Estórias com Propósito: Rita Nabeiro (Adega Mayor) | “Pole, Pole”. Devagar, devagar, se chega ao topo

Dizem que a mais longa caminhada começa com o primeiro passo. E o topo de uma grande montanha é apenas o ponto de partida para outra ainda maior e mais desafiante.

 

Por Rita Nabeiro, CEO Adega Mayor

 

Quando subi a montanha mais alta de Portugal, o Pico, no arquipélago dos Açores, com 2351 metros de altitude, pareceu-me um enorme feito pessoal. O que eu ainda não sabia era que, poucos meses depois, o topo do Pico tornar-se-ia o ponto de partida da aventura seguinte – o Kilimanjaro, a montanha mais alta do continente africano.

O que começou por parecer impossível para alguém que tinha subido a primeira montanha meses antes, foi ganhando contornos mais realistas.

Por muitas imagens que vejamos e por muita informação que consultemos, nada nos prepara verdadeiramente para aqueles dias em que desligamos de tudo, nomeadamente da tecnologia, para nos ligarmos ao que nos rodeia e, sobretudo, a nós próprios.

Esta viagem tinha um propósito – chegar ao topo de um dos sete summits mundiais. E o que no início era um desígnio individual, rapidamente se tornou um propósito colectivo de 31 pessoas.

Bastaram os primeiros passos para perceber que todos os treinos, todas as conversas e todos os encontros do que, inicialmente, era um grupo de desconhecidos, serviram de preparação e fortalecimento de laços para esta expedição.

Apesar de ser o ponto mais alto de África, ao segundo dia ainda não tínhamos avistado o cume. Eis então que as nuvens se abrem e abre-se também o nosso caminho para tocar o céu. E ali estava ele à frente dos nossos olhos, grandioso e alto, o cume quadrangular do Kilimanjaro, com o topo pintado de branco pela neve.

De súbito, há um entusiasmo que se instala. O que até então fazia apenas parte de um imaginário torna-se real. Tomamos consciência da nossa escala face à montanha.

São seis dias de caminhada e, sendo um grupo grande, importa que exista uma boa liderança, para manter o foco, alinhamento e entusiasmo. A experiência do João Vieira de Almeida [presidente do Conselho de Administração da Vda] aliada à do líder local, o Mdeme, foram críticas ao longo desta expedição, fazendo parecer simples o que foi uma logística complexa. O trabalho quase invisível de dezenas de carregadores não passa despercebido. Deslizam por entre nós e a montanha, com autênticas casas às costas – malas, cadeiras, mesas, tendas, utensílios, comida e tudo o resto. Partem mais tarde e, como por artes mágicas, já estão à nossa espera na paragem seguinte, prontos para nos receber em festa.

A conquista de cada etapa é uma pequena vitória e, por isso, motivo de celebração com cânticos que se tornam a banda sonora da viagem. As paragens em cada campo base ajudam a recuperar energias para o dia seguinte, e o momento das refeições é de descontração e confraternização, desta que passa a ser a “família do Kili”.

É também o momento do briefing para o dia seguinte, nomeadamente as condições atmosféricas, que na montanha podem ser imprevisíveis. Mais vale estarmos preparados para tudo.

Cada passo nos coloca mais perto do topo. À medida que vamos subindo, o oxigénio começa a diminuir, enquanto o cansaço, o frio e o desconforto pelas noites mal dormidas na tenda aumentam. O verde luxuriante da floresta na base da montanha transforma-se num terreno cada vez mais inóspito e desértico.

Parece que caminhamos sob a superfície de outro planeta. Assim como a montanha, também nós nos vamos reduzindo ao essencial.

Com o vento a chicotear o nosso corpo, caminhámos até ao último campo situado a 4720 metros, onde descansámos poucas horas antes do ataque ao cume, que aconteceu nessa mesma noite. Cansados, mas ansiosos, partimos para a derradeira subida às 11 da noite. O frio e o vento cortante fustigam-nos enquanto caminhamos em fila indiana, a passo lento e sincronizado.

“Pole, Pole”. “Devagar, Devagar” se chega ao topo. E, neste caso, também alto. Estamos perto, mas falta a parte mais difícil. O som dos passos sobre o solo arenoso é apenas cortado pelos cânticos dos guias. Não há folego para mais. Perdemos a conta aos passos e por vezes a energia, mas nunca a vontade de cumprir a missão.

São sete horas de caminho até chegar à cratera deste vulcão adormecido. Esse momento mágico, que coincide com o nascer do sol, renova o ânimo do grupo. Mas ainda faltam mais duas horas de caminho até chegarmos ao topo – o Uhuru Peak, a 5895 metros de altitude. Enquanto caminhamos sobre a neve e sobre as nuvens, sentimos que estamos perto. Ao avistarmos a placa que diz que estamos no ponto mais alto do continente africano, dá-se uma explosão de alegria colectiva e comoção. Celebramos por breves minutos, mas ainda temos uma longa descida pela frente. As pernas vacilam, alguns corpos tombam, mas ninguém fica para trás. Todos ajudam! Estamos exaustos, mas de sorriso nos lábios. Missão cumprida. É tempo de celebrar e descansar, já com os olhos a brilhar a pensar na próxima aventura

A montanha ensina-nos lições valiosas:

Que quando temos um propósito ou objectivo, ele torna- -se farol;

Que acompanhados das pessoas certas, e dando um passo de cada vez, conseguimos ir mais longe, cultivando um verdadeiro espírito de equipa;

Que uma boa preparação, planeamento e logística são fundamentais, onde uma boa liderança faz toda a diferença;

Que vale a pena arriscar e superar limites pessoais, mas que cada um tem o seu próprio summit;

Que a humildade, a persistência e a resiliência são ingredientes fundamentais em qualquer caminho;

Que, embora não possamos controlar o que nos vai acontecendo, podemos escolher a forma como reagimos a essas mesmas situações;

Que é importante celebrar cada etapa e cada conquista;

E, por fim, que o topo de uma grande montanha é apenas o ponto de partida para outra ainda maior e mais desafiante.

 

Este artigo foi publicado na edição de Setembro (nº. 165) da Human Resources, nas bancas.

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