Como está o medo a afectar o nosso regresso ao trabalho?

RE(TALK)

O novo coronavírus continua activo e as perspectivas de se encontrar uma cura ou vacina são bastante inconclusivas. Assim, temos que aprender a viver com ele. E, muito naturalmente, com o medo. Será a nova (in)competência dos dias de hoje? Sofia Fernandes, Talent Development manager da Lusíadas Saúde, e Patrícia Gonçalves, senior manager Randstad Professionals, reflectiram sobre o tema, em mais uma re(talk). 

 

Em debate, no regresso das re(talks), esteve o medo gerado pela pandemia e como está a afectar o nosso dia-a-dia, nomeadamente no trabalho. A partilha surge-nos de quem nunca “fechou portas”, por Sofia Fernandes, e de quem contactou o mercado, e interagiu com empresas e candidatos, Patrícia Gonçalves, numa conversa moderada por Ana Leonor Martins, directora de Redacção da Human Resources.

Na linha da frente enquanto prestador de cuidados de saúde, a Lusíadas Saúde teve grande parte dos colaboradores em teletrabalho, quer na área corporativa, quer também no contexto dos profissionais de saúde, «através da criação de equipas espelho, para assegurar equipas sempre prontas para trocar com as que estavam no terreno e nas consultas online», partilha Sofia Fernandes.

Já o regresso está  ser gerido de forma diferente nestas duas realidades: no caso das unidades de saúde, as equipas já estão praticamente em pleno no “terreno”, pois já começa a não fazer sentido ter as equipas em espelho. No caso das áreas corporativas, desde o dia 1 de Julho que a empresa tem incentivado várias “waves” de regresso à sede», conta. «O teletrabalho surgiu de repente e de uma forma massificada, mas veio para ficar, inclusive nos profissionais de saúde. Algumas das nossas pessoas vão manter o sistema misto, até porque não queremos que a sede tenha uma taxa de ocupação superior a 70%.»

 

No caso da Randstad, houve uma adaptação rápida para continuar os processos de recrutamento online. «Na verdade, no passado já tínhamos soluções que nos permitiam desenvolver todos os processos de uma forma digital», garante Patrícia Gonçalves. Com a pandemia, o que a empresa verificou foi que a experiência do candidato também beneficiava deste modelo de recrutamento. «O processo tornava-se mais ágil e mais rápido e a disponibilidade dos candidatos para participar nos processos era mais imediata, e a própria experiência do cliente não foi afectada.» Actualmente, a empresa está a retomar as actividades presenciais, seja nas reuniões com os clientes ou nas entrevistas com os candidatos, mas a senior manager acredita que os processos híbridos vieram para ficar. «Podemos adoptar como regra os processos de recrutamento começarem de forma digital e avançar para a entrevista presencial mais perto da tomada de decisão.»

 

Durante este período, a Lusíadas Saúde tem lidado com o medo dos cidadãos de ir ao médico, por não se sentirem seguros. Será que o mesmo se verifica em relação aos colaboradores, no regresso ao seu local de trabalho? Sofia Fernandes acredita que não. «Como o regresso está a ser faseado, esse receio já se encontra diluído. Os primeiros a regressar foram os que sentiram mais esse desconforto, o que se percebe porque foram os primeiros a sair de um meio que eles controlavam, as suas casas, e tiveram de se deslocar para o trabalho, muitos de transportes, o que trouxe algum desconforto e ansiedade», reconhece. «Mas nas “waves” a seguir isso já não se sentiu, até porque se começou a assistir ao passa palavra positivo de que tudo estava a correr bem.»

A Talent Development manager faz no entanto notar que apesar de os colaboradores se sentirem confortáveis no local de trabalho, no qual confiam, tendo havido o cuidado de, antes do regresso, comunicar a todos as mudanças que tinham sido feitas ao nível da higiene e da segurança», há receio na realização do trajecto de casa até à empresa. «Mas acredito que também esse receio começa a ser ultrapassado, pois com as rotinas vem a estabilidade e a confiança».

 

No que respeita aos processos de recrutamento, as pessoas podem deparar-se com dois receios: um, pela sua saúde, outro de ficar sem emprego. Patrícia Gonçalves sublinha que «o momento da entrevista é sempre muito impactante para os candidatos, pelo que é muito importante que eles sintam segurança e com confiança nesse momento. E temos efectivamente sentido essa confiança por parte dos candidatos, seja na altura da marcação da entrevista, seja na sua efectiva realização nas instalações da Randstad»

 

Uma nova variável?

Visto que o vírus continua activo e as perspectivas de se encontrar uma cura ou vacina continuam bastante inconclusivas, será o medo uma nova variável a ter em conta no âmbito das relações laborais e saber geri-lo uma nova soft skill? Na opinião de Sofia Fernandes, o medo é um regulador natural que o ser humano tem para se auto preservar. «E é isso que permite ao colaborador perceber a importância de cumprir determinados procedimentos e de ter certas regras incutidas nas suas rotinas.»

Assim, a Lusíadas Saúde tem assumido como prioridade comunicar com os colaboradores de uma forma bastante próxima. «É importante passar a mensagem de que é natural estar a sentir algum receio e, simultaneamente, dar o máximo de informação, materializando o que lhes transmitimos através de um cenário e de um ambiente onde o colaborador se sente efectivamente seguro.»

Questionada sobre se o “medo” teve de alguma forma impacto na produtividade, Sofia Fernandes confessa que é difícil medir, mas avança: «Temos uma linha de apoio psicológico desde o início, que tem feito o acompanhamento dos colaboradores, e de facto houve pontualmente um ou outro colaborador que precisou de ficar mais resguardado.»  Não obstante, a responsável assegura que a produtividade não foi afectada, «nem na parte corporativa nem nas unidades hospitalares».

 

Já Patrícia Gonçalves reitera que, «para além do medo de ficar infectado, as pessoas têm medo de perder a sua estabilidade económica ou o seu emprego, e esses diferentes medos geram diferentes tipos de reacções. Temos de pensar que, da mesma forma que o vírus é contagioso, as emoções também podem ser transmitidas de pessoa para pessoa», faz notar, concluindo: «O mais importante é não deixar que esse medo seja bloqueador, quer individualmente, para os candidatos, quer colectivamente, no caso das empresas, pois as organizações não devem ter medo de recrutar e de continuar a investir nos seus colaboradores. A transparência é importante de modo a que a confiança aconteça, nas diferentes vertentes.»

 

De lembrar que as  re(talks) são uma iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources.
re(Veja) na íntegra.

Texto: Sandra M. Pinto

 

 

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