Como gerir a mudança organizacional pela positiva: Sete estratégias de foco na solução

As abordagens tradicionais de resolução de problemas assumem uma causa e um efeito, mais ou menos linear, entre problemas e soluções. O modelo do Foco nas Soluções propõe uma forma de atingir metas que se concentrem em soluções e não em problemas.

 

Por Luís Miguel Neto, Docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – ISCSP e membro integrado do Centro de Administração e Políticas Públicas – CAPP

 

A mudança acontece nas nossas organizações e vidas a todo o momento. Seja rotineira e presença no quotidiano habitual, ou inesperada e dramática, é inevitável, e pode mesmo ser bem-vinda ou altamente promissora, inclusive em contextos e momentos desafiantes. Ou seja, na sombra de Heráclito, podemos vir a encontrar territórios promissores e férteis.

A forma como vivemos e encaramos a mudança, e a maneira como a usamos para reavaliar e robustecer as melhores formas de operar, fará toda a diferença no tipo de legado que deixa e na sustentabilidade e qualidade da vida pessoal e organizacional.

Aprender com a mudança é, aliás, uma das mais repisadas estratégias para que as empresas se mantenham competitivas (Barkai, 2020); no entanto, pessoas e organizações nem sempre têm ferramentas para transporem estes “Cabos das Tormentas” a.k.a. [also known as], Boa Esperança.

O medo de falhar, um mindset fixo, a exaustão e a falta de reflexão, a falha em conhecer e aplicar as forças pessoais e organizacionais, e os enviesamentos nas atribuições e explicações – quer nos sucessos, quer nos erros (Gino & Staats, 2015), são alguns dos impeditivos para olhar o passado e o futuro enquanto potenciais reservatórios de soluções. Chamamos aqui à pedra alguns exemplos: a investigação no âmbito dos desastres naturais e das alterações climáticas mostra que as pessoas e os líderes se esquecem muito rapidamente das catástrofes, e que o efeito que tais eventos têm sobre o comportamento humano é, surpreendentemente, pequeno (Ray et al., 2017).

Já no âmbito específico da aprendizagem organizacional, a investigação evidencia que os líderes corporativos frequentemente culpam os fracassos das suas empresas atribuindo-os ao acaso, e a acontecimentos fora do seu controlo, enquanto, simultaneamente, atribuem os sucessos ao brilhantismo, habilidades, competências e trabalho árduo, e não à sorte (Gino & Staats, 2015).

Temos vindo a trabalhar, há décadas, com um modelo que se tem mostrado útil e produtivo na gestão da mudança e aprendizagem nas organizações: o modelo do Foco (ou Orientação) nas Soluções. Desenvolvido nos anos 80 no âmbito da terapia, por Steve de Shazer e Insoo Kim Berg, no Milwaukee, foi saudável e adequadamente adaptado ao mundo organizacional, provando a sua relevância e sucesso muito para além do cenário terapêutico original (Jackson & McKergow, 2007; McKergow, s/d).

 

Modelo do Foco nas Soluções
As abordagens tradicionais de resolução de problemas assumem uma causa e um efeito, mais ou menos linear, entre problemas e soluções. O modelo do Foco nas Soluções propõe uma forma de atingir metas que se concentrem em soluções e não em problemas; no futuro, não no passado; e no que fazer, em lugar de procurar a quem culpar (Jackson & McKergow, 2007).

Pressupõe que o papel de um líder ou chefia – ou de qualquer gestor e facilitador de mudança – é encontrar mudanças úteis e amplificá-las, orientando o foco para os recursos e não para o défice, numa postura não culpabilizadora, mas de grande pragmatismo, humildade, flexibilidade, e altamente capacitadora e cooperativa (O’Connell, 2001).

A mudança opera-se da exploração do problema para a co-construção comprometida de soluções, trabalhando com base em futuros desejados, e permeando as práticas de conscientização e mudança com as forças e qualidades pessoais e organizacionais presentes e potenciais.

Trata-se de um modelo que usa a linguagem como ferramenta fundamental de mudança, e coloca a formulação e acuidade das questões formuladas no centro da abordagem.

Os profissionais – líderes, facilitadores, coaches – que trabalham com um modelo centrado nas soluções acreditam que os colaboradores têm recursos, virtudes e experiências de vida e de trabalho que podem ser trazidos à luz e utilizados para atingir os objectivos de mudança, assumindo que há sempre excepções e/ou explicações alternativas dentro das histórias saturadas de problemas que permeiam a organização ou as equipas.

Estas descrições alternativas podem ser utilizadas para identificar os comportamentos úteis e os recursos emocionais que levarão a criar uma história mais ampla e esperançada do futuro (McKergow, s/d). Assim, ao enfrentar um problema, reconhecem-no, mas reenquadram-no de forma positiva, trazendo ao de cima soluções, mesmo que embrionárias.

As conversas sobre o problema ocorrem numa perspectiva de constante e potencial estado de mudança, e reconhecimento do seu estado transitório, acontecendo em redor das experiências únicas das equipas e colaboradores, validando-as e afirmando as histórias, muitas vezes não narradas, de competência e excepção – iluminando o futuro e amplificando a linguagem das soluções transferíveis (O’Connell & Palmer, 2004).

