Recebe mais ao fim do mês, mas não é um aumento, é reembolso antecipado de IRS. Veja aqui várias simulações (e saiba quanto vai poupar)
Como foi amplamente disseminado entre os media, no passado mês de Agosto, assistiu-se à publicação das novas tabelas de retenção na fonte.
Por Leonor Frazão Grego e Gabriela Plácido Alves, DCM | Littler
Em consequência, uma parte significativa dos trabalhadores receberam, entre os meses de Setembro e Outubro, um «salário» aparentemente mais elevado. Reitere-se: aparentemente! Pois, de facto, trata-se, apenas e tão-só, da devolução de parcial do IRS, cobrado em excesso, desde o início do ano de 2024.
Mas atenção, não tenhamos ilusões. No próximo ano, estes mesmos trabalhadores, poderão receber ainda menos, ou até passar a ter de pagar imposto, uma vez que os descontos mensais de IRS serão de montante inferior.
Parece confuso? Não se preocupe, vamos explicar-lhe tudo.
Assim, importa, num primeiro momento, esclarecer o que é, afinal, o IRS.
Ora, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, comummente conhecido como IRS, visa tributar, anualmente, uma panóplia de rendimentos das pessoas singulares. Entre eles, e para o que agora nos ocupa, os rendimentos de Categoria A, i.e., rendimentos de trabalho dependente – rendimentos resultantes de trabalho prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro legalmente equiparado -, de pré-reforma, ou de pré-aposentação.
Na sequência, cabe perceber o que é, exactamente, a retenção na fonte.
A retenção na fonte, mais não é do que a aplicação de taxas ou impostos (entre os quais, o IRS) relativos aos rendimentos dos trabalhadores, dependentes e por conta de outrem, ou a recibos verdes, e de pensionistas, cujas regras estão descritas no artigo 98º, do Código do IRS.
E, impende sobre a empresa ou entidade empregadora, o dever de proceder à retenção destes valores do trabalhador e encaminhá-los à Autoridade Tributária (AT). Deste modo, os montantes salariais auferidos por cada trabalhador são entregues líquidos, i.e., o montante pecuniário que será por este recebido, já foi, ao momento em que lhe é entregue, alvo de descontos, segundo as respectivas taxas.
Aliás, e para que melhor se entenda do que aqui se trata, pense-se nas contribuições para o Instituto da Segurança Social. Aplicar-se-á a mesma lógica: todos os meses é descontado um determinado montante pecuniário tendo em vista acautelar uma eventual situação de doença ou desemprego.
Esclarecido o que o que se entende, afinal, por IRS e retenção na fonte, chegamos, finalmente, às alterações legislativas que relevam.
A iniciativa a que nos reportamos encontra respaldo nas Leis n.os 32/2024 e 33/2024, ambas de 7 de Agosto.
Na prática, os presentes diplomas prevêem decréscimos entre os 0,25 e os 1,5 pontos percentuais, até ao 6.º escalão da tabela de IRS. Nos vencimentos entre 1.000,00 euros e 2.000,00 euros, prevêem-se ganhos mais substanciais, notando-se um decréscimo mais acentuado nos 2.º e 6.º escalões.
Assim, o actual Governo optou pelo decréscimo das taxas de IRS nos seis primeiros escalões – com rendimentos colectáveis anuais até ao valor de 39.791,00 euros -, dando continuidade à estratégia fiscal do anterior orçamento de Estado (na qual já se encontrava prevista um decréscimo das taxas de IRS para os cinco primeiros escalões).
E, desde logo, importa notar que foram criadas duas modalidades de tabelas: i) as ditas «especiais», a título transitório, e, ainda, ii) as tabelas «normais», definitivas.
As tabelas «especiais» – de aplicação única -, entre 1 de Setembro e 31 de Outubro de 2024, constituem um mecanismo de retroactividade para recuperar o imposto retido a mais aos trabalhadores por conta de outrem e pensionistas nos primeiros oito meses do ano. Com isto, estes estarão sujeitos a descontos inferior, ou até, poderão encontrar-se isentos de descontos, para efeitos de IRS, durante estes dois meses a que nos reportamos.
