
Consulting House: Felicidade no trabalho em tempos turbulentos – o papel da autoliderança
A felicidade tornou-se uma preocupação estratégica para as organizações.
Por: Ricardo J. Vargas, CEO da Consulting House, Psicólogo, Executive Coach, Certified Management Consultant pelo IMC USA, Certified Speaking Professional pela NSA USA, autor do bestseller internacional Chief Executive Team
Da retenção e do engagement à inovação e ao desempenho, poucos contestam que colaboradores mais felizes alcançam melhores resultados. A comunidade de RH abraçou esta ideia com entusiasmo, oferecendo programas de bem-estar, aplicações de mindfulness, eventos de team building e inúmeras variações de benefícios associados à employee experience.
Estas iniciativas são importantes. Mas partilham uma limitação: tratam a felicidade sobretudo como algo que deve ser construído externamente, através da criação de circunstâncias positivas à volta dos colaboradores.
Isto funciona em tempos favoráveis. Mas o que acontece quando a turbulência chega?
Choques económicos, crises ou disrupções raramente vêm acompanhados de “circunstâncias felizes”. Se a felicidade depender apenas do exterior, colapsa quando o mundo à volta treme. E isto leva-nos a uma questão mais profunda, mais difícil, mas também mais sustentável: Como podemos ajudar os colaboradores a permanecer felizes não “apesar” das suas circunstâncias, mas “com” as suas circunstâncias?
Felicidade e Circunstâncias
O filósofo José Ortega y Gasset escreveu: “Yo soy yo y mi circunstancia”. A sua mensagem era clara: a vida humana não pode ser separada do contexto. Não somos mentes isoladas a flutuar acima da realidade, estamos inseridos nela e somos constantemente moldados pelas nossas circunstâncias.
No local de trabalho, isto é ainda mais verdadeiro. Uma disrupção na cadeia de abastecimento, um anúncio de crise ou até uma reunião difícil podem alterar o estado emocional de uma equipa inteira. Os colaboradores não vivem fora destes eventos. A sua felicidade está entrelaçada com eles.
Mas Ortega também acrescentou: “y si no la salvo a ella no me salvo yo”. As circunstâncias importam, mas a forma como lhes respondemos importa tanto quanto elas próprias. É aqui que entra a autoliderança.
Da Atitude Positiva à Competência
Muitas vezes, as abordagens à felicidade assentam em slogans como: “Pensa positivo!”, “Escolhe ser feliz!” ou “Acredita e alcançarás!”. Há alguma verdade nisto, porque a atitude conta, mas é uma base frágil. Em condições difíceis, os slogans raramente resistem. A crença sem resultados imediatos transforma- -se facilmente em frustração.
O que as pessoas precisam não é apenas de atitude positiva, e de benefícios proporcionados pela empresa, mas de competência prática e de ferramentas aplicáveis em tempo real que lhes permitam influenciar positivamente as suas circunstâncias e o seu estado interno.
O que é a Autoliderança?
A nossa investigação define autoliderança como “um processo de auto-influência através do qual as pessoas alcançam a auto-direção e a auto-motivação necessárias para o desempenho” [1][6]. Em termos simples: é a capacidade de gerir deliberadamente os próprios pensamentos, emoções e acções, para atingir objectivos importantes para si próprio, em vez de ser conduzido pelas circunstâncias. Níveis diferentes de autoliderança geram resultados diferentes. Um líder com baixa autoliderança vê um contratempo como uma ameaça, desencadeando stress e desmotivação. Um líder com elevada autoliderança reformula o mesmo contratempo como um desafio ou uma oportunidade de desenvolvimento, mantém a motivação e canaliza energia para soluções.
Crucialmente, a autoliderança não é um traço fixo. É mensurável, treinável e melhorável. Quando fornecemos e treinamos ferramentas práticas nas dimensões cognitiva, motivacional e comportamental, as pessoas tornam-se mais capazes de lidar com circunstâncias adversas e de aproveitar oportunidades positivas.
Evidência: Autoliderança e Felicidade
A última década trouxe evidência robusta de que a autoliderança impacta positivamente resultados críticos no trabalho.
Meta-análises de mais de 40 anos de investigação confirmam que a autoliderança está fortemente correlacionada com o engagement, a satisfação no trabalho e a criatividade [2][3]. A autoliderança prevê ainda o compromisso organizacional e reduz o risco de rotatividade [4], e em contextos de crise protege contra o stress e sustenta o desempenho adaptativo [5].
Em suma, a autoliderança ajuda os colaboradores a manterem-se envolvidos, resilientes e criativos, as bases da felicidade no trabalho.
