Entrevista ao CEO da Marsh: Desde 2006 que, anualmente, se alertava para o risco de uma pandemia como a que estamos a viver
A Marsh é uma consultora de gestão de risco e há 15 anos que, no estudo anual “The Global Risks Report”, já vinha alertando para a «eminência de uma pandemia e para o elevado grau de impreparação de países e organizações para fazer face a um contexto desta natureza», afirma Rodrigo Simões de Almeida, CEO da Marsh Portugal.
Por Ana Leonor Martins
O alerta para o risco estava feito, mas, ainda assim, todos – empresas e Estados, em todo o mundo -, foram apanhados de “surpresa”. Em Portugal, a resposta foi rápida e genericamente positiva. «Mas, uma coisa é a qualidade e rapidez da reação, outra é a estrutura e capacidade financeira para aguentar os efeitos da crise que chegou. Aí claramente as empresas portuguesas estão, na média, em desvantagem», alerta Rodrigo Simões de Almeida.
Sendo a Marsh uma consultora de gestão de risco, o vosso papel é ajudar os clientes a antecipar, quantificar e melhor compreender o conjunto de riscos que as empresas enfrentam. Tinham este tipo de situação prevista nesse conjunto?
Sim, o Grupo Marsh & McLennan, sendo um dos parceiros na elaboração do estudo anual “The Global Risks Report”, já vinha alertando para a eminência destes riscos desde há 15 anos. Na qualidade de consultores de gestão de riscos, alertámos, diversas vezes, para o elevado grau de impreparação de países e das organizações para um contexto de pandemia. O que não conseguimos prever é quando ou como poderão reagir as pessoas e empresas a cada caso, até porque depende de múltiplos factores.
Vocês tinham este cebário previsto, também Bill Gates, em 2015, descreveu o cenário que hoje vivemos com grande precisão, mas ainda assim esta pandemia surgiu como um “choque”. Como se preparam as empresas para situações deste tipo?
Em 2015, também o “The Global Risks Report” apontava para as fragilidades de resposta, nomeadamente das grandes cidades e das nações em geral, para fazer face a uma pandemia, o que foi ainda mais detalhado nos relatórios de 2019 e 2020.
As empresas devem ter planos de contingência permanentemente revistos e ajustados a cenários múltiplos, incluindo surtos epidémicos ou pandémicos. Estes planos devem assegurar cadeias de comando, políticas de comunicação interna e externa, controlo de fornecedores, estratégias de continuidade de negócio, identificação de impactos e soluções nas diferentes áreas da empresa e por geografia, cálculo de potenciais perdas e aumento de custos para as fases de propagação, pico e recuperação, entre outros.
Diria que a maioria das empresas em Portugal tem essa preocupação, de estar preparada para situações imprevistas e que podem ameaçar a continuidade do negócio?
A maioria das empresas tem medidas de higiene e segurança, medidas de evacuação e resposta a eventos, nomeadamente incêndios ou até mesmo sismos. Estas medidas servem fundamentalmente para dar resposta a eventos pontuais. Acreditamos que a larga maioria das empresas portuguesas, em especial as micro, pequenas e médias, não estavam preparadas para responder e garantir a continuidade dos seus negócios, ainda mais numa situação como a que vivemos.
Considera que foi a resposta das empresas? Positiva, tardia, a possível…?
No geral, a resposta foi rápida e, ao mesmo tempo, a possível. A urgência, ou o grau de antecipação, está naturalmente associado às orientações das autoridades e à aproximação do surto do nosso território. Nesse aspecto, fomos ordenados e genericamente respeitadores.
Porém, Portugal e a União Europeia poderiam ter antecipado mais, e preparado melhor os agentes económicos para um cenário de possível pandemia, com efeitos prolongados no tempo. Julgo que foram subestimados os potenciais efeitos durante demasiado tempo.
Actuando a nível internacional, como compara a forma como reagiram as empresas portuguesas ao que se passou em outros países europeus?
As empresas portuguesas não são tão diferentes das empresas do resto da Europa e, muitas vezes, os nossos decisores conseguem mesmo estar ao nível do topo na qualidade de decisão, nível de antecipação, e seguimento da ordem pública. Diria mesmo que conheço vários casos de multinacionais presentes em Portugal que tiveram uma reação exemplar, quando comparadas com as empresas de outros países. Mas, uma coisa é a qualidade e rapidez da reação, outra é a estrutura e capacidade financeira para aguentar os efeitos da crise que chegou. Aí claramente as empresas portuguesas estão, na média, em desvantagem.
Qual o tipo de empresas que mais procuram os vossos serviços? Em termos de dimensão, sector, se é nacional ou internacional…
A Marsh e o Grupo Marsh & McLennan são procurados por empresas de todos os sectores, nacionais e internacionais, e também de diferentes dimensões. Especificamente no que se refere às necessidades relacionadas com presença ou simplesmente exposição internacional, o nosso Grupo tem vantagens competitivas muito fortes, pelo que é natural que esse tipo de empresas tenham uma ainda maior procura dos nossos serviços.
Costuma dizer-se, “casa roubada, trancas à porta”. Houve um aumento da procura dos vossos serviços, em Portugal, no passado mês de Março?
