Diferença salarial entre géneros: É real, mas não pelas razões que pensa

Quando falamos de (des)igualdade salarial, é importante ter em conta que “gender pay” e “equal pay” são conceitos diferentes. A Korn Ferry tem uma equipa que trabalha estes temas e concluiu que a diferença de remuneração existe, mas o problema, e a solução, não está no salário que se paga às mulheres. 

 

Texto: Ana Pimpão, Paulo Figueiredo, Bernardo Silva, Carla Gouveia, Angel Rodriguez e Felipa Oliveira, equipa que desenvolve os projectos de Gender Pay na Korn Ferry em Portugal.

 

Estudos sobre o tema apontam para uma diferença salarial entre homens e mulheres na ordem dos 20%. «A maioria destes estudos analisam os dados de uma forma simplista, focada em valores gerais e em questões que não ajudam a fechar o gap», diz a consultora Korn Ferry. “De facto, se fizermos uma análise mais fina, comparando situações de trabalho semelhantes, constatamos que a diferença não é tão acentuada”.

A Korn Ferry realiza anualmente um estudo onde analisa dados salariais por género de mais de 12 milhões de colaboradores, a trabalhar em mais de 14 mil empresas, oriundas de 53 países. O estudo confirma uma diferença salarial de 16,1% entre homens e mulheres. Mas vai mais longe, revelando que, nas situações em que homens e mulheres têm a mesma função, na mesma empresa, a diferença salarial reduz-se para 0,5%.

Este “zoom in” na análise é possível graças à metodologia de avaliação de funções da Korn Ferry, que através da avaliação de um conjunto de factores relevantes, permite a comparação entre funções com um nível equivalente de importância para as organizações. «Quando comparamos os valores salariais de homens e mulheres, descobrimos que a diferença diminui drasticamente quanto mais específica se torna a comparação», diz Paulo Figueiredo, senior principal da Korn Ferry. No estudo, esta tendência verifica-se em todos os países analisados, tanto provenientes de economias maduras como emergentes, e em todas as regiões do mundo.

 

Mas, afinal, porque existem diferenças salariais entre géneros?
Quando olhamos para o todo, as diferenças salariais entre géneros é consequência de existirem menos mulheres do que homens em posições mais seniores nas organizações, nas organizações que pagam salários mais elevados e nas indústrias e funções melhor remuneradas. «As mulheres não estão a alcançar as posições melhor remuneradas do mercado nas mesmas proporções que os homens», comenta Felipa Oliveira, senior client partner da Korn Ferry. O gráfico em baixo espelha bem a disparidade que se vai criando à medida que progredimos na hierarquia das organizações.

Medir estas diferenças salariais tem sido uma atitude essencial para conduzir à mudança; o que é medido e divulgado é gerido. Neste sentido, para fechar o gap salarial entre géneros, a solução não passa por pagar mais às mulheres. «A solução não é tão simples assim, é preciso que as organizações concentrem os seus esforços em colocar mulheres em posições críticas, e consequentemente, melhor remuneradas», defende Carla Gouveia.

Por que é que as organizações devem agir?
As diferenças salariais entre géneros, em particular resultantes da diferente representação de homens e mulheres nos níveis organizacionais de maior senioridade, é uma questão que deve estar na agenda dos CEO’s e CHRO’s e, após muitos anos de aceitação tácita, tem recentemente ganho a devida atenção.
É legítimo questionar: se nos abstrairmos das questões morais, éticas e de responsabilidade social, valerá a pena as organizações e respectivos líderes preocuparem-se com o facto dos seus níveis de maior senioridade serem maioritariamente ocupados por homens? Paulo Figueiredo não tem dúvidas e afirma: «Sim, as organizações têm todo o interesse em diversificar os seus executivos, por razões que vão mais além da responsabilidade social. Está estudado que a diversidade a esse nível aumenta a probabilidade de um maior retorno financeiro.». Diversidade no trabalho resulta em maiores níveis de compromisso e tem efeitos positivos nas equipas, impulsionando a inovação e resultando em menores taxas de rotatividade.
A Korn Ferry, a nível global, tem trabalhado em parceria com os seus clientes em inúmeros projectos, incluindo em Portugal, utilizando uma abordagem que permite estabelecer os parâmetros de análise, quantificar as diferenças salariais, entender as causas associadas a essas diferenças e desenhar o plano de acções para eliminá las. «É uma abordagem integrada, que se tem revelado robusta, no apoio à tomada de decisão do board e na definição das prioridades-chave por parte dos nossos clientes», completa Felipa Oliveira.

