As novas formas de trabalho e as implicações (nem todas positivas) do remoto: Conheça as prioridades da ANA, Altice, Sonae MC e Renault

No “Crossfire” da XX Conferência Human Resources destacaram-se as novas formas de trabalho, a importância ou não dos escritórios, a promoção da cultura organizacional, da motivação e do engagement, à distância, e o papel da comunicação para o conseguir. Do painel fizeram parte Graça Rebôcho, directora de Recursos Humanos da Altice Portugal; Isabel Heitor, directora de Recursos Humanos da ANA – Aeroportos de Portugal; Patrícia Pereira, directora de Recursos Humanos da Renault Portugal; e Paula Jordão, directora Comercial da Sonae MC.

Por Sandra M. Pinto | Foto Nuno Carrancho, NC Produções

 

O debate, moderado por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources, e Pedro Ramos, director de Recursos Humanos da TAP Air Portugal, começou com uma provocação. Mandar as pessoas para casa terá sido fácil. E trazê-las de volta?

Graça Rebôcho, directora de Recursos Humanos da Altice Portugal, não teve dúvidas «Enviar os colaboradores para casa em teletrabalho foi relativamente simples, mais difícil está a ser fazer com que regressem ao local de trabalho na empresa. Perante o desconhecido e o medo, muito rapidamente as pessoas aceitaram ir para casa trabalhar. O regresso está a ser difícil porque as pessoas se adaptaram bem a trabalhar em casa, porque gerem melhor o seu tempo, porque têm melhor qualidade de vida e porque continua a haver algum desconhecimento da situação, pelo que as pessoas sentem-se mais confortáveis e mais seguras em casa», constatou.

Mas nem todas as empresas puderam mandar a maioria dos colaboradores para casa, como testemunha Paula Jordão, directora Comercial da Sonae MC. Cerca de 30 mil dos 32 mil trabalhadores operacionais continuaram no seu local de trabalho. E houve «sempre a preocupação de garantir que havia um propósito conjunto, que era a nossa responsabilidade social perante todos os portugueses, não podíamos simplesmente fechar e mandar toda a gente para casa.  Tínhamos de continuar a alimentar Portugal, por isso sabíamos que tínhamos de continuar a dar o melhor de cada um para o bem de todos. E os colaboradores sentiram isso», acredita, afirmando que «todos os colaboradores tiveram sempre uma atitude muito positiva. «Demos a todos os colaboradores de loja e entreposto o titulo de super-heróis, porque lutaram contra estes medos e tiveram sempre presentes.» O objectivo da empresa e de todas as decisões tomadas foi sempre o de «proteger as pessoas, desde os colaboradores aos clientes e parceiros. Ninguém se sentiu deixado de lado ou para trás», garantiu, quando questionada se esses colaboradores não se sentiriam “prejudicados” em relação aos que puderam ir para casa. «Como a responsabilidade era tanta, assistiu-se a um movimento de entreajuda com o foco toda na responsabilidade conjunta da organização».

 

O que mudou?

De outro sector, o automóvel, Patrícia Pereira, directora de Recursos Humanos da Renault Portugal, garantiu que, apesar de também terem sido fortemente afectados, a organização nunca parou. «Não tivemos essa necessidade.» Questionada sobre o que é que hoje a empresa tem de diferente em relação ao início do ano, partilha que o teletrabalho era residual na organização, sendo que hoje seguem um modelo hibrido: dois dias no escritório em equipas rotativas e três dias em home office. «Este modelo está a funcionar bem, por isso, para já, será para continuar.» E o feedback por parte dos colaboradores tem sido muito bom. «Todos referem que este modelo oferece um equilíbrio muito grande entre o presencial e o teletrabalho.» Ao mesmo tempo, e para além das novas formas de trabalhar, a empresa teve de acompanhar outras mudanças por exemplo na forma de comunicar, de gerir equipas e de fazer formação.

