As regras que mudaram o jogo
Preferimos comprar online e trocar mensagens num chat com recurso a IA? Ou conversar com uma pessoa que já nos conhece e sabe os nossos gostos, e possibilidades?
Por Sandra Silva, presidente do IPVD – Instituto Português de Venda Direta
Nos anos 80 e 90 do século XX, o conceito de venda directa estava sobretudo associado a vendas por catálogo ou mesmo porta a porta. Foi uma época de expansão comercial no País: começaram a aparecer cadeias de lojas internacionais, centros comerciais, organizavam-se feiras e vendas de garagem e uma singela nota de quinhentos escudos permitia-nos consumir de forma equilibrada e feliz.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e apesar da enorme evolução do mercado da venda directa (roupa ou livros por catálogo são uma memória de infância), subsiste a vontade de os consumidores portugueses adquirirem produtos e serviços através da “nova” venda directa. Os números não deixam margem para dúvidas: em 2022 o sector representou um volume de negócios de 195 milhões de euros.
Quando me licenciei em Economia, no final dos anos 90, pouco ou nada se falava de empreendedorismo. Vivíamos um período em que o ideal de vida para os universitários era terminarem as suas licenciaturas e ingressarem rapidamente no mercado de trabalho (por conta de outrem). Por outro lado, em 2023 e de acordo com os dados revelados este ano pelo Observatório da Emigração, 30% dos jovens nascidos em Portugal com idades compreendidas entre os 15 e os 39 anos viviam no estrangeiro. O estudo apontou para 850 mil portugueses a viverem as suas vidas noutro país que não o seu.
O que mudou? A palavra empreendedorismo está na ordem do dia, quantas e quantas pessoas querem ter o seu próprio negócio? Gerir a sua própria carreira sem a inflexibilidade de horários laborais rigorosos ou condições precárias? Os nossos jovens alteraram todo o paradigma do mercado de trabalho: não aceitam viver para trabalhar, horas extra ou falta de tempo para socializarem. E se não conseguem em Portugal, atravessam a fronteira e mudam de país.
A ideia de empreendedorismo em Portugal é muitas vezes confundida com a burocracia inerente à abertura de um negócio, aliado aos pesados impostos associados e ao investimento necessário para se começar um projecto. Os portugueses, jovens e menos jovens, desistem por isso muitas vezes de traçar o seu próprio caminho.
A venda directa é um caminho aberto a todas as idades e que apresenta riscos muito baixos, tendo em conta que o investimento é reduzido, a formação contínua e o retorno é rápido. Em 2022, em Portugal existiam 240 mil agentes de venda directa, maioritariamente mulheres (cerca de 70%), entre os 35 e os 55 anos. Nos últimos anos, temos assistido a um crescimento de jovens (com menos de 35 anos) a apostarem neste sector. O que querem os jovens? Flexibilidade horária, gestão de prioridades, independência e compensação financeira pelo empenho, esforço e tempo que investem e conciliação das suas vidas: a profissional e a pessoal.
Temos um caminho a percorrer entre as marcas, os agentes e os consumidores portugueses que já provaram que o contacto directo é essencial. Preferimos comprar online e trocar mensagens num chat com recurso a IA? Ou conversar com uma pessoa que já nos conhece e sabe os nossos gostos, vontades e possibilidades?
O consumidor português, apesar dos fortes avanços tecnológicos com impactos directos nos padrões de consumo e compra, continua a preferir o contacto pessoal, a personalização do serviço, com forte humanização. Que mais não é do que o ADN da venda directa desde a génese até aos nossos dias.
Com estas mudanças, o sector está também em mudança. O catálogo ou porta a porta são coisas do passado. O sector da venda directa tem hoje uma forte componente tecnológica, com presença nas redes sociais, possibilidade de ecommerce.
Um mundo em mudança com um apetite voraz pelo empreendedorismo. É nestas águas que nos movimentamos e olhamos para o futuro com entusiasmo e excitação. E as portas estão abertas a todos os que quiserem viver esta experiência que pode inclusivamente servir de rampa de lançamento para mais tarde criarem as suas próprias empresas.
Se na época da minha licenciatura pouco ou nada se falava em empreendedorismo, quando anos mais tarde regressei aos bancos da universidade, constatei com agrado que licenciaturas e mestrados têm cadeiras de empreendedorismo e que, tal como os nossos jovens e o nosso sector, também o ensino mudou. E o nosso sector pode ser um caminho para quem, tal como nós, gosta de desafios e não tem receio de arriscar. Porque o maior risco em todos os aspectos das nossas vidas, é não termos a coragem de tentar.