Como promover uma cultura de bem-estar nas empresas (quando a sociedade está doente)

Dados referentes à saúde e bem-estar dos portugueses são cada vez mais preocupantes. É um tema de sociedade, que se reflecte e tem impacto nas empresas. Tal como o da diversidade e inclusão. São temas tudo menos lineares e onde ainda há muito por fazer. Para contribuir para este caminho, a Human Resources promoveu mais um Executive Breakfast, desta feita em parceria com a Swaifor, e convidou 11 especialistas para partilharem as suas experiências e perspectivas.

 

Por Tânia Reis | Fotos Sérgio Miguel

 

Os números não são animadores. Quatro em cada cinco (82%) colaboradores estão preocupados com a possibilidade de um burnout, revela um estudo da Mercer. Mais de metade dos profissionais portugueses (60%) rejeitaria uma promoção que significasse sacrificar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, indica uma investigação da Michael Page. Já uma outra, da Medicare em parceria com a Marktest, mostra que cerca de 60% dos jovens entre os 18 e 34 anos experienciaram níveis elevados de stress nos últimos seis meses. Se a tudo isto somarmos o impacto dos problemas de saúde psicológica na economia nacional e produtividade das empresas, cujo valor, de acordo com estimativa da Ordem dos Psicólogos Portugueses, atinge os 5,3 mil milhões de euros por ano, é imperativo cuidar mais e melhor das pessoas.

Estes temas, de sociedade, estão a impactar as empresas? Como é que, nas organizações, sentem o estado da saúde mental e do bem-estar das pessoas? A Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) também impacta? Nesse âmbito, em que patamar estão as empresas? Que importância têm na promoção de uma cultura de bem-estar organizacional? Estamos a viver uma “perfect storm” para os vieses, preconceitos e deterioração da saúde (mental e física)? Se as “pressões” são maioritariamente externas, qual o papel das empresas? Circunscreve-se ao âmbito do trabalho ou está para além disso?

São inúmeras as organizações que têm vindo a tomar medidas e a implementar iniciativas em prol da saúde e do bem-estar dos colaboradores, principalmente desde a pandemia, e também para promover a DEI, mas estão a resultar?

Para tentar perceber como as organizações vêem estes temas, que desafios são mais complexos e mais urgentes endereçar, o que estão a fazer e o que tem corrido menos bem, a Human Resources, em parceria com a Swaifor, promoveu, no final de Setembro, mais um Executive Breakfast, que juntou no Hotel Altis Belém, em Lisboa, especialistas de Gestão de Pessoas de diferentes sectores, dos Seguros ao Retalho, passando pela Tecnologia, Saúde e Energia. Foram elas: Alexandra Pinote, head of Health & Well-being da Galp; Daniela Lima, managing partner da Swaifor; Fernanda Correia Dominguinhos, directora de Recursos Humanos da Norauto; Inês Calhabéu, fundadora e CEO da MyMatch; Joana Lemos, People Experience manager do Grupo Ageas Portugal; Kárin Léitzke, CEO da Pulsa; Maria João Maia, Legal & HR director na AstraZeneca Portugal, Inclusion and Diversity Champion; Maria Kol, Human Resources lead da Microsoft Portugal; Rita Távora, Talent Development manager na IKEA Portugal; Sara Silva, directora de Relações Humanas na L’Oréal; e Susana Rosa, directora de Recursos Humanos da Padaria Portuguesa. A conversa foi moderada por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources Portugal.

 

Tabus que persistem
A primeira constatação é unânime: «é um tema da sociedade» e, por razões óbvias, as empresas têm de o trabalhar. Até porque, «antes da pandemia, falar abertamente de saúde mental não acontecia», sublinha-se. A pandemia deixou marcas na sociedade e na economia e trouxe uma nova forma de olhar para a temática, «mas toda esta instabilidade a nível mundial, seja financeira ou geopolítica, no nosso país em particular, impacta a vida dos colaboradores». De um modo geral, concorda-se que «as empresas têm feito muita coisa, nunca se viu tantas iniciativas como agora». E várias responsáveis partilham que «mais fácil do que tentar adivinhar o que as pessoas podiam estar a sentir», foi começar a fazer «um assessment sobre saúde mental a toda a organização», para medir o pulso e «tentar perceber o que é que os colaboradores de facto sentem». E «depois “partir pedra” e trabalhar com base nesses resultados».

Programas, iniciativas e medidas não faltam, como, por exemplo, a criação de grupos e espaços seguros de partilha, para ouvir quem, directa ou indirectamente, tenha passado por problemas de saúde mental. «O impacto de ter testemunhos é extraordinário, eles fazem a diferença. Quando as pessoas têm a generosidade de falar na primeira pessoa sobre o que sentiram, o que passaram, e com toda a segurança psicológica e sem filtros, é muito enriquecedor e uma fonte importantíssima de informação», destaca-se. «Ter alguém que nos é próximo a demonstrar que “it’s ok”, a mostrar vulnerabilidade, que precisei de apoio em algum momento, que passei por isto, ultrapassei e não há problema em estar aqui a partilhar, faz diferença.» Ter especialistas a falar sobre o tema é outra aposta nas empresas, com webinares. «No dia a seguir temos 100 pedidos adicionais de suporte», revela-se.

