«A crise vai obrigar muitos profissionais a fazerem uma inflexão na sua carreira», afirma Ricardo Martins, CEO Cegoc

Apesar da crise, e de muitas empresas se estarem a ver obrigadas a reduzir despesas, «existe uma consciência de que a formação, mais que um custo, é um investimento que contribui significativamente para o aumento dos resultados e da competitividade».

 

Por Ana Leonor Martins

 

O Grupo Cegos – representado em Portugal pela Cegoc, apresentou em finais de Outubro as principais conclusões de um estudo realizado internacionalmente (em Portugal, Espanha, Itália e Reino Unido, envolvendo 800 inquiridos), “Decoding the Future of Learning: Post Lockdown”. O objectivo foi aferir as motivações das empresas em relação à sua estratégia formativa para os seus quadros, procurando responder como será o futuro das empresas, dos seus colaboradores e clientes, bem como dos fornecedores de serviços no sector da formação e desenvolvimento profissional.

Para analisar os resultados, focando na realidade portuguesa, e assim poder perceber tendências para a área de Recursos Humanos e Formação em Portugal, entrevistámos Ricardo Martins, CEO da Cegoc.

 

O que destacaria dos resultados deste estudo sobre o impacto da pandemia na formação e na aprendizagem?
São quatro as grandes conclusões a retirar deste estudo. Em primeiro lugar, perante um contexto de incerteza provocado pelo surto pandémico e tudo o que ele continua a implicar, a formação é, ainda assim, considerada estratégica pela maioria das empresas para enfrentar os tempos que se adivinham. Interpreto este resultado, desde logo, como uma evidência de que há uma consciência clara do quanto a formação é fundamental para acelerar a transformação e que ela contribui, mais ainda neste contexto, para o aumento do desempenho das pessoas e da competitividade das organizações.

A segunda conclusão é que durante o período de lockdown, as organizações aceitaram, em larga medida, o desafio de passar a formação presencial para formatos 100% digitais, nomeadamente através da aposta em sessões síncronas online e aulas virtuais.

Depois, que a maturidade digital adquirida pelas empresas durante este período aponta para que estas passem a considerar com bons olhos a possibilidade de utilizar um mix de metodologias formativas mais rico do que apenas a formação presencial. Verifica-se mesmo um interesse crescente por soluções formativas à distância, sem, todavia, se descurar completamente o formato presencial.

Por fim, que as empresas vão continuar a apostar nas soft skills como forma de responderem aos desafios de transformação mediatos e imediatos que se levantam. Sabemos que um número muito significativo de competências “hard” correm risco de obsolescência nos próximos três a cinco anos, e por isso é com agrado que verificamos que as empresas, em Portugal e na Europa, percebem que é fundamental investir em conteúdos que promovam a agilidade, a adaptabilidade e a capacidade de reaprender a aprender dos seus colaboradores.

 

Centrando-nos apenas em Portugal, o que pode destacar?
As empresas portuguesas continuam cientes da importância da formação. No que toca ao investimento nesta área, o estudo desenvolvido pelo Grupo Cegos aponta alguns números muito interessantes. Desde logo, verifica-se que 92% das empresas nacionais continuam a considerar a formação um pilar forte da sua estratégia, e a comprová-lo está o facto de afirmarem continuar a manter orçamento para tal. Aliás, deste universo, 36% dizem que a formação é para elas ainda mais estratégica neste contexto e, como tal, pretendem aumentar o seu investimento em programas formativos.

Por outro lado, 56% responderam ainda que, neste contexto, irão alocar uma parte do seu orçamento a outras áreas igualmente críticas, mas que ainda assim pretendem manter os programas formativos considerados essenciais para potenciar o seu negócio.