Os nossos clientes estão naturalmente preocupados com esta situação, tal como todas as empresas. Tanto clientes, como muitas outras organizações, têm procurado os serviços do Grupo Marsh & McLenann, não apenas no mês de Março, mas até mesmo já em Abril, para acautelar os riscos que irão enfrentar nos próximos tempos, seja em Portugal, seja no estrangeiro.
As empresas estão preocupadas com as suas pessoas, com o grau de cumprimento de contratos e outras obrigações, com a resposta dos seus fornecedores, com a quebra substancial nas vendas e os cortes no crédito, com as dificuldades de logística, com o aumento dos ataques cibernéticos e fraudes, com o aumento da especulação e com outros riscos de caráter político nos diferentes países onde têm negócios, investimentos e projectos em curso.
Em termos de consequências, há alguma diferença notória entre as empresas que já tinham planos de contingência e as que os criaram só quando deparadas com o problema?
Em geral, sentimos diferenças na capacidade de resposta das empresas. As empresas que já tinham planos de contingência implementados, conseguiram ter uma resposta mais rápida e sistemática. Uma das vantagens de um plano de contingência é a identificação de equipas de gestão de risco que ficam preparadas para liderar situações de crise.
No entanto, uma situação de pandemia como a que estamos a viver, mesmo as empresas com planos de contigência preparados, tiveram algumas dificuldades na gestão deste processo.
Como e quando é que a Marsh actuou em relação a esta crise pandémica?
A Marsh e as restantes empresas do Grupo Marsh & McLennan começaram a actuar especificamente perante este surto logo no final de 2019, na China, onde a nossa presença é significativa. Já agora, gostaria de referir que, actualmente, a actividade do grupo na China já se encontra numa situação quase normalizada.
Temos o nosso grupo de gestão de crise a trabalhar em cenários e a antecipar medidas para todas as geografias desde essa altura. Isto permitiu-nos não só começar a divulgar informação, há vários meses, sobre os potenciais impactos da COVID-19, como também nos permitiu ter a capacidade de passar 100% da equipa a regime de trabalho a partir de casa, de um dia para o outro, em Portugal.
Muitas empresas têm a totalidade dos seus colaboradores a trabalhar em casa. Foi a medida mais adoptada para prevenir a propagação da COVID-19. Que riscos isso traz para as empresas?
O trabalho a partir de casa expõe as empresas e as pessoas a riscos diferentes, ou a uma intensidade diferente dos riscos já existentes. Destacaria a segurança informática e de protecção de dados como os riscos que têm mais impacto pelo trabalho remoto.
No entanto, também há áreas na vida das pessoas que têm de ser acompanhadas de perto pelas empresas, como sejam os riscos de produtividade associada à adaptação, riscos de burnout devido ao stress associado à dificuldade de gestão de tempo ou os riscos de erros e atrasos.
Ao mesmo tempo, o trabalho remoto traz, também, oportunidades. Posso dar o exemplo da Marsh, onde acelerámos a implementação de alguns processos digitais, com ganhos de eficiência evidentes, o que vem destruir o mito de que o trabalho remoto é impossível! Pode não ser o melhor método para todas as funções, mas é exequível. Como muitos já podem confirmar, não é por isso que trabalhamos menos.
Tendo em conta o que acabou de referir, que cuidados devem as empresas ter?
As empresas devem socorrer-se das suas equipas e parceiros informáticos para avaliarem as vulnerabilidades dos seus sistemas, nomeadamente quando acedidos de forma massiva em remoto.
Por outro lado, os colaboradores devem ser igualmente orientados para saberem como lidar com os sistemas, as aplicações e a informação nesse novo ambiente, além de deverem ser informados sobre os gestos e medidas que devem adoptar para garantir a segurança das suas organizações, evitando ataques, perda de informação ou paragem do negócio por inoperância dos sistemas.
O que aconselharia às empresas nesta fase?
É agora que todas as empresas precisam que os seus líderes mostrem o seu valor, de forma a serem eficazes na forma como reagem aos impactos da COVID-19, nomeadamente na maior proximidade com colaboradores, clientes e fornecedores.
Hoje, as organizações necessitam, permanentemente, de mudança e adaptação ao ambiente onde estão integradas. A situação actual é mais um exemplo dessa necessidade, pelo que demonstrar resiliência, flexibilidade, estar preparado para actuar de forma diferente ao normal, são aspectos fundamentais para os momentos que vivemos. Mas, também é importante estar consciente que não conhecemos o futuro, e que as pandemias podem ter mais do que uma “onda”, pelo que o regresso à normalidade deverá ser controlado. Este alerta não deve servir para assustar, mas sim para anteciparmos melhor quaisquer cenários.
Que lições acredita que as empresas vão poder retirar deste presente para o futuro?
Há muito que falamos de riscos catastróficos, de guerras ou conflitos interestatais, até porque são os mais frequentes e óbvios, mas, também, muito de alterações climáticas e dos efeitos do Homem sobre o planeta. Espero que as empresas, pessoas e Estados percebam que os riscos ambientais vieram para ficar, e que esta pandemia pode ser apenas um dos seus muitos efeitos.
Não temos outro planeta. Por outro lado, no que se refere à recuperação económica, julgo que esta crise veio acelerar a necessidade de conversão das nossas capacidades para viver num ambiente muito mais apoiado na tecnologia. Claramente, o mundo mudou e as nossas empresas têm de se adaptar para sobreviver a longo prazo.