Dia Internacional da Mulher | Seis mulheres em cargos de chefia revelam desafios e propõem soluções. Porque a disparidade de géneros no mundo do trabalho existe.

Para assinalar o Dia Internacional da Mulher, a Human Resources Portugal conversou com seis mulheres de diferentes áreas e percursos profissionais. O que as une? Têm cargos de chefia e gerem negócios e pessoas. Falam sobre desafios, características de liderança, e dão as suas perspectivas do que falta fazer para alcançar a paridade de género no mundo do trabalho… e na sociedade.

 

Filipa Pinto de Carvalho é cofundadora da AGPC, o one-stop office que auxilia investidores estrangeiros a estabelecer-se em Portugal, e também cofundadora da RedBridge Lisbon e da Here Partners. Depois de percurso académico e profissional na tradicional área do Direito, a advogada deixou os escritórios de advocacia para se tornar empreendedora e dedicar-se a atender às necessidades específicas de quem deseja investir, estabelecer um negócio ou mudar-se para Portugal.

Laura Donzella, directora regional para a Ibéria, LatAM e Ásia na Nordea Asset Management, é, desde 2010, responsável pelas actividades de distribuição de vendas e pela relação com os clientes em Espanha, Portugal e América Latina. Antes de 2010, foi directora de Relações com Clientes para o mercado italiano na Nordea AM e responsável pelo departamento de Gestão de relacionamento com os clientes do Sul da Europa. Ingressou na Nordea vinda da JP Morgan Luxembourg.

Lurdes Gramaxo é presidente da Investors Portugal – Associação Portuguesa de Investidores Early Stage, desde 2022, e partner e membro do conselho executivo da Bynd Venture Capital, desde 2015. Formada em Psicologia e Gestão, tem mais de 25 anos de experiência como CEO / CFO / CCDO em empresas multinacionais e está há mais de 15 anos ligada ao movimento associativo empresarial em Portugal e na Europa, tendo sido presidente da EUROCORD por dois mandatos.

Márcia Pereira é fundadora e CEO da Bandora, uma startup que capacita edifícios autónomos com Inteligência Artificial. É licenciada em Engenharia Mecânica, ramo de Termodinâmica Aplicada, pela Universidade de Lisboa e é grande entusiasta pela descarbonização energética. Passou por empresas como a France Air e Glintt, e, no sector público, a ADENE, entidade responsável pela transposição nacional da directiva europeia de Performance Energética dos edifícios. Actualmente, é doutoranda pelo Programa MIT Portugal em Sistemas Sustentáveis de Energia, na Universidade do Porto.

Mariana Figueiredo Salvaterra, CEO da Zühlke em Portugal, lidera a consultora tecnológica num sector cheio de desafios em questões de diversidade e equidade, onde a representatividade feminina ainda não chega a 30% dos profissionais. Formada em Engenharia Informática, e com 15 anos de experiência na área de Engenharia e liderança de equipas, acumula este cargo com o de directora de Software Excellence, gerindo nessa posição mais de 110 pessoas distribuídas entre Sérvia, Bulgária e Portugal.

Mariana Marques é proprietária do Bira dos Namorados, um restaurante que nasceu em 2014, em Braga, da sua paixão, e do companheiro, pelo Minho, com o objectivo de divulgar a cultura da região através da cozinha. Em 2022, criou um serviço de catering e decoração, o Bira Eventos. Actualmente, já com dois restaurantes, um em Braga e outro no Porto, está a criar um centro de produção onde é efectuada toda a preparação dos alimentos, desde a sua recepção à transformação em pratos a servir aos clientes. Licenciada em Gestão pela Universidade do Minho, já trabalhou no Banco Popular e na equipa de Marketing da Sonae MC.

 

Qual o maior desafio da vossa carreira até à data?

Filipa Pinto de Carvalho: O maior desafio da minha carreira até à data foi, definitivamente, a transição de uma carreira corporativa como advogada num escritório estabelecido, onde tinha todas as condições e suporte necessários, para o mundo do empreendedorismo. Essa mudança implicou fundar duas empresas, incluindo a AGPC, e desenvolver uma série de competências e conhecimentos em áreas diferentes, das quais não tinha experiência. Lidar com a incerteza e dar esse salto de fé, acreditando que seria bem-sucedida, foi, sem dúvida, uma parte significativa desse desafio.