Em termos quantitativos, com as novas tabelas de retenção transitórias, será aplicada uma taxa de retenção de 0% para salários brutos até 1.175,00 euros e para pensões até 1.202,00 euros. Superando estes valores, as taxas aplicáveis são, também elas, reduzidas.
Por inerência, durante estes dois meses, notar-se-á um aumento significativo do rendimento líquido, uma vez que os montantes em excesso pagos pelos contribuintes, desde Janeiro até Agosto, serão, nesse hiato temporal, devolvidos. Deve ainda apontar-se que, caso não seja possível a aplicação das presentes tabelas nos meses aludidos, a sua aplicação poderá ter lugar até Dezembro.
Porém, e atentas as tabelas «normais», nos termos do Despacho n.º 9971-A/2024, da Secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, nos meses de Novembro e Dezembro, o rendimento líquido de quem recebe valores compreendidos até ao sexto escalão, inclusive, será ligeiramente inferior face aos dois meses anteriores.
Não obstante, e em resultado da previsão de descontos mensais em montantes pecuniários menores relativamente aos anteriormente previstos para os meses que medeiam Janeiro e Agosto, a liquidez será globalmente maior.
Em termos matemáticos, a evolução dos escalões expressar-se-á da seguinte forma:
- 1.º escalão: passará de 13,32% retenção para 13%;
- 2.º escalão: passará de 18% de retenção para 16,5%;
- 3.º escalão: passará de 23% de retenção para 22%;
- 4.º escalão: passará de 26% de retenção para 25%;
- 5.º escalão: passará de 32,75% de retenção para 32%;
- 6.º escalão: passará de 37% de retenção para 35,5%.
Mas, cautela, não fique com a sensação de que estamos perante um aumento de salários ou de pensões. Não é disso que estamos a falar!
O que aqui se observa são meros acertos no pagamento do IRS. O Estado decidiu devolver já em Setembro e Outubro, em vez de esperar pelo normal acerto de contas feito com as declarações de IRS.
Na verdade, estes acertos poderão ter implicações no próximo ano, uma vez que há a possibilidade de os trabalhadores receberem menos e, no limite, de terem de pagar este imposto.
Uma coisa é certa: os reembolsos serão menores porque os trabalhadores já receberam o dinheiro que haveriam de receber apenas no ano seguinte. Ou seja, na realidade o reembolso não é menor, é faseado – se quiser ver por outra perspectiva, há uma antecipação do valor na conta.
Com a alteração das tabelas de retenção, além de uma maior liquidez em cada mês de salário, há aproximação entre o que o trabalhador desconta todos os meses e o que, na prática, paga a título de contas finais do ano, o que pode acarretar uma redução significativa nos seus níveis de reembolso anual de IRS.
Neste enquadramento, e como passa a descontar menos para a AT todos os meses, o volume do reembolso fiscal – o montante a devolver daquilo que foi descontado em excesso no acerto de contas final -, será igualmente menor.
Em suma, assistir-se-á: i) ao pagamento mensal de um montante de imposto inferior; ii) o salário passa a contar com maior liquidez; mas, no final de cada ano, o reembolso daquilo que é retido ao longo do ano também recua em proporção.
Ficou com dúvidas? Veja um caso real sobre como funcionará a retenção na fonte para um agregado familiar.
Simulando uma situação salarial em que em que ambos os elementos do casal auferem 1.500,00€ por mês, se este agregado tiver dois dependentes, haverá uma poupança de 724€, 320€ correspondentes à redução na retenção do IRS em Setembro e Outubro, somados à redução de 28 euros em Novembro, Dezembro e no subsídio de Natal, em comparação com o valor retido ao longo do ano.
Se, por outro lado, um casal, também com dois dependentes, auferir um salário de 1.000 euros por elemento, a redução no IRS será de 202 euros, com uma poupança de 80 euros em Setembro e Outubro, e 14 euros nos meses seguintes. Para um casal que ganhe 2.000 euros brutos por elemento, a poupança na retenção será de 1.338 euros, considerando os quatro salários restantes deste ano e o subsídio de Natal.
Ficamos assim a aguardar se, na prática, esta iniciativa governamental traz vantagens para o dia-a-dia dos trabalhadores.