Entrevista a Pedro Rocha e Silva: Uma nova realidade no mundo do trabalho

Estamos perante um paradigma do trabalho que se alterou significativamente, com profissionais mais exigentes que procuram experiências que os façam crescer. Assim, para as empresas “segurarem” os seus talentos, «apostar no desenvolvimento, na formação contínua e em proporcionar diferentes desafios às pessoas é efectivamente essencial, podendo não ser suficiente».

 

Por Ana Leonor Martins

 

O estudo “O Grande Potencial” não contempla Portugal, mas falámos com Pedro Rocha e Silva, director-geral da LHH | DBM no nosso país, para perceber como as principais conclusões se aplicam – ou não – à nossa realidade.

 

Pela vossa experiência no mercado nacional, diria que se verificam em Portugal as mesmas conclusões principais do estudo que a LHH realizou a nível internacional? Quais destacaria como mais evidentes?
A instabilidade económica que se tem verificado nos últimos anos na Europa e, consequentemente, em Portugal tem sido um factor determinante para que os trabalhadores permaneçam nas empresas e não arrisquem mudar a sua carreira, mesmo que o sentimento de realização profissional esteja aquém, na maioria dos casos, e leve a uma constante desmotivação.

Existe, nomeadamente nas novas gerações, um foco permanente naquilo que é a sua carreira e as suas oportunidades de crescimento, que está apenas um pouco adormecido no que à concretização de saídas diz respeito, mas que representa um significativo risco para as organizações que não apostarem em programas adequados de retenção de talento.

 

Segundo a pesquisa, 72% dos profissionais pensam em mudar de carreira ou de emprego, pelo menos trimestralmente. Isso quererá dizer que as pessoas estão insatisfeitas, ou será sobretudo sinal de um novo paradigma do trabalho?
Diria que, por um lado, o grau de exigência dos colaboradores é cada vez maior, o que leva a um estado de permanente insatisfação, e, por outro lado, assistimos de facto a uma era em que o paradigma se alterou significativamente. Mesmo que as empresas façam tudo bem, em todas as dimensões, é cada vez mais normal que as pessoas procurem, mesmo assim, a mudança e experiências diferentes que as façam crescer.

 

Para as empresas não se virem sobrecarregadas com «colaboradores desmotivados e sem as competências necessárias para o futuro», é preciso mais formação, melhores lideranças e «mais mobilidade interna», defende-se no estudo. É nisto que a maior parte das empresas está a apostar, no nosso país?
Tem-se verificado uma preocupação crescente com essas apostas, mas nem sempre de forma consistente ou estruturada. As estratégias de envolvimento, fidelização e humanização podem trazer efectivamente muitas melhorias para a experiência do colaborador na empresa. Mais do que oferecer emprego, as empresas devem impactar as pessoas com os seus propósitos, com a finalidade de criar um vínculo emocional de longo prazo. Individualizar a gestão, atender às actuais necessidades dos profissionais e criar estratégias de retenção que tenham em vista ter colaboradores motivados e com as competências adequadas e necessárias para o futuro da empresa. Apostar no desenvolvimento, na formação contínua e em proporcionar diferentes desafios às pessoas é efectivamente essencial, podendo não ser suficiente.

 

Outros dos focos do estudo é nos percursos de carreira não lineares e na cada vez maior importância das competências transferíveis. Sendo que os trabalhadores esperam que os empregadores os “guiem”, preparando-os… É papel das empresas?
Podemos falar aqui, no que respeita a competências transferíveis, de uma “responsabilidade partilhada”, em que, por um lado, a entidade empregadora deverá estar atenta às qualidades – entenda-se competências transferíveis – dos colaboradores, de forma a direccioná-los para diferentes funções ou contextos dentro da organização, sejam permanentes ou pontuais. Por outro lado, os próprios trabalhadores devem considerar as competências que possuem, e que podem ser transferidas, e serem consequentes com isso mesmo, ou seja, mostrarem iniciativa e proactividade na procura de novos desafios ajustados a essas mesmas competências, dentro ou fora da empresa.

 

Generalizando, estão os profissionais mesmo disponíveis para estes percursos de carreira não lineares?
É importante referir que o grande desafio será a capacidade dos profissionais em aprender a movimentar-se dentro do contexto de carreiras não lineares. O sucesso para fazer estes percursos poderá passar pela capacidade de aprender, desaprender e reaprender, além de saber como se posicionar num mundo onde a única constante é a mudança.

Não é suficiente apenas adquirir novas competências; é necessário entender como aplicá-las em cenários incertos e em rápida transformação. As carreiras não lineares e a aprendizagem ao longo da vida caminham juntas como parte de uma nova realidade no mundo do trabalho, onde é imprescindível aprender a gerir a incerteza e a reconhecer oportunidades, tendo acima de tudo capacidade de adaptação.

 

A LHH | DBM é precisamente fornecedora de soluções de talento, nomeadamente de transição e mobilidade de carreira. Foi inclusive pioneira na introdução de serviços de outplacement no mercado português, em 1992. Mais de três décadas volvidas, qual o nível de maturidade que apresenta agora este mercado?
O mercado está mais desperto para estas áreas. Uma boa gestão do fim de um ciclo profissional numa organização é vista como uma oportunidade para sublinhar valores, constituindo um sinal para quem fica e uma mais-valia para quem sai. Daí ser uma ferramenta de retenção de talento.

Ao implementarem programas de outplacement, as empresas não apenas ajudam os colaboradores em transição, mas também fortalecem a sua própria cultura e posicionamento no mercado. O investimento em práticas de outplacement pode ser visto não apenas como uma responsabilidade moral, mas também como uma estratégia que fortalece a sustentabilidade e o sucesso a longo prazo da empresa.

 

Por onde pode passar o crescimento? Maior sensibilização das empresas para a sua importância?
Existe ainda um largo espaço de crescimento. Se existe já uma série de empresas em que estas práticas são consistentes e permanentes, fazendo parte do seu modus operandi, existem muitas outras em que a sua aplicação é mais casuística.

Nestes casos, há efectivamente um trabalho de sensibilização a ser feito, que permita que se entenda que as mais-valias de tratar bem as pessoas no momento da saída vão muito para além de um acto de reconhecimento ou de responsabilidade moral, ou enquanto arma negocial, podendo ser práticas que reforçam os valores da empresa e potenciam os seus níveis de envolvimento e retenção.

Fala-se muito no foco que actualmente as empresas dão à experiência do colaborador. E têm-se dado efectivamente passos muito relevantes. O momento da saída faz igualmente parte desse percurso e é inequivocamente o que tem sido mais descurado.

 

Quais os principais desafios e tendências que perspectiva?
Vivemos numa fase de inúmeros e complexos desafios no que à Gestão de Pessoas diz respeito. Os temas de Gestão de Pessoas são hoje em dia prioritários nas agendas das administrações das empresas, como nunca foram até hoje. Ressaltaria a adaptação ao trabalho híbrido e remoto, os impactos da inteligência artificial e as questões de saúde mental e bem-estar, como dos mais emergentes, a par de alguns “clássicos”, como sejam a retenção e atracção de talento ou o desenvolvimento das lideranças.

 

Esta entrevista foi publicada na edição de Janeiro (nº. 169) da Human Resources, nas bancas.

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