Ensino à distância: Adversidade ou oportunidade? O que dizem os números

 

Por Afonso Carvalho, aluno da licenciatura em Econimia da FEP – Faculdade de Economia da Universidade do Porto e vencedor do concurso Champion Chio 2020, na sua versão standard

 

Nos dias de hoje, vivemos num mundo cada vez mais dominado pela tecnologia, que está presente em quase todas as dimensões da nossa vida, como parte integrante do nosso quotidiano. Acontece que, com a sua ascensão, surgem também novos paradigmas, designadamente no campo da educação.

A tecnologia abriu-nos as portas para aquilo que denominamos como “ensino online”, sendo necessário – e mesmo prudente – reflectir sobre alguns dos aspectos que lhe são inerentes.

A educação à distância é um modelo de ensino que ocorre por meio de tecnologias de informação e comunicação, isto é, o aluno assiste e participa nas aulas através da internet, dispensando a interacção presencial com o seu professor. Esta intersecção entre os campos da tecnologia de comunicação e da educação tem registado avanços significativos, nos últimos anos. Temos acesso aos mais diversos conteúdos didáticos, desde material pedagógico, com vista a ajudar os professores a melhorarem as suas aulas, a plataformas virtuais com jogos, vídeos e exercícios direcionados para os alunos.

Desde que a pandemia do coronavírus mudou significativamente a vida das pessoas, em particular no que toca à formação escolar, urge fazer uma reflexão sobre o ensino em ambiente online. Esta parece ter sido a melhor solução encontrada para os longos períodos de confinamento, mas será a mais eficaz?

O ensino à distância processa-se principalmente por meio de plataformas virtuais, tais como a Udemy e a Coursera, que são os nomes mais sonantes de entre os existentes. Estas apresentam algumas diferenças entre si em função do público-alvo que pretendem atingir, tais como o preço e as funcionalidades. No entanto, o objectivo comum a todas é prestar auxílio aos milhões de alunos por todo o mundo que desejam aprender.

 

 

Estima-se que o mercado da educação online registe, no ano de 2025, um volume de vendas na ordem dos 320 mil milhões de dólares norte-americanos, o que representará um crescimento de cerca de 70% quando comparado com os USD 188 mil milhões, obtidos em 2019.

O ensino remoto também decorre através de outras vias, tais como os serviços de videoconferência. As plataformas que lhe subjazem têm possibilitado a ocorrência das actividades lectivas à distância, tais como aulas e reuniões. Entre os serviços mais utilizados estão o Zoom, o Microsoft Teams e o Google Meet, todos com crescimentos substanciais nos últimos anos, em especial desde o início do surto de covid-19.

A plataforma Zoom, considerada a maior e mais utilizada deste mercado, comprova este sucesso, na sua grande maioria atribuível aos confinamentos impostos à volta do globo. Os seus resultados financeiros indicam que, no primeiro trimestre do ano fiscal de 2020, registou um crescimento de 169% nas receitas, para 328 milhões de dólares norte-americanos. Só no mês de Abril, foram atingidos os 300 milhões de participantes diários em videoconferências. Em 2019, a dimensão do mercado de serviços de videoconferência estava avaliada em 3,85 mil milhões de dólares norte-americanos e deverá registar uma taxa de crescimento anual composta de 9,9%, entre 2020 e 2027.

O ensino à distância registou uma forte evolução, ao longo da última década, nos países mais desenvolvidos, deixando antever um enorme potencial de desenvolvimento nos tempos mais próximos.

O país que lidera no ensino à distância são os Estados Unidos da América, com 65% das universidades a oferecerem cursos que recorrem somente a esta modalidade. De acordo com o National Center for Education Statistics, 34,7% dos estudantes universitários estavam inscritos em pelo menos um curso online, em 2018. Entre as instituições mais influentes estão Harvard e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), com centenas de cursos e certificados, na sua maioria gratuita. Em 2019, o investimento em tecnologias de educação nos EUA, atingiu os 18,7 mil milhões de dólares norte-americanos.

 

 

Atrás dos EUA (mas com a séria intenção dos ultrapassar) surge o gigante chinês, que tem actualmente 70 universidades com ensino totalmente online, um número que deve aumentar nos próximos anos graças à forte procura existente.

Segundo o China Internet Network Information Center, a pandemia aumentou exponencialmente o número de alunos com ensino remoto, passando este a representar 46,8% das pessoas com acesso à internet.

O Ministério da Educação Chinês, acompanhando esta tendência, criou 22 plataformas digitais com cerca de 24.000 cursos, de modo a garantir o acesso dos estudantes às aulas. Falta, no entanto, resolver alguns problemas, tais como a ausência de internet nas áreas rurais e a proliferação de universidades que não cumprem com os parâmetros legalmente exigidos, atribuindo diplomas falsos e sem acreditação.

