Entrevista ao CEO da Mercer: «Esta pandemia trará também oportunidades para as empresas»

Diogo Alarcão, CEO da Mercer Portugal partilhou com a Human Resources seis lições que os gestores vão poder retirar da crise provocada pela COVID-19.

 

Quando e quais as medidas prioritárias adoptadas nas vossas empresas? Como foi traçado o plano de contingência?
A Mercer, assim como o grupo Marsh& McLennan, tem planos de continuidade de negócio há vários anos, trabalhados por uma equipa internacional, em conjunto com uma equipa local. As horas que lhes dedicámos são agora compensadas com uma resposta ágil.

Em Portugal, o nosso plano foi accionado ainda em Fevereiro, embora com uma preparação prévia através de reuniões extraordinárias. Accionámos o plano tão cedo por causa dos sinais que começámos a receber da China e posteriormente, de Itália. Nunca fechámos os olhos a pensar que o problema não chegaria até nós.

No final de Fevereiro, iniciámos a sensibilização para que as nossas pessoas trabalhassem a partir de casa e, como estávamos a atravessar um período de férias, todos os colaboradores que estivessem a regressar de outro país ou que tivessem tido contacto com algum caso de COVID-19 teriam de fazer períodos de quarentena. Activámos um plano de comunicação regular com transparência e clareza sobre a situação, utilizando vários canais disponíveis. Após a decisão do Governo de encerrar os colégios e universidades, decidimos também nós promover o trabalho remoto quase a 100%, com excepção de alguns serviços que ainda exigiam a presença física no escritório. Mas para estes colegas, foram dadas condições extraordinárias para que se reduzisse ao máximo o risco de contágio, como por exemplo reforço da limpeza do escritório, transporte e estacionamento. Actualmente estamos em teletrabalho e o nosso foco tem sido na comunicação, gestão de equipas e gestão emocional das nossas pessoas.

Vivemos tempos sem precedentes que exigem um enorme esforço de todos e uma proximidade e comunicação. Neste sentido, procuramos entender as necessidades de cada um que, muitas vezes, não podem ser generalizadas. Por essa razão, temos procurado dar linhas de orientação muito claras para correspondermos às necessidades de cada um. Para isso foram criadas linhas de apoio que procuram dar resposta às mais diversas necessidades, seja porque têm a cargo crianças, seja por dificuldades com a internet, por exemplo.

 

Tinham todos os meios para pôr esse plano em prática?
É com muito orgulho que digo que sim. Desde o 11 de Setembro que trabalhamos no plano de contingência da Mercer Portugal, com as devidas evoluções. É um serviço que disponibilizamos e que temos também trabalhado com alguns clientes. Infelizmente, só nestas alturas é que nos apercebemos da real importância destes planos. Do nosso lado tínhamos as
ferramentas necessárias para colocar em prática o que planeámos e assegurar a continuidade do nosso negócio.

 

O que considera fundamental na gestão de uma situação de crise como esta?
A protecção das pessoas. As pessoas são o elemento mais importante das empresas e o elemento mais vulnerável nesta provação. As empresas devem assegurar a continuidade do negócio sem deixar de colocar a protecção das suas pessoas como prioridade. Se as prioridades estiverem invertidas, garantidamente as coisas não vão correr bem. Mas como fazê-lo? É mais fácil dizer do que fazer, mas no fundo é assegurar que todas as pessoas têm as condições necessárias para darem o seu melhor.

As ferramentas do nosso lado estavam preparadas para serem activadas. A maioria dos nossos colaboradores tem os equipamentos necessários para trabalhar a partir de casa. Para os que não tinham conseguimos, de forma ágil, encontrar alternativas. Mas a nível pessoal, este isolamento pode ser muito complicado e o que accionámos foi uma série de medidas que mitiguem o desgaste emocional. Neste contexto, realizámos várias acções para todos os gestores de pessoas de forma a estarem habilitados a dar todo o apoio às suas equipas e pessoas. Por outro lado, estamos a promover novos rituais que nos aproximem; seja um momento para fazer jogos, para beber um copo ou outra ideia, tudo virtual, claro está.

 

Qual o papel que a liderança assume nesta situação?
Um papel absolutamente vital. As lideranças são totalmente postas à prova numa situação como esta. Na situação de emergência em que estamos, separados e a trabalhar remotamente num “contexto de guerra”, as lideranças devem munir-se dos meios para assegurar um acompanhamento de enorme proximidade das suas pessoas, mas também de um enorme sentido prático e de capacidade de decisão rápida.

A liderança e a comunicação têm de ser muito claras para que as pessoas “não percam facilmente o norte” e o compromisso com o seu trabalho. Os líderes têm de dar ainda mais de si para poderem motivar e fazer com que as pessoas possam dar o melhor de si. No caso da Mercer, estou a assistir a uma atitude de entrega e preocupação com o outro. Sempre os considerei super-heróis, não posso pedir prova maior do que esta.

 

E quando a crise passar, já conseguem antever algumas consequências?
Com certeza que sim. Temos trabalhado em possíveis cenários e a fazer os planos para mitigar o impacto. Temos uma posição privilegiada porque o nosso negócio é composto de soluções que ajudam a melhorar o bem-estar, as finanças e as carreiras das pessoas, ou seja, estamos neste momento com vários projectos a ajudar os clientes a superar esta crise. No entanto, haverá inevitavelmente um abrandamento significativo do negócio, nomeadamente devido ao adiamento e cancelamento de projectos em curso ou que estavam agendados para estas semanas.

 

Que lições acredita que os gestores vão poder retirar daqui?
Esta pandemia é sem dúvida um teste à nossa capacidade de resiliência e terá consequências negativas, mas acredito que trará também oportunidades para as empresas. Relativamente às lições que poderemos retirar da actual situação destacaria as seguintes:

1. Dar muito mais valor à relação com as equipas e com cada pessoa;

2. Entender que maior flexibilidade pode ser sinónimo de maior produtividade, acredito que vamos todos ser mais flexíveis e ágeis na forma de trabalho;

3. Procurar conhecer as expectativas de cada um e responder da melhor forma às mesmas;

4. Apostar seriamente na criação de políticas de comunicação;

5. Pensar em novos produtos e abordagens ao mercado;

6. Potenciar as vantagens do trabalho à distância, que passa também pela redução do número de reuniões presenciais com tudo o que isso implica, nomeadamente numa melhor gestão do tempo e redução da pegada ecológica. O próprio conceito de escritório será repensado.

Faço uma análise pessoal e concluo que também eu estou a aprender muito com esta experiência e acredito que mudarei a minha visão em relação a muitos aspectos relacionados com a organização do trabalho. Mas isto tem sido também um teste para nós, como pessoas, e estou certo que iremos dar muito mais valor a tudo o que nos rodeia.

Esta entrevista faz parte do tema de capa da edição de Abril da Human Resources, nas bancas.

Ler Mais