Uma prática frequente, por questões de privacidade e fazer as pessoas sentirem-se à vontade, é recorrer a entidades externas, com especialistas disponíveis para atenderem às necessidades dos colaboradores, sejam psicólogos, terapeutas, assistentes sociais médicos, ou até psiquiatras. Há quem conte que, depois de implementar um serviço de acesso gratuito e ilimitado a consultas de psicologia, ou simplesmente chats, houve quase 200 pessoas a usufruir dele. Outro exemplo: «um programa que permite que, quando os colaboradores sentem alguma necessidade, como questões sociais, financeiras, de violência doméstica, entre outras, podem, de forma anónima, falar com assistentes sociais externas».

Também se dinamizam sessões sobre «técnicas de respiração, para gerir a ansiedade e ajudar a dormir melhor», para «dar a mão ao próximo» ou sobre «autoperdão» e, neste ponto, faz-se notar que o tema da culpa é sensível, nomeadamente no que diz respeito à mulher. «É a culpa de dizer que não, de não dar atenção suficiente aos filhos, ou sair para ir buscar um filho e sair mais cedo de uma reunião… », ouve-se. «Estamos sempre em défice, ou somos bons no trabalho ou somos péssimos em casa», reforça-se, dando voz à cultura de uma sociedade em que «as mulheres foram educadas mais para cuidar do que propriamente para estar a trabalhar e terem protagonismo».

É aí que entra outro factor relevante: o tabu. «Em determinados grupos, pode dizer-se que não se está bem, mas não abertamente para toda a organização. Tentamos muito desmistificar e dizer que é tão importante cuidar da mente como do corpo. Se estamos gordas e dizemos que vamos fazer uma dieta, ninguém nos critica. Porque é que, se achamos que não estamos bem e precisamos de ir ao psicólogo ou psiquiatra, de repente, já temos imensa vergonha de o dizer», questiona-se. «A maioria das pessoas tem receio de mostrar a sua fraqueza», responde-se. «Quando temos um problema no joelho, vamos ao médico, este receita-nos um medicamento e tomamos sem problemas. Não é sequer tema. Mas se temos de ir ao psiquiatra e tomar medicação para ficarmos bem, temos vergonha.»

Não obstante, realça-se que o problema também está na incapacidade de se conhecer os limites. «É preciso ter noção de que estamos a fazer muita coisa e, provavelmente, já não estamos a entregar um resultado tão bom. E dizer não. Falta-nos, muitas vezes, não reconhecer os limites. Só temos noção quando estamos doentes, e tem de ser alguém a dizer-nos.»

 

Preparar as lideranças precisa-se
Nestes temas, o papel das lideranças ou dos pares ganha ainda maior relevância. Contudo, mais do que «estarem atentos aos sinais e perceberem quando algo não está bem», é fundamental terem formação e «disporem de ferramentas para lidar com estes temas». E há temas muito difíceis de lidar, para os quais, obviamente, a maioria dos líderes e Recursos Humanos, por exemplo, não estão preparados para lidar. Sem tabus, partilham- -se dois casos: um de suicídio de um colaborador e um outro de pré-suicídio. «Estas situações provocaram danos psicológicos brutais à equipa», admite-se. «Estamos a falar de líderes com algum nível de maturidade e muitos anos de experiência, mas que, perante uma situação destas, se perguntam “e agora o que é que eu faço”.» A resposta foi disponibilizar apoio psicológico imediato à equipa. Mas deixa-se um alerta: «Por mais que digamos que temos mecanismos para apoiar em tudo o que for preciso, se o colaborador não quiser ajuda, não conseguimos. E temos de preparar os managers também nesse sentido, fazer o que está ao seu alcance pode não ser suficiente.»

Acresce que o middle management está «demasiado sobrecarregado. Há muitas iniciativas, e não podem ser apenas os Recursos Humanos a assumi-las, por isso contamos com os managers», ressalva-se, reconhecendo-se que, «a verdade é que nunca tiveram de se envolver em tantos temas complexos, sem esquecer que, no final do dia, têm de entregar resultados. São muitas frentes, e talvez seja necessário rever se é esse o caminho, porque as lideranças intermédias também estão a sofrer.» Por outro lado, faz-se notar que «também recai muitas vezes sobre os Recursos Humanos grande parte da responsabilidade» e «nem sempre são e estão completamente capacitados para o fazer», reitera-se.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Outubro (nº. 166) da Human Resources, nas bancas.

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