A Índia é, neste momento, o país com algumas das melhores universidades do continente asiático, onde a criação de cursos à distância para os seus estudantes segue esta tendência de crescimento acelerado, incentivada inclusive pelo próprio governo. O principal factor explicativo deste aumento de oferta educativa deriva de preocupações económicas, dado que muitos jovens não conseguem frequentar o ensino superior sem deixar de trabalhar, algo que a aprendizagem flexível em ambiente online permite resolver em larga escala.

Adicionalmente, algumas universidades norte-americanas de grande prestígio internacional oferecem também os seus cursos neste país, dinamizando assim a oferta face ao excesso de procura existente. Posto isto, é expectável que o mercado da educação virtual cresça a uma taxa anual composta de 20% nos próximos cinco anos, estimando-se que atingirá os 1,96 mil milhões de dólares norte-americanos no final de 2021.

 

Portugal

Já em Portugal, a Universidade Aberta é a única instituição de ensino superior público totalmente focada no ensino à distância, que serve não só estudantes em território nacional, mas também no espaço comum da CPLP e do mundo. O seu contributo para o incremento da literacia digital, dos falantes de português no mundo, e da inserção social e profissional na sociedade digital parece ser inegável. Todavia, Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer na indústria da educação.

É irrefutável que o ensino online é um mercado em franca expansão por todo o mundo e que fará parte do futuro da Humanidade. Como tal, comecemos por analisar algumas das suas incontornáveis vantagens. Ao contrário do ensino presencial, o ensino online permite benefícios económicos, tanto para os alunos como para os seus professores, que poupam tempo e dinheiro, por exemplo, ao evitar as deslocações que teriam de realizar desde as suas habitações para o estabelecimento de ensino e vice-versa.

 

 

Outro aspecto positivo deriva da possibilidade dos professores poderem leccionar para um número superior de alunos concomitantemente, não se cingindo à limitação física das salas de aula ou espaço geográfico dos mesmos. Por conseguinte, um número maior de alunos pode usufruir de aulas das universidades melhor classificadas nos rankings internacionais. Este facto representa também um benefício para o docente, que consegue assim chegar a um número mais alargado de alunos.

Por último, convém frisar que este tipo de ensino fornece a possibilidade de cada pessoa poder aprender ao seu próprio ritmo, sendo que os alunos têm uma maior autonomia na gestão dos seus horários de estudo, permitindo-lhes organizar melhor a sua rotina, o que não acontece com o formato one size fits all do ensino presencial.

 

 

Nem tudo são vantagens

No que toca aos problemas que poderão surgir, se assumirmos um worst-case scenario de confinamento generalizado e permanente, onde o acesso presencial aos estabelecimentos de ensino terminaria de forma abrupta e definitiva, em países como Portugal, estaríamos perante uma situação de menor prontidão para a utilização do recurso à tecnologia como ferramenta de ensino à distância. Uma das limitações mais óbvias será porventura a menor preparação dos professores para ensinar através das novas tecnologias.

No caso português, como é do conhecimento geral e segundo o relatório do Estado da Educação de 2019, do Conselho Nacional de Educação português, o corpo docente, principalmente nas escolas públicas, tem uma estrutura etária mais avançada, com 54,1% dos professores com idade igual ou superior a 50 anos. A maior parte dos professores estudou numa época onde os computadores pessoais não eram comuns, tendo vindo a aprender ao longo da sua carreira, muito devido à sua dedicação e esforço pessoal, a manusear este tipo de equipamento, a enviar emails e a pesquisar na internet. Mais recentemente, o grau de exigência continuou a aumentar tendo o manual em papel, o quadro e o giz sido substituídos por plataformas digitais diversas, materiais interativos em drives, formulários online, entre outros.

Por outro lado, alguns alunos, embora já nascidos nesta nova era digital, poderão mesmo assim evidenciar algum tipo de dificuldade em aula, inerente ao próprio processo de ensino/aprendizagem e à complexidade dos conteúdos. Para além disso, a comunicação exclusivamente pela via digital não é tão eficaz, no sentido em que as dificuldades dos alunos não serão tão facilmente intuídas pelo professor e as dúvidas poderão ficar por verbalizar. O reforço de conteúdos será mais complexo e o reajustamento de estratégias mais moroso. Para agravar esta situação, parece ser uma realidade que os alunos têm mais distracções estando em casa do que na escola e estes serão de mais difícil controlo para o professor.

Outro problema que merece atenção, prende-se com a potencial intensificação das desigualdades entre os alunos resultantes das diferenças de nível socioeconómico. O recurso ao ensino à distância, utilizando as plataformas tecnológicas existentes ou em desenvolvimento, cria uma necessidade de investimento que poderá colocar muitos orçamentos familiares sob maior stress, nomeadamente pela necessidade de aquisição de equipamento eletrónico e de conexão à internet e aos serviços das plataformas virtuais. Um cenário extremo de confinamento generalizado e permanente acresce às dificuldades naturais desta mudança.