Por seu lado, na Altice já tinha o teletrabalho implementado. Graça Rebôcho revela que tinham «também a figura do work at home , em que os colaboradores, alguns dias por mês em, e em acordo com as chefias, já ficavam em casa». Agora, foram feitas alterações aos horários de trabalho. «Temos 7700 pessoas em funções tão diversificadas, por isso é difícil ter apenas um horário. Optámos, para os trabalhadores que têm horário de trabalho flexível mas com plataformas fixas, que essas fossem retiradas, sendo que neste momento todos os colaboradores  que já tinham esse horário flexível podem fazer um horário entre as 07h00 e sair às 21h00. «No fundo, a Altice Portugal flexibilizou a flexibilidade. Isto é muito positivo porque não vão todos almoçar à mesma hora e a hora de transporte fica desfasada, o que nos permitiu uma margem mais positiva para os regressos á empresa.»

 

A importância (ou não) do escritório

A questão do teletrabalho vem trazer uma mudança de paradigma no que diz respeito aos escritórios. Por exemplo, são muitas as empesas que estavam a mudar-se para escritórios novos e em open space, como aconteceu com a Sonae MC. E agora, o que fazer com esses espaços? Paula Jordão não tem dúvidas de que o trabalho remoto é incontornável. «Actualmente, estamos no escritório dois dias e três dias em home office,  pelo que estamos a tentar perceber qual é o melhor equilíbrio, mas ao mesmo tempo acreditamos que o escritório vai ser central neste novo mundo, porque é muito importante em algumas funções core do negócio, até para criar ligações e elos de confiança, por exemplo com os parceiros». No que diz respeito ao restante espaço, que vai ficar livre por causa do teletrabalho, «certamente que vão surgir oportunidades de os reaproveitar, especialmente em termos de eficiência, o que pode levar, efectivamente, a uma redução de custos».

Também na ANA já existia a possibilidade de teletrabalho antes da pandemia, apesar de na maioria das funções não ser aplicável. «Cada vez mais, vamos tentar arranjar soluções à medida porque é muito difícil ter funções iguais para todos e, por isso, estamos a redesenhar as funções de acordo com o colaborador», revelou Isabel Heitor.

Relacionado com o tema do teletrabalho estão outros, mais relevantes do que o sítio onde se trabalho por si só, como a promoção da cultura organizacional, da motivação e do engagement, com as pessoas dispersas. Muitas empresas, sobretudo tecnológicas, já vieram afirmar que não querem as pessoas nos escritórios antes do Verão do ano que vem, mas, assim, como se endereçam estas questões? Reforçar a comunicação interna é suficiente? E com os colaboradores que nunca estiveram com os colegas nem as chefias? Para Isabel Heitor este tem sido um dos maiores desafios pois entraram para a ANA novos colaboradores, mesmo durante Abril, em pleno confinamento, e «nunca tiveram a oportunidade de estar fisicamente na empresa nem de conhecer os colegas».  Para a directora de Recursos Humanos da ANA, neste aspecto há um enorme trabalho a fazer. «Antigamente as pessoas confiavam umas nas outras, na comunidade acreditava-se uns nos outros, pelo que me parece que o segredo passa muito por aí, nós conseguirmos enquanto profissionais transmitir às pessoas que podem confiar em nós, que estamos ali de facto para as ajudar e que não estamos ali contra elas.»

Mas de que forma se pode trabalhar a cultura organizacional quando as pessoas já não se encontram fisicamente? Patrícia Pereira partilhou que na Renault Portugal se sentiu necessidade de dar ás equipas um programa de formação no sentido de as ajudar a saber gerir equipas à distância. «Neste momento, temos todos os managers a fazer um programa de equipas remotas de alta performance, o que vem ajudar bastante», mas, a responsável reconhece que «à distância, é preciso que apostar muito nas interacções emocionais, algo que ficou muito explicito com toda a situação pela qual estamos a passar. Não podemos correr o risco de perder a vertente humana no relacionamento entre os colaboradores, assim como o sentido de união e de pertença à organização, estes são aspectos que têm de ser muito trabalhados pela comunicação interna», reconheceu. «Os managers tem de estar ainda mais disponíveis e dar mais apoio às suas equipas, tudo ligado por um sentido de propósito comum que envolve toda a empresa, pois é essencial termos as pessoas todas alinhadas não só com o propósito comum, mas também com as estratégias e os objectivos da organização,»

 

E a produtividade, ressente-se ou não?