Laura Donzella: Um desafio que tive de enfrentar ao longo dos anos prende-se com o diferencial de confiança. Enquanto os nossos colegas homens se sentem qualificados para novas oportunidades, muitas mulheres sentem-se mais inseguras para determinadas tarefas, mesmo quando têm as competências necessárias para as desempenhar bem. A ideia de que, de alguma forma, não somos suficientemente qualificadas para atingir determinados objectivos cria uma pressão desnecessária e a necessidade de provar o nosso valor. Ao longo da minha carreira, cheguei à conclusão de que a coragem é essencial para as mulheres ultrapassarem esta disparidade – estar preparada e reconhecer o seu valor traduz-se em força para superar as adversidades.

Lurdes Gramaxo: O maior desafio profissional foi inerente à condição de ser uma mulher num mundo masculino e, por vezes, ter sido influenciada por esse facto, mesmo inconscientemente, nas escolhas que fui fazendo ao longo da vida.

Márcia Pereira: O maior desafio até à data foi não ter conseguido terminar o meu doutoramento. Já fiz duas tentativas, em 2007 e 2018, mas as exigências profissionais acabaram por se sobrepor aos estudos.

Embora tenha sido frustrante não concluir esse ciclo, reconheço que as minhas responsabilidades profissionais me proporcionaram um crescimento significativo em áreas como gestão, negócios, finanças, marketing e liderança. Estas áreas, agora, ocupam a maior parte dos meus estudos e formação contínua.

Não descarto ainda a possibilidade de retomar o meu doutoramento no futuro. No entanto, por enquanto, estou focada em desenvolver conhecimento nas áreas que mencionei. Acredito que são essenciais para o meu sucesso profissional e me permitem contribuir de forma mais significativa para a minha empresa e para a sociedade em geral.

Mariana Figueiredo Salvaterra: Um dos grandes desafios foi passar a ser manager de managers. A vertente de liderança, de projectos e pessoas, sempre me cativou e tem sido nesta área que me tenho desenvolvido mais, enquanto profissional e enquanto pessoa.

No entanto, é desafiante ser responsável por equipas de uma maneira indirecta e encontrar o equilíbrio entre orientar os managers e respeitar diferentes maneiras e estilos de gerir e liderar. É desafiante encontrar um meio-termo entre ter as melhores pessoas como gestores para as equipas e que sejam ao mesmo tempo elementos da minha equipa directa, mas que contribuam também para a diversidade de pensamento e abordagem. A procura pelas pessoas certas pode levar tempo, mas a recompensa para toda a equipa é enorme.

Mariana Marques: O maior desafio da minha carreira até agora foi, sem dúvida, conciliar a maternidade com a gestão de uma empresa. Ser mãe e gerir parte das responsabilidades do lar enquanto lidero uma equipa e administro a marca Bira dos Namorados tem sido um verdadeiro malabarismo. A definição e consolidação da marca foram desafios emocionantes e gratificantes, mas também exigiram muito esforço e dedicação. Além disso, manter uma relação saudável e produtiva com os nossos colaboradores tem sido fundamental para o sucesso da empresa. Posso ainda acrescentar que a abertura do Bira dos Namorados no Porto foi um passo marcante e relevante, mas também desafiante, na expansão do nosso negócio. Todos estes desafios têm-me ensinado muito, fazem-me crescer todos os dias tanto a nível pessoal como profissional e têm me feito a mulher empreendedora que procuro ser.

 

Ser mulher em funções de liderança traz desafios acrescidos? Quais?

Filipa Pinto de Carvalho: Infelizmente, ser mulher em funções de liderança ainda traz desafios acrescidos, especialmente em determinados sectores e no caso de algumas gerações mais velhas. Por exemplo, em muitas mesas de reuniões, as mulheres chegam a ser subestimadas ou até ignoradas em favor de colegas do sexo masculino, mesmo quando são as líderes ou decisores finais. Reconhecemos que tem havido progressos na luta pela igualdade de género, nomeadamente em contexto laboral, contudo, ainda há trabalho a ser feito para garantir que as mulheres, em posições de liderança e não só, sejam reconhecidas, respeitadas e tratadas de forma justa.