 

 

Para além destes obstáculos, os alunos que revelarem menor autonomia de estudo, menor disciplina/ética de trabalho e/ou necessidades educativas especiais (NEE), serão naturalmente os mais afectados em comparação com os mais autónomos, motivados e focados no desenvolvimento das suas capacidades. Estas dificuldades serão tanto mais visíveis quanto mais jovens forem os alunos.

As eventuais consequências que daqui advêm, merecem a mais cuidada atenção por parte das entidades responsáveis, em especial porque as mesmas terão tendência a prolongar-se e a agravar-se a longo prazo. A imposição repentina e exclusiva dos métodos de ensino à distância poderá levar ao aumento do insucesso e mesmo ao abandono escolar, em especial por parte dos jovens em risco de exclusão social, sendo que a maioria destes já revela carência de recursos económicos e dificuldade no acesso aos meios técnicos imprescindíveis e nos apoios necessários ao seu desenvolvimento.

Do mesmo modo, transversal a todas as camadas sociais, poderá ficar comprometido o desenvolvimento da educação em termos globais. Sublinha-se que esta não diz apenas respeito à inteligência lógica. A inteligência comunicacional e emocional, e ainda o desenvolvimento corporal, são outras áreas que também poderão ficar parcialmente obstruídas.

Algumas destas consequências foram já constatadas durante o primeiro confinamento, em 2020, tendo sido documentadas num estudo recente de María Dolores Martín-Lagos, da Universidade de Granada, envolvendo 3900 agregados familiares portugueses, espanhóis e franceses. Sublinha-se o aumento da ansiedade e do stress entre os estudantes e a evolução negativa do seu bem-estar emocional (cerca de 33% nos estudantes portugueses). Adicionalmente, quatro em cada dez menores ganharam peso, devido ao decréscimo (quase para metade) das atividades extracurriculares, designadamente as desportivas.

Os encarregados de educação também não escapam às possíveis consequências do ensino remoto, em tópicos em que o presencial não reivindicava tanta da sua atenção. Cerca de 64% dizem ter experienciado stress ao tentar ajudar os filhos nas tarefas escolares, 46,7% dizem não ter tempo para esse efeito e cerca de 20% reconhecem a falta de paciência.

 

As soluções

Muitos dos problemas que o ensino online revela têm solução, algumas mais fáceis de implementar que outras. É de extrema importância salientar que, se desejamos de facto que esta modalidade de ensino melhore e possa a vir a ser implementada de uma forma mais generalizada, a resolução de problemas requer esforço e cooperação por parte de todos os intervenientes – alunos, professores, famílias e governo (políticas educativas).

A intervenção do Estado poderá, numa primeira fase, ser estritamente necessária para atenuar as discrepâncias no acesso ao equipamento informático e na ligação à internet, por parte dos alunos mais desfavorecidos economicamente. Desta forma, poderá ser criado um “leveled playing field” que permitirá a criação de uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos os intervenientes.

 

 

No que diz respeito às aulas propriamente ditas, muito poderia ser superado com turmas mais reduzidas, particularmente naquelas onde existem alunos com menor autonomia e/ou necessidades educativas especiais, de modo a permitir uma maior interação, supervisão e um reajustamento de estratégias mais adequado ao momento letivo.

Para os alunos com planos educativos especiais, que necessitam de um reforço mais amiúde fora da escola, uma solução a adotar poderia ser o acesso gratuito a plataformas online de acompanhamento ao estudo. Desta forma, permitir-se-ia uma consolidação mais eficiente da matéria lecionada, procurando assim evitar que os estudantes fiquem para trás.

Por fim, os professores, enquanto elos essenciais desta cadeia, devem ser devidamente formados de modo a conseguirem acompanhar todos os requisitos do ensino à distância, podendo desta forma contribuir para o desenvolvimento sustentado do mesmo. Além disto, devem ser valorizados, dado que a função do professor não é apenas ensinar, esclarecer e corrigir. Um professor é um educador, alguém que motiva, que escuta, que abre horizontes e este papel é necessário mais do que nunca nestes tempos de pandemia.

Concluindo, podemos afirmar que o ensino online veio para fazer parte das nossas vidas. Num mundo onde a tecnologia tem um papel dominante, o campo da educação tem necessariamente de ser afectado e reestruturado. Trouxe-nos diversas vantagens, que o ensino tal como o conhecemos não possui, mas com estas vieram igualmente problemas que têm que ser solucionados. Este campo está a mudar e o nosso papel é certificarmo-nos de que é uma mudança para melhor.

 

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