 

Já referiu que muitas empresas adoptaram formação 100% presencial e que o futuro passa por um mix de metodologias. Mas qual perspectiva que seja a “preferência”? A formação presencial vai “perder terreno”?
Não é possível voltarmos, pelo menos para já, a apostar apenas em soluções de aprendizagem 100% presenciais. Neste contexto, a esmagadora maioria das empresas, 90%, optou por percursos e soluções de formação à distância, com especial destaque para formatos de Digital Learning como webinars, classes virtuais e módulos de e-learning, sem esquecermos também, mas com menor preponderância em Portugal, vídeos e podcasts.

Em 2021, apenas 15% das empresas nacionais afirmam pretender retomar formatos de formação essencialmente presenciais. O que podemos verificar é que, no próximo ano, a acreditar nas 59% das empresas inquiridas, haverá uma maior preferência por soluções entregues na modalidade blended. Não deixa de ser significativo, porém, que mesmo num cenário pós-pandémico como esperamos todos que venha a ser 2021, cerca de um quarto das empresas inquiridas já apontarem para uma forte aposta em formatos essencialmente digitais.

 

As mudanças ocorridas este ano estão a ter impacto no “tipo” de formação escolhido? Que mudanças notórias identifica no que as empresas vos pedem?
É natural que, perante uma realidade radicalmente diferente daquela que alguma vez acreditamos vir a ser possível fora de uma novela de ficção científica, as empresas se tenham sentido obrigadas a repensar prioridades, nomeadamente no que diz respeito aos seus planos de formação, especialmente no que a temas e conteúdos diz respeito. De repente, tudo passou a ter de ser feito à distância, desde a gestão remota dos negócios, à gestão remota das pessoas e das equipas, à gestão remota das relações com clientes e fornecedores, passando pela necessidade de nos adaptarmos a um quotidiano onde muito rapidamente tivemos todos de aprender a trabalhar a partir de casa, com todas as implicações pessoais e familiares que isso comporta, e a interagir com novas plataformas colaborativas e interfaces informáticos até aí vagamente conhecidos.

Tudo isto se traduziu numa autêntica corrida a recursos digitais e conteúdos que já eram considerados importantes, mas apenas parcialmente urgentes. De um momento para o outro, estes temas e conteúdos saltaram para a ribalta. Sentimo-lo no estudo, mas sentimo-lo também, e diariamente, no contacto com os nossos clientes e parceiros.

 

Sendo que muitas empresas estão a fazer reestruturações para reduzir custos, não pode a formação “sofrer” também? Ou as empresas percebem a imprescindibilidade deste investimento para o sucesso?
Os resultados do estudo não reflectem essa preocupação. Apenas 8% das empresas inquiridas afirmam que os seus investimentos em formação irão ser temporariamente suspensos. Naturalmente que as dúvidas em relação à evolução da pandemia, associadas a um cenário macroeconómico ainda muito ambíguo e tendencialmente desfavorável, poderá conduzir as empresas a reverem esta posição. No entanto, como já referi anteriormente, ainda que confrontadas com uma incerteza extrema relativamente ao que o futuro lhes reserva, ainda assim pode verificar-se que existe nas empresas uma consciência de que a formação, mais que um custo, é um investimento que contribui significativamente para o aumento dos seus resultados e da sua competitividade.

 

Como podem as empresas potenciar o investimento na formação e escolher as metodologias e conteúdos mais eficazes para assegurar resultados?
Há que testar diariamente novas formas de conceber, instalar e escalar projectos de formação e transformação organizacional, nomeadamente em formato digital e à distância, porque estes permitem a realização efectiva de poupanças em rúbricas que não acrescentam valor à experiência pedagógica, como são as despesas de deslocação, estadia e alojamentos dos formandos. Creio mesmo que, quando esta crise pandémica deixar de nos limitar, a maioria das empresas passará a olhar com outros olhos a possibilidade de continuar a explorar, porventura ainda mais, estas e outras soluções digitais de maior valor acrescentado que racionalizam custos e despesas onde, pelo pouco valor que aportam, já não faz sentido apostar.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Novembro (nº. 118) da Human Resources, nas bancas.

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