Consulting House: Estratégia, atitude e cooperação
Nas empresas, como no futebol (escrevo no rescaldo do Euro 2024), as melhores equipas precisam de poucas coisas. As três mais importantes estão no título deste artigo.
Por: Ricardo J. Vargas, CEO da Consulting House, Psicólogo, Executive Coach, Certified Management Consultant Pelo IMC USA, Certified Speaking Professional pela NSA USA, autor do bestseller internacional Chief Executive Team
Há mais requisitos para o sucesso? Pessoas competentes, equipamento, treino? Sim, claro, mas o meu argumento é que esses são requisitos mínimos.
Todas as equipas que participam no campeonato têm profissionais competentes, equipamento adequado, horas de treino e uma série de outros essenciais. O que diferencia as que ficam em primeiro é terem: uma estratégia vencedora, que ligue bem as necessidades do mercado com as capacidades da equipa; uma atitude aguerrida e comprometida de total empenho em todas as fases do jogo; e cooperação oleada para arrancar a estratégia à teoria e executá-la em conjunto, preenchendo os vazios com criatividade ao longo do jogo.
Estratégia, atitude e cooperação podem ser trabalhadas de muitas maneiras, mas quero aqui falar do veículo menos aproveitado para o fazer: os eventos corporativos.
O potencial dos eventos corporativos
A maioria das empresas tem momentos ao longo do ano em que reúne grupos funcionais (por exemplo vendedores), hierárquicos (líderes), ou toda a empresa, para passar um conjunto de mensagens. Seja para trabalhar um ciclo de vendas, informar sobre resultados, preparar o ano, explicar a estratégia ou vender uma mudança, fazemos um evento.
Mas colocar as pessoas na mesma sala não garante que se tornem uma equipa capaz de entender e executar a estratégia. Da mesma maneira que colocar todos os ingredientes numa forma não faz um bolo. Falta misturar na sequência certa e ativar a fusão química das capacidades individuais, alinhando-as com o resultado desejado. E isso é pouco feito nos eventos corporativos.
Os ingredientes habituais dos eventos são dois: informar e animar. Primeiro informamos sobre a estratégia, o produto, os resultados, a visão, ou o que seja o tema do dia. E quando as pessoas estão empanturradas de informação damos-lhes a animação, na forma de um teambuilding (nome genérico para coisas feitas em equipas), uma palestra motivacional ou um espectáculo divertido. Para que se distraiam e gostem do evento.
Os problemas habituais destes ingredientes são dois: transferência e permanência. Informar sobre a estratégia não garante que as pessoas sejam capazes de executá-la. Informar sobre o produto não significa que as pessoas sejam capazes de o vender. Explicar a mudança não faz com que as pessoas comprem a sua necessidade e a executem. O foco na racionalidade, no entendimento de conceitos, nos números, não chega para que os membros da equipa façam a transferência dos conteúdos para acções quotidianas.
A palestra motivacional, dada em geral pela narrativa de superação de uma pessoa bem-sucedida em qualquer área da vida, que moveu montanhas para chegar onde está, não garante que as suas circunstâncias, competências e decisões sejam acessíveis e operacionalizáveis por quem escuta com muito interesse. Tende a tornar-se uma história interessante que o espectador recorda com admiração sem fazer qualquer ponte com a sua realidade.
Se perguntarmos no final do evento como é que os participantes vão resolver os problemas mais frequentes na implementação da nova estratégia, ou na venda do novo produto, teremos uma surpresa. As pessoas até conseguem explicar o que se espera delas, quais as acções necessárias. Mas como não há aprendizagem, não transferem para o quotidiano novas formas de agir e de resolver problemas. E os conteúdos abordados desvanecem- se da memória, não permanecem.
A aprendizagem como vector de transmissão
Para que alguém retenha e transfira algo, tem de torná-lo seu, tem de fazer a transferência no momento da aquisição do conhecimento. O conhecimento teórico é pouco valorizado fora do meio académico. Como os praticantes de artes marciais sabem, “prática e conhecimento são apenas um”. Ninguém ganha um combate, um campeonato, ou uma batalha, em teoria. Todos os modelos, conceitos e ideias, ou funcionam na prática ou não são conhecimento.
Conhecer exige experimentar, utilizar os sentidos, assimilar uma realidade através de provas da sua existência. Conhece quem age. Sabe quem pratica. Sem prática não há conhecimento, repetia o meu mestre em todos os treinos. Esta prática é a aplicação de operações, mentais ou psicomotoras, a uma realidade que se pretende conhecer.