Laura Donzella: Embora muitas empresas reconheçam os benefícios da diversidade, estamos muito longe da paridade de género. Um obstáculo a ser combatido são os preconceitos ocultos. Trata-se de um tipo de atitude inconsciente em relação às pessoas, que pode ser extremamente prejudicial no processo de recrutamento e, em última análise, conduzir a uma falta de diversidade.

Uma vez que estes vieses inconscientes podem constituir um enorme revés na criação de um local de trabalho verdadeiramente diversificado e inclusivo, todas as equipas da Nordea Asset Management são obrigadas a participar numa sessão de formação de sensibilização para os mesmos.

As empresas manifestam frequentemente dificuldade em encontrar candidatos qualificados do sexo feminino quando recrutam para cargos de gestão superiores. Isto significa que estamos a perder talentos valiosos pelo caminho. Isto também se reflecte em vários estudos, que mostram que a percentagem de mulheres diminui à medida que escalamos a hierarquia. Esta questão pode exigir incentivos governamentais para facilitar a participação igualitária de ambos os géneros.

No entanto, as empresas devem também concentrar-se mais no desenvolvimento de talentos internos, para garantir que existem candidatos qualificados de ambos os géneros em cada nível hierárquico. Acreditamos que as empresas estão a começar a aperceber-se disto e a implementar as mudanças necessárias.

Lurdes Gramaxo: Embora tenha havido uma grande evolução desde o tempo em que comecei a trabalhar, continua a ser mais desafiante para uma mulher do que para um homem exercer funções de liderança. Precisamos de demonstrar, em permanência, uma maior dedicação e as avaliações são mais exigentes e críticas. Além disso, é ainda mais difícil conjugar a vida pessoal com a profissional, recaindo ainda sobre as mulheres a maior fatia da carga mental.

Márcia Pereira: Sim, ser mulher em funções de liderança traz desafios acrescidos, sem sombra de dúvida. As mulheres líderes são frequentemente confrontadas com expectativas irrealistas, sendo-lhes exigido que sejam “super-mulheres”. Para além de gerirem uma carreira profissional desafiante, espera-se que também sejam filhas, mulheres, mães, avós, e que consigam conciliar com perfeição todas as exigências dos diferentes papéis que desempenham.

O maior desafio reside em normalizar a ideia de que as mulheres líderes não são, nem pretendem ser, super-heroínas. É normal que se esqueçam de algum compromisso familiar ou que cheguem tarde a casa, sem que por isso devam ser criticadas ou alvo de juízos de valor por parte da sociedade.

É crucial que nos libertemos das expectativas inadequadas que são impostas às mulheres, e que reconheçamos que também têm direito a falhar, a ter momentos de fragilidade e a não serem perfeitas em todas as áreas da sua vida.

Mariana Figueiredo Salvaterra: De forma geral, os maiores desafios parecem-me estar na falta de acesso igualitário a posições de topo, de chefia, de tomada de decisão, e quando olhamos para sectores predominantemente dominados por homens (como é o caso da Engenharia e das TI) essa barreira parece ser ainda maior.

Existe algum paternalismo no mundo profissional, também bastante ligado ao papel de protecção associado ao homem na sociedade portuguesa. As mulheres continuam a precisar de algum cuidado acrescido na forma como comunicam e se posicionam: não ser agressiva, mas ser assertiva; não ser emotiva, mas apaixonada. Penso que ainda existem uma série de preconceitos no mundo profissional que moldam como uma líder é avaliada.

No entanto, pela experiência que tenho tido, observo mudanças positivas no sentido de alargar cada vez mais estas oportunidades às mulheres, criando espaço para as ouvir, promover e valorizar.