O facto de os colaboradores não estarem fisicamente na empresa poderá ou não influenciar a sua produtividade. Ou não é o espaço de trabalho que faz diferença, mas sim o tipo de profissional. Graça Rebôcho revelou que, na Altice, «quando os trabalhadores foram para casa, a produtividade até aumentou, porque estavam cheios de vontade de mostrar que não era pelo facto de não estarem fisicamente nas instalações que iam trabalhar menos, tentando provar que conseguiam trabalhar tão bem ou melhor em casa». Mas depois a produtividade abrandou, até pelo necessidade de alguns de auxiliar os filhos com as aulas à distância. «Neste momento, o que se percebe é que numa parte dos colaboradores a produtividade está equilibrada, mas não posso dizer que tenha aumentado. Se nas actividades do dia-a-dia os colaboradores respondem, sentimos que falta a criatividade, a troca de ideias, o que leva a que algumas pessoas se comecem a acomodar. Se perguntarmos aos colaboradores, vão dizer que a sua produtividade aumentou, mas se a mesma questão for colocada à chefia, a resposta já não será tão linear.»

 

Vai ficar tudo bem…ou nem por isso

No inicio da pandemia todos defendiam que ia ficar tudo bem e que ninguém ia ficar para trás, mas será que passados todos estes meses ainda é assim, este sentimento positivo de entreajuda e de partilha ainda existe? Será que todos se avão saber adaptar a este “Admirável Mundo Novo”?  «Temos de acreditar que sim», responde Paula Jordão. «Na Sonae, acreditamos mesmo que sim. Inclusivamente já temos um programa ao qual demos o nome de Qualifica, que tem feito esse trabalho de dar maiores qualificações, quer sejam elas técnicas ou mesmo de escolaridade aos nossos colaboradores, e a verdade é que esse programa tem revelado muito bons resultados.» Para além disso, para a directora Comercial da Sonae MC «é preciso de cada um de nós queira passar por essa requalificação, por essa melhoria e adaptação. Temos, de facto, de perceber que somos nós os grandes decisores daquilo que vamos aprendendo, ou seja, nós próprios temos de nos automotivar para cada vez aprender mais e não só contar com aquilo que a empresa nos dá. A empresa está disponível para nos ajudar mas nós é que fazemos a diferença.»

 

Afinal, que admirável mundo novo é este?

Olhando para esta nova realidade, o que é que podemos esperar de bom, por um lado, e a que perigos ou desafios devemos estar atentos, por outro. Que mundo novo é este que nos apareceu causado por uma pandemia? Na visão de Paula Jordão, este “mundo novo” vai trazer novas eficiências. «Vamos ter que implementar processos mais rápidos e mais ágeis, tomadas de decisão muito mais rápidas porque ele vai exigir isso de nós.»

Para Isabel Heitor, gerir a incerteza vai ser o desafio em todas as profissões. «É preciso aprender a viver tranquilos com isso, acreditando que a seguir à tempestade vem sempre a bonança.»

Destes novos tempos, Graça Rebôcho, acredita que vai ser exigido a todos «mais foco naquilo que é essencial».

E Patrícia Pereira perspectiva que «vão surgir novas formas de trabalho e um novo mindset. As organizações vão ter de ter equipas mais autónomas para tomadas de decisão mais democratizadas em todos os níveis da empresa, ao mesmo tempo que têm de conseguir ter e oferecer o upskilling tão necessário hoje em dia para que todos possam acompanhar este mundo VUCA e tão digital em que vivemos. A verdade é que desafios não vão faltar, tanto para as empresas como para os colaboradores», conclui.

 

 

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