A administração estratégica da mudança nos ambientes de gestão é, assim, vista a partir de uma perspectiva interactiva e de diálogo contínuo e continuado, e inclui um conjunto de pressupostos e de ferramentas, que em seguida se descrevem.

 

1. Questão escala
Reconhecimento da necessidade de avaliação contínua situada na perspectiva do “sistema-cliente”. A formulação da questão escala é simples e inequívoca (“De 1 a 10, sendo 1 o nível mais baixo e 10 o máximo, quanto é que confia na capacidade desta equipa/organização/pessoa para conseguir encontrar uma solução para o problema em análise?).

Como a resposta é necessariamente numérica, a gestão da resposta pode requerer atenção e considerações especiais. Por exemplo, as avaliações negativas (inferiores ao valor médio de 5) requerem uma redefinição da situação em termos de capacitação (“Como conseguiu/conseguiram não desistir até agora? Onde foi/foram buscar as competências/recursos para lidar com a situação?”). As respostas medianas (6 a 8) abrem a porta para a definição de objectivos (“O que é preciso acontecer para subir meio ponto na escala?”).

Finalmente, as avaliações máximas (9 e 10) requerem no seu prosseguimento a investigação sobre a manutenção das circunstâncias (“O que é preciso acontecer para continuar assim?”). Naturalmente que a formulação da questão inicial terá de incluir conteúdos essenciais para a vida do sistema humano em presença, por forma a assegurar o potencial de mudança da questão escala.

 

2. Questão “milagre”
Concretização da definição de objectivos na linguagem e horizonte de sentido do “sistema-cliente”. Inicialmente, a questão era formulada em termos das consequências da emergência súbita de um “milagre”, mas é também possível a utilização de formulações equivalentes: “Se não existisse o problema, o que seria diferente? Quem seria(m) o(s) primeiros a notar? Quais seriam as consequências para os colaboradores, stakeholders e clientes?”, “Se um milagre acontecesse na sua organização/equipa, o que ia fazer de diferente em primeiro lugar? E que mais?”.

 

3. Procurar, identificar e ampliar as excepções
Uma condição do trabalho baseado na orientação para as soluções deriva do pressuposto de que os problemas nos sistemas humanos têm sempre excepções na sua frequência e intensidade. Por exemplo, “Quando é que os resultados de vendas estiveram mais próximos do esperado? O que aconteceu de diferente nesse dia/semana/mês?”.

 

4. Felicitar os resultados
Incorporar uma estratégia constante de elogio dos progressos, incluindo os mais vestigiais e secundários. Os baby steps são considerados os acontecimentos essenciais na mudança. Se possível, teatralizar a reacção de surpresa
sobre a capacidade de obtenção dos resultados em face das circunstâncias vividas pelos intervenientes (equipa, líderes, colaboradores), ampliando a atenção sobre os bons resultados e a prática das soluções.

 

5. Reformular e reenquadrar a linguagem, explicações e descrições formuladas
A consideração da orientação para as soluções sobre a linguagem como central na vida de uma pessoa, equipa e organização – e não apenas um reflexo desta – conduz à detecção de todas as oportunidades de introduzir versões narrativas diferentes na linguagem do sistema.

 

6. Incluir, sempre, uma tarefa de desenvolvimento entre conversas/reuniões/sessões dedicadas à mudança
Lança-se o convite a um “TPC”, isto é, ao desempenho pela equipa/pessoa/sistema de uma “Tarefa Para Consolidação”, a ser desempenhada posteriormente ao contacto com o sistema e no intervalo entre esses contactos. Trata-se de uma forma de avaliar o comprometimento com o processo e potencial de mudança.

 

7. Esperar mudanças súbitas e radicais
Depois da fase inicial de surpresa ou cepticismo por parte do sistema/equipa/ pessoas envolvidas na mudança relativamente à abordagem, é muito provável e comum que haja uma aprendizagem, ou seja, que o sistema compreenda como gerir as circunstâncias de forma a obter mudanças radicais anteriormente (im)possíveis.

 

Conclusão
Uma característica da disseminação das abordagens centradas nas soluções nos últimos 20 anos têm sido as muitas aplicações na área da gestão e da mudança organizacional. Esta não será uma evolução surpreendente, dada a natureza pragmática e eficaz das estratégias que lhe estão associadas, que correspondem ao desejo dos líderes em encontrar formas eficientes de progresso nas suas organizações.

Desde o tempo das primeiras aplicações organizacionais, em meados da década de 90, a abordagem de foco nas soluções tornou-se cada vez mais influente. Aplicada à gestão de recursos humanos, pode assim vir a constituir-se, cada vez com mais determinação e amplitude, num modelo especialmente útil, que dê fôlego e horizonte aos sistemas humanos mais marcados por mudanças incontornáveis ou desejosos de aprendizagens sustentáveis –  precisamente pelo seu formato diferente, acessível, radical, e pelas suas comprovadas consequências pragmáticas transformadoras.

 

Este artigo foi publicado na edição de Agosto (nº. 116) da Human Resources, nas bancas.

Ler Mais