A nível pessoal, sinto que o grande desafio para mim está em equilibrar as várias facetas da Mariana mulher, esposa, mãe e líder. Sou bastante exigente comigo mesma em cada uma destas facetas, preciso de ter tempo para as minhas coisas “pessoais”, as minhas amigas, a minha vida a dois, para ser mãe de três crianças em idades distintas e com necessidades muito diferentes e, ainda, ter estas duas funções: de directora de Software Excellence em três países totalmente diferentes e de CEO da Zühlke em Portugal, na estrutura regional EMEA.

Se pudesse, abolia o sentimento de culpa de cada vez que a balança inclina para um dos lados dos meus papéis e sinto que estou a falhar mais para o outro. Mesmo sabendo que esse é o “normal” e que, eventualmente, vai inclinar para o outro lado e repor sempre o equilíbrio de algum modo. Acredito que só quando aumentarem as expectativas do homem não só enquanto profissional, mas na esfera pessoal, em casa, com um papel e expectativas iguais e ao mesmo nível da mulher é que se conseguirá atingir a igualdade no âmbito profissional.

Mariana Marques: Ser mulher em funções de liderança apresenta desafios únicos pois, embora cada vez mais se lute pela igualdade de género, a realidade é que o sexismo e preconceito de género ainda persistem em muitos ambientes profissionais, dificultando o reconhecimento justo e o avanço na carreira. Além disso, é necessário lidar com as expectativas sociais e familiares ainda muito tradicionais e que continuam a promover uma ideia de que a mulher deve desempenhar um papel de dona de casa e mãe de família enquanto segunda profissão. Embora não seja esta a realidade da minha família, também pode tornar o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal mais desafiante para as mulheres em posições de liderança.

A persistência destes desafios demonstra o longo caminho que ainda existe pela frente para ser feito para um mercado de trabalho justo e sem preconceito de género, no entanto, é positivo ver que passo a passo estamos a ir na direção certa com cada vez mais exemplos de grandes mulheres líderes.

 

Conseguem identificar uma característica de liderança que distingue as mulheres dos homens?

Filipa Pinto de Carvalho: Uma característica de liderança que pode destacar-se nalgumas situações é a capacidade de usar a inteligência emocional e a sensibilidade para lidar com determinadas situações. Não se trata de uma diferença intrínseca entre homens e mulheres, mas sim uma possível influência do modo como somos educados e das expectativas culturais em relação aos papéis de género.

As mulheres são muitas vezes encorajadas a desenvolver a sua inteligência emocional e sensibilidade, o que pode reflectir-se na sua abordagem de gestão de equipas, nas negociações e na relação com outros profissionais. Essa capacidade de perceber e responder a sinais pode contribuir para uma liderança mais eficaz em certos contextos.

Laura Donzella: Não considero que as mulheres sejam diferentes dos homens em termos de liderança – são iguais. Dito isto, acredito que existe uma correlação entre o nível de diversidade de género de uma empresa e o seu sucesso – o que é apoiado por uma quantidade crescente de investigação. O capital humano é um factor-chave por detrás da rentabilidade de uma empresa e é difícil para um concorrente copiar as competências de colaboradores excepcionais. Uma empresa capaz de alargar a sua base de recrutamento terá uma vantagem sobre a concorrência. Para além disso, a diversidade é muitas vezes o resultado de uma cultura empresarial inclusiva e solidária. Uma cultura empresarial positiva fomenta diferentes perspectivas e promove a colaboração, evitando, ao mesmo tempo, problemas sérios como o pensamento de grupo

Lurdes Gramaxo: Não me parece haver características inatas de liderança ligadas ao género. Embora seja muito subjectivo, existem características de liderança pessoais, relacionadas com a experiência, educação e formação que conduzem a que as mulheres sejam mais inclusivas, mais abertas à diversidade e com maior grau de aceitação da opinião dos outros quando assumem funções de liderança.

Márcia Pereira: É sempre difícil identificar uma característica que se aplique de forma generalizada à liderança, pois cada líder é único, independentemente do seu género. No entanto, posso partilhar que, sobre a minha própria forma de liderar, acredito que a melhor forma é através do exemplo.