 

Como evitar a desigualdade salarial entre géneros?
Paulo Figueiredo realça que «é importante salientar que o melhor curso de acção para eliminar o gap vai depender da situação específica de cada empresa. Daí a importância de analisar concretamente a situação da organização para entender as causas que originam as diferenças.»

O que podem as organizações fazer?
– Repensar a forma como recrutam, desenvolvem e promovem as mulheres, revisitando as funções para que se tornem mais inclusivas, para que se possa recrutar competências mais generalistas, por oposição a mais especialistas e, deste modo, alargar a potencial pool de talento. É importante também repensar os processos de selecção e promoção, de forma a eliminar eventuais enviesamentos.
– Garantir que todos estão a ser pagos de forma justa, começando por ter uma forma clara e robusta de avaliar o valor relativo das funções. Depois, analisando o desenho e execução da estratégia de compensação e benefícios da organização, nomeadamente a forma como a compensação se interliga com o desempenho.
– Criar estratégias para ter mais mulheres em pipeline, incluindo o desenvolvimento de um programa de desenvolvimento para elevado desempenho, fomentar “role models” femininos, ou até rever a estratégia de mobilidade da organização, que poderá estar a ter um efeito adverso no desenvolvimento das mulheres.
– Criar uma cultura adequada, e analisar as forças invisíveis na organização que poderão estar a favorecer um grupo particular de colaboradores, é um primeiro passo eficiente para criar uma cultura verdadeiramente diversa e inclusiva.
– Promover um ambiente inclusivo que, para funcionar, os líderes terão de dar o exemplo, promovendo o comportamento de inclusão de forma transparente e responsabilizando-se pelo seu sucesso. Isto consegue-se através de objectivos concretos e clareza para a organização no que está a mudar e a razão pela qual apostar na diversidade beneficia o negócio como um todo.

O que podem as chefias intermédias fazer?
– Fomentar a confiança desde o início, reunindo com cada nova colaboradora para discutir potenciais limitadores e desenvolver estratégias para os ultrapassar. Apresentá-las aos influenciadores da organização e encorajá-las a envolverem-se em projectos importantes, complexos e com visibilidade para a organização, garantindo o suporte necessário para serem bem sucedidas.
– Oferecer apoio e desenvolvimento, incluindo estarem atentos ao que as colaboradoras estão a fazer bem, e sugerindo oportunidades na organização que elas devem agarrar. Estarem também alerta e agirem sobre possíveis enviesamentos nas suas abordagens e nas abordagens de outros.

O que podem as mulheres fazer?
– Trabalharem o “onde estão” e o “para onde querem ir”, para que saibam procurar as pessoas que desempenham as funções que mais lhes interessam e pedir-lhes que expliquem o que é fundamental para desempenharem a função. Assim, poderão trabalhar as áreas que precisam ser desenvolvidas para chegar à função, não só a nível técnico, mas também ao nível da influência e construção de relacionamento.
– Definir um plano, adoptando uma abordagem proactiva com a sua chefia, explicando o que esperam fazer e pedindo feedback honesto e regular sobre o seu progresso.
– Construir redes fortes e estratégicas, pensando especialmente em quem precisam de conhecer para alcançar os seus objectivos. As mulheres devem pedir à sua chefia que as apoie, que lhes atribua um mentor e que apresente pessoas chave que as poderão ajudar no alcance dos objectivos, por elas definidos.

Diversidade e Inclusão
A igualdade salarial de género é uma das múltiplas dimensões que as organizações devem considerar no desenvolvimento das suas práticas de Diversidade e Inclusão. Carla Gouveira faz notar quem «de facto, a análise das diferenças salariais entre géneros é uma das ferramentas que permite evidenciar as causas que poderão estar a inibir determinada organização de ser mais diversa, equitativa e inclusiva. Outras ferramentas são determinar a maturidade da organização em termos de Diversidade e Inclusão, realizar uma auditoria às práticas de Recursos Humanos, ou conduzir entrevistas de saída a colaboradores que a empresa teria gostado de reter», defende.
Todas estas intervenções são um primeiro passo para soltar o potencial de todas as pessoas e cumprir a promessa de ter uma organização realmente diversa e inclusiva, com todos os benefícios que lhe estão associados.

 

Nota:

Gender Pay Vs Equal Pay

Gender pay: Diferença entre a remuneração média de mulheres e homens em determinada organização.

Equal pay: Diferença entre a remuneração média de mulheres e homens em determinada organização no desempenho de funções similares ou equivalentes.

 

Este artigo foi publicado na edição de Abril 2019 da Human Resources.

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