Estórias com Propósito: Marta Bastos dos Santos (EDP) | Estás exactamente onde devias estar

Vais deixar de ser advogada? Foi uma das coisas que ouvi… como se um cargo ou profissão nos definisse, ou servisse para criar barreiras, ao invés de nos permitir abrir horizontes e desafiar limites.

 

Por Marta Bastos dos Santos

 

Não existem profissões mais importantes do que outras – o ponto fulcral é a relevância que lhes damos e como nos fazem sentir… Afinal, se o nosso trabalho se confundir com o nosso propósito, não vamos nós ser capazes de mudar o mundo?

A verdade é que não somos feitos de uma matéria que nos molda e cristaliza, algo que assume uma forma única e assim permanece até ao fim. Somos, sim, um todo, constituído por valores, aspirações, competências, ideias, pelo que nos cabe encontrar a energia e o espaço para que estas capacidades sejam nutridas e se manifestem por si próprias. Posso ser mãe e filha, profissional, posso dançar, fazer anúncios… porque sou a compilação de tudo isso. O importante é estarmos plenos e presentes naquilo que fazemos.

Lembro-me quando decidi qual seria o curso que queria tirar: fui para Direito, mas agarrada a uma ideia de um dia ser jornalista, escrever textos relevantes e com impacto. Sempre achei que o curso de Direito era óbvio, faz-nos ter um espírito crítico, dá-nos rapidez de raciocínio, abre horizontes, faz-nos antecipar problemas, e escrever, com uma fluidez fascinante – a escrita sempre me fascinou, ou não estaria a escrever este texto. E a retórica? Saber defender aquilo em que acredito, ter de estar confiante, mesmo perante a plateia mais difícil… Mas também me lembro de não adorar pisar palcos, tinha vergonha, faltava-me uma das coisas mais importantes, confiança em mim. Ao mesmo tempo, tinha receio de dizer algo “errado”, como se admitir que não sabemos algo ou ter uma opinião diferente da habitual fosse errado.

Felizmente, a vida tem-me ensinado a confiar, a acreditar nos outros e, acima de tudo, em mim. Posso nem sempre ter as palavras certas, naturalmente não saberei sempre tudo, mas essa é a magia do nosso caminho – aprender! E nesse caminho, é fundamental sermos genuínos e consistentes com os nossos princípios, rodeando-nos de pessoas que nos acrescentam valor.

Tal como diz uma pessoa pela qual tenho enorme estima, não podemos parar, é agarrar as oportunidades e “go, go, go”. É isso que tenho feito, mesmo quando o coração acelera com o nervosismo, subo a palco, pego no microfone e falo, falo do que me vem do coração, e de repente a plateia torna-se como uma continuidade de mim… E aí, já ouço “estás exactamente onde devias estar”. Falo de impacto e não apenas com números, mas com histórias, com testemunhos, o impacto é muito mais do que números – como medes o empoderamento que levas a jovens ou a uma comunidade? A esperança que criaste? Teres contribuído para que voltassem a sonhar, teres – como uma vez me disseram numa acção com população mais sénior – “dedicado um pouco do teu tempo, quando a minha família nem me vem visitar?”.

Não que os números não sejam relevantes. Só que existem, de facto, transformações difíceis de medir e, como se costuma dizer, “o que não se mede é como se não tivesse existido”. Mas não nos cabe a nós encontrar outras unidades de medida que os complementem?

Propósito é algo que vejo todos os dias naquilo que faço. Mesmo nos dias mais difíceis… é o abraço das crianças quando vamos à sala de aula ou visitar uma ala pediátrica, é aprender a fazer broas no Alcorriol ou merendeiras na Golegã, é trabalhar para a integração de pessoas no mercado de trabalho, é visitar estabelecimentos prisionais e ouvir fantásticos pitchs de quem ainda tem em si todos os sonhos do mundo, é empoderar um grupo de mulheres durante uma semana da energia que agora dão a sua voz para acarinhar o coração de tantos e que colocam a sua terra no mapa, é criar semanas de impacto, é cuidar de voluntários, é um abraço carregado de carinho, é sentido de missão… É tanto estar presente em eventos onde sou convidada para falar, como naqueles onde só vou brindar o sucesso dos nossos parceiros, é conhecer pessoas que são elas espelho de propósito, é acompanhar jovens universitários que só querem uma ligação mais próxima com o mundo do trabalho e alguma mentoria, é acreditar que a diferença não separa e que dependência não significa falta de autonomia, é ligar-me a projectos, é poder levar o meu filho para iniciativas e envolvê-lo nesta – que devia ser a missão de todos nós –, é semear, recolher lixo e plantar, é sentir a dor de ser “invisível” a tentar vender revistas na rua com um colete amarelo, é ter mais do que uma casa e ser casa de muita gente, é ser mentora, formadora e aprendiz, é ser um ponto de luz, que se multiplica sempre que toca em alguém.

Afinal de contas, como dizia Almada Negreiros: «A alegria é a coisa mais séria da vida. Alegria é saber muito bem por onde se vai, é ter a certeza de que o caminho é o bom, que a direcção é a única.»

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio (nº. 161) da Human Resources.

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