O Nosso Estudo de 2025: Autoliderança, Flow e Felicidade
Na nossa investigação mais recentemente publicada [6], examinámos a relação directa entre o desenvolvimento da autoliderança, o flow (experiência ótima de trabalho), e a felicidade no trabalho. O Programa: Utilizámos um programa de desenvolvimento de autoliderança já implementado em clientes nossos de vários sectores e países, cientificamente validado num estudo anterior [5].
O Estudo: Realizado numa empresa multinacional do setor FMCG, com 64 gestores que participaram no nosso programa de oito semanas Self-Leadership Accelerator ®. A experiência diária de trabalho foi medida em tempo real através do método experience sampling method, recolhendo 4383 respostas durante o horário laboral.
Os Resultados: Os gestores aumentaram significativamente a sua capacidade de autoliderança ao longo do programa. À medida que a autoliderança cresceu, também cresceu o flow, com mais dias de foco, e trabalho no limite superior das suas capacidades. Relataram igualmente maior felicidade no trabalho, não como resultado de benefícios externos, mas como um estado interno reforçado pela competência. Importante: os efeitos no flow e na felicidade foram independentes, a autoliderança potenciou ambas as dimensões separadamente.
Estes resultados demonstram que a felicidade no trabalho não depende apenas do ambiente. Depende de dotar as pessoas da competência para prosperar no seu ambiente, seja ele qual for.
Felicidade como uma Capacidade Interna
Isto leva-nos de volta à conversa de RH sobre felicidade. As iniciativas externas importam: reconhecimento, trabalho flexível, programas de bem-estar e ligação entre equipas são todos contributos válidos. Mas sem capacidade interna, o seu impacto é vulnerável à turbulência.
Quando os colaboradores aprendem autoliderança, ganham resiliência para enfrentar crises sem perder satisfação, foco para encontrar flow nas tarefas diárias, confiança para manter a motivação e o desempenho mesmo sob pressão, e agência para influenciar a sua própria experiência em vez de esperar que as circunstâncias mudem. E sentem-se mais felizes como consequência.
A felicidade, nesta perspetiva, não é um benefício. É o resultado de uma competência individual.
Porque é que isto importa para RH
Os líderes de RH perguntam frequentemente: como construir uma cultura sustentável de felicidade? A resposta está em combinar alavancas externas e internas. Proporcionar o ambiente certo, sim, mas também treinar os colaboradores em competências que lhes permitam moldar a sua própria felicidade dentro desse ambiente.
Esta abordagem dual garante que a felicidade não é frágil, que não colapsa sob stress, mas sim sustentável, uma verdadeira vantagem estratégica em tempos voláteis.
Ortega y Gasset tinha razão: “Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”. As organizações não podem salvar as circunstâncias, a volatilidade está fora do seu controlo. Mas podem dotar as pessoas da competência para “salvarem-se” dentro dessas circunstâncias, e com isso impactar positivamente a empresa.
Essa competência é a autoliderança. Provavelmente o motor mais negligenciado da felicidade no trabalho. E temos evidência científica sobre a melhor maneira de treiná-la.
REFERÊNCIAS [1] Manz, C. C. (1986). Self-leadership: Toward an expanded theory of selfinfluence processes in organizations. Academy of Management Review, 11(3), 585–600. https://doi.org/ 10.5465/amr.1986.4306232 [2] Harari, M. B., Keeves, G. D., & Burbach, M. E. (2021). Self-leadership and work outcomes: A meta-analysis. Journal of Vocational Behavior, 125, 103521. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2021.103521 [3] Knotts, J., Houghton, J. D., & Goldsby, M. G. (2021). Self-leadership: A four-decade review of the literature and future research directions. The Leadership Quarterly, 32(6), 101494. https://doi.org/10.1016/ j.leaqua.2021.101494 [4] Thingvad, S. (2014). Self-leadership and organizational commitment: A study of Danish employees. Journal of Management Psychology, 29(5), 432–449. https://doi.org/10.1108/ JMP-05-2012-0165 [5] Marques-Quinteiro, P., Vargas, R., Eifler, N., & Curral, L. (2018). Employee adaptive performance and job satisfaction during organizational crises: The role of self-leadership. Journal of Work and Organizational Psychology, 34(3), 162–168. https://doi.org/ 10.5093/jwop2018a18 [6] Vargas, R., Marques-Quinteiro, P., Curral, L., & Eifler, N. (2025). Lead yourself to the zone and be happy: Self-leadership, flow, and happiness at work. PLOS ONE, 20(1), e0317741
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Felicidade nas organizações” que foi publicado na edição de Outubro (nº. 178) da Human Resources.
Disponível nas bancas e online, na versão em papel e na versão digital.