O meu comportamento e a minha forma de trabalhar devem estar em linha com o comportamento que pretendo da parte de todos os elementos da empresa. Se pretendo que a empresa seja excelente, eu própria devo ser um exemplo de excelência. Por isso, todos os dias faço sessões de autoavaliação (mentais) para perceber onde posso melhorar.

Acredito que a melhor forma de liderar é através de um estilo autêntico e que se adapta às necessidades da equipa e da empresa.

Mariana Figueiredo Salvaterra: Tendo a ter alguma resistência com generalizações, mas considero que a sociedade, de um modo geral, ainda educa raparigas e mulheres de uma forma que força a sua inteligência emocional, enquanto aos rapazes e homens são fomentadas outro tipo de aptidões, normalmente mais físicas e individualistas – mesmo quando pensamos em jogos de equipa como o futebol.

Por esta razão, creio que, quando vejo uma liderança mais agregadora, de esforço de equipa, de valorização dos pontos fortes de cada um na maneira como contribuem para o bem comum, normalmente esta vem de uma mulher. Por outro lado, perante um tipo de liderança por objectivos individuais, numa perspectiva de “dividir para conquistar”, e com responsabilização específica de cada uma das pessoas pela sua área de actuação, geralmente estamos perante uma liderança masculina. Contudo, reforço que, naturalmente, há muitas excepções e prefiro não generalizar.

Mariana Marques: Como mulher numa posição de liderança, sou capaz de identificar uma característica que muitas vezes é a maior diferenciadora das mulheres em comparação com os homens: a abordagem centrada nas pessoas e na construção de relacionamentos. As mulheres líderes frequentemente demonstram competências interpessoais mais fortes, como a empatia e uma preocupação genuína com o bem-estar dos seus colaboradores, fornecedores e clientes. Além disso, tendem a adotar uma abordagem colaborativa e inclusiva na tomada de decisões, que promove um ambiente de trabalho mais participativo. Estas características não são necessariamente melhores ou piores do que as dos homens, mas são diferentes e podem contribuir para uma liderança mais empática, comunicativa e centrada no desenvolvimento de relacionamentos dentro da equipa e da organização como um todo.

 

A disparidade entre homens e mulheres no mundo do trabalho existe, é um facto – quer a nível salarial, quer nas oportunidades para chegar a funções de topo. Que medida acreditam que podia contribuir para mudar isso mais rapidamente do que ao ritmo a que estamos a evoluir nesta matéria?

Filipa Pinto de Carvalho: Uma medida que poderia contribuir significativamente para reduzir a disparidade de género no mundo do trabalho, e algo que tive oportunidade de vivenciar de perto recentemente, e que na verdade já defendia antes, é repensar a distribuição dos dias de licença parental, bem como aumentar o número de dias de licença parental exclusiva do pai, que actualmente é muito reduzido. Introduzir um maior equilíbrio nesse sentido não só mudaria a perspectiva da sociedade em relação à parentalidade, reduzindo o estigma de que ter filhos é um “problema” exclusivo das mulheres, mas também poderia promover uma cultura mais igualitária no local de trabalho. Ao reconhecer a responsabilidade compartilhada entre pais e mães na criação dos filhos, poderíamos contribuir para uma sociedade mais justa e equilibrada, além de potencialmente combater a reduzida taxa de natalidade actual. Precisamos de olhar para este tema como uma questão que é de todos e não apenas das mulheres.

Laura Donzella: Os homens continuam a ser mais numerosos do que as mulheres no sector dos serviços financeiros, mas os números estão a melhorar lentamente. É importante dispor de dados que demonstrem o valor que as mulheres trazem às equipas – e nós temo-los. O sector em geral ainda tem muito trabalho pela frente em termos de diversidade e inclusão, mas a diversidade de género é um parâmetro competitivo.

Falando em termos mais gerais, um dos marcos mais significativos nesta questão foi a criação e implementação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Os ODS já desempenharam um papel importante na capacitação da sociedade para alcançar um mundo mais sustentável. Embora os elementos ambientais tenham atraído a maior parte da atenção, à medida que a nossa compreensão da sustentabilidade evolui, esperamos que seja dada mais atenção aos ODS sociais – incluindo o ODS 5, Igualdade de Género.

