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Como gerir e para quem
Rui Rio, senior advisor da Boyden Portugal e ex-presidente da Junta Metropolitana e da Câmara Municipal do Porto, fala das principais comparações que estabelece entre a gestão nas administrações pública e privada.
A gestão apresenta grandes desafios aos lideres que, hoje, estão à frente das instituições que fazem parte da administração pública. Terá a administração pública alguma coisa a aprender com a gestão privada?
Nestas respostas, Rui Rio, senior advisor da Boyden Portugal e ex-presidente da Junta Metropolitana e da Câmara Municipal do Porto, fala das principais comparações que estabelece entre a gestão nas administrações pública e privada numa entrevista publicada na página da Boyden.
Quais as principais diferenças entre a administração pública e a gestão privada?
Em termos de gestão, a principal diferença entre as administrações pública e privada é o facto da gestão pública não ter que se preocupar com aquilo que é justamente a principal preocupação de uma actividade privada: a faturação. Na administração pública a angariação de receitas é normalmente um dado adquirido. Mesmo quando há autonomia administrativa e financeira, a principal fatia das receitas é sempre um dado certo e definido à partida. Numa Câmara Municipal, por exemplo, há margem para se conseguir algumas receitas adicionais para lá das receitas provenientes dos impostos e das taxas, mas não é nada que constitua a principal actividade de uma autarquia. Numa empresa privada, as vendas e a prestação de serviços são a sua própria razão de ser. Numa direcção-geral a margem para se conseguir receitas próprias, para lá da receita orçamental previamente definida, é ainda mais escassa.
Se pensarmos na Polícia, na Educação, na Saúde, nas Forças Armadas ou, por exemplo, na Segurança Social, percebe-se facilmente que a principal preocupação tem de ser a de prestar um bom serviço público e nunca a da angariação de receitas.
A performance mede-se essencialmente pelos resultados obtidos na execução da despesa, ou seja, pelo grau de optimização dos gastos. Este factor provoca uma forma de abordar a sua atividade e uma maneira de se organizar muito distinta da dinâmica empresarial. Na actividade privada, a preocupação em servir bem o cliente está diretamente relacionada com a necessidade de facturar. Na administração pública, essa preocupação deve estar centrada na defesa do interesse colectivo e nunca na satisfação do interesse individual, que deve obedecer sempre a parâmetros de ordem ética, mas que no privado é, por regra, o objectivo nuclear da sua actividade.
Dito de outra forma, o privado visa o seu lucro, enquanto que a actividade pública deve visar o “lucro” dos outros. É, por isso, que a actividade privada é, normalmente, mais produtiva, porque quem está ao leme, está a fazê-lo na defesa do seu próprio interesse, enquanto que na administração pública, está a fazê-lo no interesse de todos; para já não dizer que, na óptica de alguns, até o estará a fazer no interesse dos outros. E todos sabemos que, por infeliz característica que lhe é muito própria e salvo raras excepções, o ser humano defende muito mais empenhadamente o que é seu, do que aquilo que é de todos.
Qual a principal competência presente nas empresas privadas, que também deveria ser, hoje, essencial à gestão pública?
Embora com lógicas muito diferentes — como acabei de dizer — as empresas privadas estão muito mais orientadas para o resultado; até porque esse resultado é mais facilmente mensurável do que na administração pública. O sector público devia ter uma cultura mais virada para o resultado do que aquilo que tem. O Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP) veio implementar um pouco mais essa lógica, mas, ainda assim, há muito caminho a percorrer até se conseguir um nível minimamente satisfatório.
Que ganhos poderiam ter as instituições públicas se se aproximassem da lógica de gestão do sector privado?
É evidente que, no sector público, há uma diferença substancial entre as empresas de capitais públicos que estão muito mais próximo de uma lógica de mercado e que também têm de facturar, e a administração pública propriamente dita.
No caso vertente, estou a olhar apenas para a administração pública “pura e dura”. E aí, se a gestão pública fosse mais orientada para os resultados, é óbvio que a produtividade e a optimização da utilização dos recursos seria bem maior do que a que se tem vindo a conseguir. Poder-se-ia fazer mais com menos. A inclusão de uma pequena componente variável na remuneração dos funcionários públicos poderia ser também um caminho inteligente para fazer alguma diferenciação entre quem trabalha muito e bem, e quem pouco faz — e na, administração pública, há gente muito, muito boa e gente que usa mil e um subterfúgios para nada fazer.
Há de tudo e seria bom que houvesse distinções, por uma razão de justiça, mas, também, para evitar que os bons profissionais não se desmoralizem, que é, aliás, o que se tem vindo a passar.
Como definiria o perfil ideal de um líder de uma organização pública?
Um particular gosto e orgulho no serviço público e uma excelente capacidade de gestão. Estas são as duas principais características que entendo como mais relevantes para se liderar uma organização integrada na administração pública.
Não vejo como seja possível que alguém exclusivamente orientado para as vendas e para a conquista de mercado, possa gerir bem um organismo que não visa em primeira linha esse mesmo objectivo.
Na vida pública, o gestor tem de ter um particular gosto por atingir objectivos que nada têm a ver com a venda do que quer que seja, mas sim com a melhoria do bem-estar da sociedade. Sem esse impulso, que tem de ser inerente à sua maneira de ser, a vida pública será sempre uma maçada, ou, então, o protagonista é movido por um qualquer outro motivo nada aconselhável para o efeito. Por outro lado, é absolutamente indispensável que tenha grande sensibilidade para a gestão, de forma a conseguir uma utilização de recursos o mais racional possível. E que, acima de tudo, tenha um grande respeito pelos dinheiros públicos que são “retirados” aos contribuintes para o bem comum e não para serem gastos como se a ninguém custassem a ganhar.