E quando temos um manager brilhante tecnicamente e sem nenhumas soft skills? Não ignoramos o óbvio

As avaliações de desempenho, em momentos de maior agressividade a nível de procura por parte do mercado, são sempre, e por norma, deveras exigentes.

Por Joana Russinho, People Enthusiastic, head of Human Resources e autora de Eu e os Meus

 

Há muitas variáveis para equilibrar, como por exemplo  – e escrito de forma simplista -, como não premiar alguém que naquele ano teve um desempenho aquém do esperado, mas que o negócio acredita não conseguir reter se não atribuir uma nota francamente positiva?

Há uns anos, estava a gerir uma reunião de avaliação de desempenho de uma área de negócio com cerca de 50 pessoas e quatro managers. Chegara o momento dos seniores. Primeira fotografia projectada e primeira intervenção:

– O nosso melhor colaborador! – afirmou um dos managers.

– Sem dúvida, queremos atribuir um A (a melhor classificação).

Ciente de que teria de cumprir o meu papel, desafiei.

– Podemos ver a avaliação de competências que está em branco e fazê-la em conjunto? Que tal começarmos pelas soft skills?

Estavam em causa competências como o alinhamento com os valores da empresa, trabalho em equipa, orientação para o cliente, flexibilidade, entre outras. Todas aquelas que, para este tipo de negócio, parecem não ser sérios motivo de avaliação

– De facto não fizemos, mas foi propositado. Este é um caso especial.

Alerta mental para mim. Quando me falam em casos especiais, entro em modo “PIDE de Gestão de Pessoas”.

– Especial? Em que sentido? – questionei.

Movimentação nas cadeiras. Uns puxaram do telemóvel, enquanto outros olhavam para o computador. O líder da área de negócio assume a contestação.

– Joana, ele é mesmo bom. Tem um QI elevadíssimo. Resolve tudo o que o cliente pede, é autónomo e entrega sempre. Tem é uma forma de estar peculiar, gosta de trabalhar sozinho, só isso.

Gosta de trabalhar sozinho. Como se gere uma equipa de oito pessoas sozinho? O que significa isso em termos práticos?… quando finalmente:

– Vá, dito em bom português, não se consegue relacionar com ninguém, tem de estar a trabalhar a partir de casa ou numa cave (gargalhadas). Mas é brilhante, é o melhor técnico de X que alguma vez vi e tenho 25 anos de casa.

Imaginei a pessoa em questão, sem contacto humano era então um super-homem. A respectiva equipa denotava níveis de turnover elevados. Revirei os olhos. Este meu não verbal nunca me ajuda.

– E queremos, por isso, não o avaliar nas competências para evitar o feedback de melhoria e uma mensagem mais assertiva em termos comportamentais, compensando com uma excelente avaliação a nível dos objectivos, é isso?

Pergunta retórica, eu sei. Mas preciso reformular o inacreditável na esperança de que verbalizado acenda alguma luz.

– Isso mesmo! – anuíram. Nem pensar em perder o Tiago!

Tiago com um QI elevadíssimo. Tiago que resolve problemas complexos e entrega resultados acima do expectável, que excede os objectivos quantitativos que lhe são propostos. Tiago que não consegue trabalhar com outras pessoas, que tem uma equipa em autogestão e que tem de ser escondido do cliente. Tiago que é o melhor alguma vez visto.

– Não acham que estamos a protelar um problema? Qual a rota de colisão? O Tiago numa função que não deveria ser a sua?

O sistema de avaliação de desempenho no qual não cabem estes Tiagos, ou nós que, ao invés de tomarmos decisões, somos cúmplices desta postura que nos traz algum retorno financeiro, mas em nada está alinhada com os nossos valores e com a cultura que pretendemos fomentar?

Ninguém parece incomodado. Ou para não ser injusta, suficientemente incomodado para abrir mão da “excepção em análise”. Agora são os relógios que fixam. As pernas a abanar. Os olhares cúmplices.

– Percebo o ponto, mas não queremos assumir o risco de perda. Vamos continuar, avaliem-se as competências na mediana – concluiu o líder já com um tom de voz menos afável.

Há um momento em que é preciso saber acomodar a decisão tomada. Como parceira do negócio, sei-o perfeitamente. Também naquele momento pressagiei o que iria acontecer, mas dei por encerrada a minha luta. Seria melhor investir numa batalha maior, ao nível da capacitação destes avaliadores, pensei.

 

A reunião terminou uma hora mais tarde. Felizmente não houve mais excepções e relativizei q.b. o acontecimento. Nenhum processo de avaliação consegue, do meu ponto de vista, ser perfeito na forma como responde a todas as variáveis.

Optei mais tarde por propor uma carreira diferente para todos os que, à semelhança do Tiago, tinham um coeficiente de inteligência desproporcional ao emocional, pese embora com valor acrescentado para a empresa.

É simples cair na tentação do modelo “one size fits all”, mas o tempo vai passando e, embora cataloguemos as gerações, a realidade é que temos debaixo do mesmo tecto pessoas, não só com idades diferentes, como com formas de trabalhar, de pensar e de actuar também dispares.

Competências e objectivos por família funcional não servem a todos os negócios, acredito.

Fala-se de que o conceito de função começa a ficar ultrapassado, assim como o de carreira, como o conhecemos, o que terá impacto em todos os modelos de Gestão de Pessoas. Sou muito favorável a este futuro, com a pessoa no centro a dar o melhor de si com as competências que desenvolve, e a ser guiada no seu percurso profissional por esse barómetro.

 

O Tiago apareceu uns meses depois na minha sala, com uma carta de rescisão na mão. Pouco disse. Lembro-me apenas que referiu que “ia ganhar mais”. Consultei os números de recrutamento e, desde a última avaliação, havíamos perdido mais duas pessoas daquela área. Três com o Tiago. Compensou a excepção, não em termos de custo, mas de lição aprendida. Há mudanças que só podemos fazer quando estamos preparados.

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