Quando queremos transmitir uma estratégia para ser executada não podemos simplesmente comunicá-la. Temos de garantir a sua assimilação, através de operações mentais a que chamamos aprendizagem. Sem ela não existe verdadeira transmissão da estratégia.
Dificuldade de estratégia
A dificuldade da estratégia não está no falar, está no fazer. Todas as estratégias para deixar de fumar, ou perder peso, são simples e eficazes em teoria. Na prática esbarram com a dificuldade de mudar hábitos e de adaptar o comportamento a uma realidade que preferimos não enfrentar.
Quando estou a apoiar clientes em workshops estratégicos de grandes grupos, em eventos corporativos, vejo muitas vezes os executivos preocupados com a qualidade da estratégia. Na verdade, é quase irrelevante. Costumo explicar, para os tranquilizar e preocupar, que uma boa execução salva uma estratégia mediana, e uma execução mediana estraga uma boa estratégia. Quando quem decide a estratégia passa a responsabilidade da sua execução a outros, abaixo na hierarquia, tende a achar que já fez o seu trabalho.
A transmissão da estratégia, seja ela de que tipo for, é um primeiro momento de aprendizagem de uma nova maneira de ser e fazer. O evento corporativo é uma oportunidade única de o conseguir. Aproveitando todas as pessoas relevantes estarem juntas é possível gerar um alinhamento nas operações mentais efectuadas individualmente e em conjunto no grupo para criar a base de aprendizagem que garante o entendimento, adesão e execução da estratégia.
Desenvolvemos para isso sequências de workshops e metodologias de aprendizagem a ser executadas no evento, que infundem a estratégia no quotidiano e usam as competências individuais para aprimorar a estratégia. Melhor do que uma estratégia perfeita é uma estratégia eficaz. Esta acontece apenas quando as pessoas a consideram propriedade sua.
Todos temos problemas de atitude
Apropriar-se da estratégia significa ter margem de manobra para desenhar uma implementação eficaz. E isto insere as questões de atitude na nossa conversa. Todos resistimos àquilo que não conseguimos alterar. Já sabemos isto, e outras coisas.
Já sabemos que existem sempre dificuldades pessoais que se manifestam apenas no momento da execução. Uma dieta parece sempre melhor quando vemos a foto do guru das dietas do que quando estamos à frente do fogão a cozinhar, ou quando olhamos para o resultado no nosso prato.
A melhor forma de lidar com objecções – e as atitudes negativas são objecções – é antecipá-las. Mas nos eventos corporativos o contraditório não é bem recebido. Vende-se uma realidade que não contempla alternativas, e isso é contraproducente.
As objecções representam emoções que precisam de ser trabalhadas de forma a abrir a mente para a racionalidade. Se nos sentimos mal com uma acção, por medo, desconfiança, preguiça ou raiva, não vamos implementá-la.
As atitudes contraditórias ao que estamos a propor como mote do evento podem ser antecipadas e neutralizadas, fornecendo ferramentas cognitivas e emocionais aos participantes para ver e sentir a realidade de formas diferentes, mais úteis. Ignorar a realidade das atitudes desalinhadas na empresa não a faz desaparecer. Se não trabalharmos as atitudes contra a estratégia no momento da sua comunicação, quando vamos fazê-lo?
Desenhamos momentos de inspiração, sketches, animação, em que os participantes são confrontados de forma positiva com o ridículo das suas atitudes negativas. Criamos guiões alternativos de acção para lidar com as questões de atitude. E garantimos que as pessoas os assimilam. Há ferramentas de Psicologia Social que servem bem este fim.
Tudo é feito por equipas
Tudo o que existe foi feito por equipas. Pode ter sido idealizado e desenhado individualmente, mas o mais provável é que tenha sido criado em equipa. A empresa que querem ter no futuro será criada por uma equipa – a vossa. Qualquer que seja a estratégia comunicada no evento, ou é executada em equipa ou não acontecerá. Para isso deve ser consolidada durante o evento utilizando elementos de cooperação através de gamificação, simulação, e aprendizagem organizacional em equipa.
O seu próximo evento corporativo pode incluir todos os ingredientes que listei neste texto para que a empresa entenda, assimile, adira emocionalmente e execute em equipa a estratégia desenhada. Estratégia, atitude e cooperação são mais fortes quando acontecem juntas desde o início.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Team Building/Eventos Internos” publicado na edição de Agosto (n.º 164) da Human Resources.
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