Combater o medo e promover a confiança precisa-se
Cinco especialistas de diferentes sectores juntaram-se em mais um pequeno-almoço debate Human Resources para partilhar como a actual crise pandémica está a ser gerida nas suas empresas e como estão a tentar promover a confiança internamente quando, de fora, as mensagens instigam mais ao medo.
Por Ana Leonor Martins | Fotos Nuno Carrancho
No mais estrito cumprimento de todas as regras de segurança, a Human Resources voltou a promover um pequeno-almoço debate. O medo e a confiança foi o tema em destaque, numa altura em que somos “bombardeados” com notícias negativas, que contribuem para aumentar o primeiro e diminuir a segunda. O contexto é complexo, ninguém nega. A pandemia provocada pela COVID-19 é uma realidade, e a segunda vaga está a revelar-se pior do que a primeira. E informação continua a ser pouca – e por vezes contraditória ou pouco clara –, o que não ajuda. Em Março tivemos um confinamento obrigatório, em Junho o teletrabalho deixou de ser obrigatório, mas essa obrigatoriedade agora voltou (de ressalvar, no entanto, que este pequeno-almoço teve lugar antes de ser decretado novo Estado de Emergência e o regresso da obrigatoriedade do teletrabalho, pelo que a conversa reflecte a realidade anterior). As empresas querem – têm – de continuar, mas existe uma nova variável para gerir: o medo dos colaboradores.
Durante hora e meia, responsáveis de diferentes sectores, do Farmacêutico e Saúde aos Recursos Humanos, passando pelo Tecnológico até à Advocacia, partilharam a sua experiência dos últimos meses e qual a realidade que enfrentam actualmente nas suas empresas. Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati; Nuno España, responsável de Marketing & Customer Management da Lusíadas Saúde; Nuno Ferreira Morgado, partner e coordenador da área Laboral da PLMJ; Nuno Troni, director da Randstad Professionals e Ricardo Nunes, director de Pessoas e Organização da Novabase, foram os especialistas convidados para o debate que se realizou no hotel Vila Galé Opera, em Lisboa, no passado mês de Outubro.
Medo ou conforto?
O primeiro desafio lançado para debate foi tentar perceber como, no actual contexto, em que a saúde pública está em risco, se estabelece confiança, para combater o medo e, assim, conseguir que as pessoas continuem a trabalhar e a viver. Relacionado com este tema surgem outros, como o da saúde mental, com reflexos negativos quer para os trabalhadores, quer para as empresas. Qual o papel das organizações e dos líderes? Como podem promover a confiança para assegurar o bem-estar dos profissionais, quando a comunicação exterior não ajuda? Devem não insistir em trazer as pessoas de volta, decisão que afecta não só as próprias empresas, mas a economia como um todo, pois se as pessoas ficarem em casa, consomem menos. «Não queremos morrer da doença, mas também não podemos morrer da cura», afirma-se.
Perante a nova realidade, e sabendo que mesmo quando acabasse a obrigatoriedade de confinamento, o regresso não poderia ser feito nos mesmos moldes, as empresas rapidamente reorganizaram os seus espaços de trabalho e implementaram todas as regras de segurança, do distanciamento às máscaras e higienização. Quando, em Junho, deixou de existir obrigatoriedade de teletrabalho, nem todas as empresas tomaram a mesma opção: umas quiseram manter as pessoas em teletrabalho, outras deixaram ao critério dos colaboradores, regressando apenas os que se sentiam confortáveis, e houve quem “obrigasse” ao regresso, implementando a rotatividade de equipas.
«Tentámos não ultravalorizar o tema do medo e do ficar em casa», revela-se. «Porque a nossa actividade permite perfeitamente o teletrabalho, confinámos como todos os outros, e a equipa foi muito produtiva. As solicitações foram muitas, a exigência aumentou, mas as pessoas envolveram-se muito. Os que não estavam a ser tão solicitados dedicaram- -se a produzir conhecimento. Assim, no regresso não impusemos nada, dando a liberdade a cada um de escolher. E praticamente todos regressaram ao escritório. Talvez porque a nossa média etária é baixa e não lhes apetecia estar fechados em casa, sendo que também foi importante terem percebido que todas as medidas de segurança foram implementadas», realça-se.
Realidade diferente registou-se noutro sector, também com média etária baixa, e tendo também sido «asseguradas todas as medidas de segurança, com circuitos de circulação dentro dos edifícios, desinfectante em todo o lado, máscaras, lugares de garagem para toda a gente, sem lugares fixos, nem para a administração, e de reorganização dos espaços, mas, não havendo essa exigência, as pessoas preferiram não voltar», conta-se.