Lurdes Gramaxo: Há uns anos acreditava que a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres era uma questão de tempo. As mulheres acediam cada vez mais à educação, com melhores resultados e adquiriam cada vez mais competências.

Actualmente, já não acredito que um dia atingiremos uma sociedade ideal em que a competência é o factor que determina que alguém fique com o lugar. Acredito, sim, que é preciso que a legislação obrigue a caminharmos para uma paridade, impondo quotas e obrigando a igualdade salarial entre géneros.

Outra medida para atingir esse fim consiste na eliminação dos estereótipos de género na educação das crianças, desde a mais tenra idade, que a família, a escola e a sociedade vão transmitindo e que levam as raparigas a fazer escolhas que as podem prejudicar no sucesso profissional futuro.

Márcia Pereira: A disparidade entre homens e mulheres no mundo do trabalho é uma realidade inegável, presente tanto nos níveis salariais quanto nas oportunidades de alcançar cargos de liderança. A mudança nesse cenário, embora em curso, ainda é lenta. Acredito que uma medida que poderia contribuir significativamente para acelerar esse processo seria a implementação de um sistema de licença parental igualitária e incentivada, com sensibilização junto das empresas.

Dados recentes demonstram que o maior obstáculo à progressão da carreira feminina se dá no momento da maternidade. Posso ilustrar essa realidade com um exemplo pessoal: o pai da minha filha mais velha dividiu igualmente a licença parental (50-50) comigo e foi despromovido quando voltou ao trabalho.

As empresas precisam de ser sensibilizadas para a importância da divisão da licença parental e para a necessidade de criar um ambiente de trabalho que incentive esta partilha. Maximizar a percentagem do benefício da licença parental quando dividida igualmente entre os pais seria um incentivo concreto para a mudança. É importante ressaltar que essa medida não prejudica o aleitamento materno, como comprovado pela minha experiência pessoal, sendo que amamentei a minha filha até os 18 meses mesmo com a divisão da licença.

Acredito que, juntos, podemos construir um futuro mais equitativo para homens e mulheres no mercado de trabalho.

Mariana Figueiredo Salvaterra: Acredito que uma das formas de combater a disparidade tem de passar por fomentar mais direitos e responsabilidades iguais aos homens fora do âmbito profissional, o que nas empresas se traduz por medidas como a igualdade na licença parental, a igualdade nas ausências por apoio à família, em apoiar mais a flexibilidade de horários de igual modo a homens, tal como a mulheres.

Parece-me que também é necessário educar toda a organização (e sobretudo as camadas de liderança) para não vetar à partida oportunidades às mulheres com base no que se assume ou ideias pré-concebidas; alguns exemplos são preconceitos como “não vai ser promovida agora porque está grávida e depois vai precisar de abrandar e de se dedicar à família” – pode ser uma escolha válida, mas será sempre da mulher e não da empresa pela sua colaboradora. Ou “não vou convidar para este jantar de negócios porque é mãe e tem filhos para cuidar”. Ainda assistimos muito frequentemente ao proteccionismo da mulher com base em ideias convencionais e que barram oportunidades à partida.

Mariana Marques: Uma medida que acredito que poderia contribuir significativamente para diminuir a disparidade de género no mundo do trabalho é a implementação de políticas de licença parental remunerada igualitárias para homens e mulheres. Isso ajudaria a diminuir os estereótipos de género relacionados com o cuidado com os filhos e permitiria que ambos os pais partilhassem igualmente as responsabilidades familiares e profissionais.

Além disso, esta medida poderia estimular uma cultura organizacional mais inclusiva e equitativa, onde as mulheres não seriam penalizadas por assumir o papel de cuidadora primária. Ao garantir que ambos os pais têm oportunidades e incentivos para se envolverem igualmente na criação dos seus filhos desde o início, poderíamos promover uma mudança mais rápida na redução da disparidade de género no local de trabalho, sendo que isto poderia levar a uma maior igualdade de oportunidades e contribuir para a construção de um ambiente de trabalho mais justo e equilibrado para todos.

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