer», reitera.

Sónia Leal acrescenta que as próprias empresas têm dificuldade em encontrar determinados tipos de perfis «porque não existem, pelo aquilo que temos de fazer é identificar as propostas de valor e com os próprios clientes desenhar um modelo de formação, ou seja, temos de encontrar outras soluções».

 

O que é hoje uma função sexy?

Na opinião de Sónia Leal, hoje uma função ou profissão sexy para os jovens passa muito pelas tecnologias de informação, tudo aquilo que é tecnológico. «Depois os jovens pensam muito naquilo que podem ganhar, na retribuição que vão auferir. Há bastante casos de sucesso e os jovens deviam olhar com mais atenção para outras opções profissionais que até lhes podem dar maiores retribuições salariais», salienta.

Margarida Segard concorda e destaca: «Os jovens cada vez mais procuram profissões que lhes permitam associar a tecnologia digital, desenvolver a sua criatividade e que lhes permita ter autonomia e mobilidade, seja ela entre empresas, seja verticalmente na própria empresa». A estas preocupações juntam-se outras relacionadas com as apetências de cada um.

As empresas, logo na fase de recrutamento,  devem «dar a conhecer que a empresa não oferece só benéficos salariais, há muito mais, como o bom ambiente na empresa ou a integração numa equipa de sustentabilidade, preocupações que hoje estão no mindset dos jovens.»

 

O desfasamento entre a oferta e a procura vai continuar?

Sónia Leal acredita que vai continuar a existir um desfasamento entre a oferta e a procura. «Sempre houve,  faz parte do próprio mercado». Questionada sobre as profissões do futuro, aponta novamente para as tecnologias, «como a cibersegurança», exemplifica.

Já Margarida Segard acredita que o caminho está a ser feito rumo a um mercado mais equilibrado.  «Os processos de transformações digital e de transformação verde que estão em curso de uma forma muito rápida são e têm de ser a aposta, e isso requer estas profissões que trabalham no IT, de engenharia e técnicos, mas tendo sempre em linha de conta a democratização das competências.»

 

re)Veja aqui, na íntegra. A moderação foi assegurada por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources.

As re(talks) são uma iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources, promovida desde Março, e estão todas reunidas aqui.

 

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