Para tentar perceber os motivos, foi feito «um “pulse check” e as pessoas mostraram acreditar que o edifício é seguro, mas muitas colocaram a questão de como se deslocar para a empresa, pois não conseguem ir de carro, não têm os meios ou é um investimento considerável. O medo maior é o dos transportes públicos. E não deixa de ser estranho que «o Governo fale de tudo e ignore sempre este tema», faz-se notar. Por outro lado, «as pessoas estão mais confortáveis em casa. E também sentem que, em casa, ganham o tempo que não perdem nos transportes. Não sei se a principal razão será o medo ou o conforto.»
Também neste caso não houve quebra de produtividade pelo facto de os profissionais estarem em casa. «Sentimos que os nossos projectos não derraparam, mas temos consciência de que estamos num sector privilegiado para isso.» Não obstante, e apesar de a curto prazo ser «indiferente as pessoas estarem em casa ou no escritório, a médio prazo terá impactos e consequências. As pessoas estão a ficar mais individualizadas, têm menos espírito de equipa e de empresa, correm por si e não pelo grupo. Por outro lado, quando corre tudo bem, muito bem, mas se há uma crise, estando todos separados, é muito mais difícil resolver e gerir. A longo prazo, não podemos funcionar com toda a gente remota, pois, por muitas iniciativas que sejam promovidas para juntar as pessoas virtualmente, acabamos por ficar desagregados, perdemos o propósito.»
Mas há quem esteja a fazer um esforço para promover o regresso ao escritório. «Tem de ser claramente pelo exemplo, e por isso estou lá. Mas não chega, e também temos sobretudo pessoas jovens. Cumprimos todas as regras, temos garagem, mas, de facto, quem vai de transportes tem receio», concorda-se. «Não é fácil promover o regresso e há perdas significativas de engagement, de cultura e de conhecimento por estarmos separados fisicamente.»
Não é um exercício fácil, e se há áreas em que não fará muita diferença, noutras as “perdas” são consideráveis. Exemplifica-se: «Fizemos onboarding durante o confinamento e foi um desastre. Por muita tecnologia que exista, não funciona. O mesmo no que respeita à inovação e desenho de processos, tal como na área comercial também não é bem a mesma fazer reuniões presenciais ou digitais. Mas já no recrutamento, a diferença é irrelevante.»
Num outro exemplo, de uma empresa com média etária consideravelmente mais elevada do que nos casos partilhados anteriormente, verifica-se que o tema do medo não é um tema de idade. «A nossa média é elevada e todos quiseram regressar, inclusive alguns de risco. E vão todos, ainda que não ao mesmo tempo, claro. Um factor que pode fazer a diferença é que, no nosso caso, a questão dos transportes públicos não se coloca. Ou as pessoas têm, viatura de serviço ou própria. E os que não têm a empresa paga Uber, mas são uma minoria. Em termos de confiança no espaço e de tudo o que se preparou para o regresso, as pessoas estão muito confortáveis.»
Uns numa bolha, outros nem tanto
Há quem faça notar que, nestes fóruns, acabamos por discutir a realidade de uma elite, uma bolha das empresas de topo que não representa a realidade do País, que é a das pequenas e médias empresas. «O que não significa que as pessoas que trabalham nessas empresas de elite tenham essa consciência», ressalva-se. «Também passamos aos nossos colaboradores que são privilegiados porque não sentiram o impacto da crise, mas as pessoas nem sempre reconhecem isso», constata-se. Quando se fala em manter ou não as pessoas a trabalhar em casa, há outra questão que se levanta: as desigualdades ou desequilíbrios que se podem gerar. Será que quem vai para a empresa não sente que tem mais direitos face aos que não estão? E se há umas empresas em que se faz rotatividade e vão todos, noutras vão sempre os mesmos, o que «dificulta a gestão das equipas», admite-se.
«Nos serviços centrais, temos rotatividade, mas as pessoas dos projectos só vão quando é preciso. Não sinto que uns se sintam privilegiados ou prejudicados em detrimento de outros. Mas os líderes querem dar o exemplo e estão lá. E é inevitável que as pessoas achem que se o chefe está lá, também deveriam ir. Um bocado a lógica do “longe da vista longe do coração”. Isso pode acontecer, até de forma inconsciente.»
De um sector diferente, opinião idêntica: «A questão não passará tanto por ter de ser privilegiado ou ter mais direitos por ir ao escritório – acho claramente que não –, mas acaba por haver ganhos evidentes. A relação com a chefia acaba por ser mais próxima. A importância do relacionamento informal não se perdeu.» Por outro lado, «as pessoas sentem que têm mais capacidade de reclamação», completa-se.
Leia o artigo na íntegra na edição de Novembro (n.º 119) da Human Resources nas bancas.
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