Flash Talk, Lauren Neal: «Não senti desafios por estudar nas áreas STEM. Foi quando comecei a trabalhar que notei mudanças e tornou-se definitivamente pior.»

Incentivar mais raparigas a estudar STEM e definir metas de género para práticas de contratação não é suficiente. Quem o diz é Lauren Neal, autora de “Valued at Work: Shining a Light on Bias to Engage, Enable, and Retain Women in STEM”. E defende que, até as empresas mudarem a abordagem do que acontece às mulheres depois de conseguirem cargos STEM, nada vai realmente mudar.

Por Tânia Reis

 

Aos 18 anos foi nomeada uma das melhores estudantes de informática do Reino Unido. Lauren Neal é mestre em Engenharia Eléctrica e Electrónica e trabalhou em projectos no sector energético no Reino Unido, Angola, Trinidad, Azerbaijão e Indonésia.

Formada pela Institution of Engineering and Technology (IET) e pela Association of Project Management (APM), é coach certificada, defensora da igualdade de género e da progressão nas carreiras STEM e autora do livro “Valued at Work: Shining a Light on Bias to Engage, Enable, and Retain Women in STEM”.

 

Tem um mestrado em Engenharia Eléctrica e Electrónica. Numa área tradicionalmente dominada por homens, enfrentou desafios enquanto estudava?

Nem por isso. Fui uma das duas únicas mulheres que concluíram o mestrado, num total de 12 alunos. Todos os professores sabiam o meu nome e achei que isso me ajudou a criar uma relação com eles, principalmente quando tinha perguntas. A única vez que senti que isso era visto como um problema foi quando um dos meus colegas homens disse «não é justo que todos os professores saibam o teu nome e o de mais ninguém», mas em vez de levar o seu comentário a peito, disse-lhe que talvez precisasse de encontrar uma forma de se destacar!

 

E quando entrou para o mercado de trabalho?

Foi quando comecei a trabalhar que notei mudanças. Publicara um artigo para o meu projecto de licenciatura baseado no trabalho para uma empresa e, quando o partilharam no escritório, o meu chefe disse-me: «Sim, li isso, mas não dizes nada de especial, eu podia ter feito isso.» Não havia necessidade de fazer esse comentário. Quando mudei de empresa, trabalhei para um homem que dizia abertamente que «o lugar das mulheres é em casa e não no trabalho» e, quando falei sobre estes comportamentos, rescindiram-me o contrato dizendo que «não estava a resultar».

Mais tarde, mudei de trajectória e fui para a área submarina — uma mudança relativamente às anteriores funções de soluções de software. E trabalhar em terra e no mar expôs-me a muitas mais ocorrências que não eram inclusivas — tanto física como comportamentalmente.

Portanto, não se tornou mais fácil, mas definitivamente pior!

 

Trabalhou em vários países, como Angola, Trindade, Azerbaijão e Indonésia. Deve ter-se deparado com obstáculos. Quais foram os mais difíceis? Como lidou com eles?

Vivi no Azerbaijão durante cinco anos e apercebi-me das diferenças culturais comparativamente ao Reino Unido. Há uma forte crença na hierarquia, e era raro os jovens contradizerem o seu director. No entanto, era aceitável que um expatriado o fizesse. Gostei muito do tempo que passei lá, mas as situações em que tive problemas com a inclusão foram com expatriados e não com a população local. Portanto, nesse sentido, poderia ter acontecido em qualquer lado. Sempre que acontecia, eu seguia o processo — comunicava o facto ao meu superior hierárquico e os RH tomavam conta da situação. Já estou muito habituada a investigações dos RH e os problemas foram sempre resolvidos sem que eu sofresse qualquer retaliação.

Senti-me na obrigação de apoiar as mulheres no Azerbaijão. Tendo crescido no Reino Unido, aprendi a promover-me a mim própria e às minhas capacidades sem ser demasiado exibicionista. Orgulho-me de ter partilhado este conhecimento e experiência com as mulheres, através do grupo de recursos dos trabalhadores e de as ter ajudado a realçar melhor as suas competências e talentos.

 

O que a levou a tornar-se embaixadora das áreas STEM? Quais os seus objectivos?

Adoro passar tempo com crianças e ajudá-las a definir o que querem fazer a seguir. Penso que as STEM são um lugar fantástico para se estar e têm tantas oportunidades para todos… Quero garantir que ninguém se afasta deste espaço.

 

Na sua opinião, o que afasta as raparigas das STEM?

Penso que não existem exemplos “reais” suficientes. Não falo dos cartazes que se vêem frequentemente com caras sorridentes, falo de ir regularmente às escolas e universidades, de estar acessível para os jovens fazerem perguntas sobre a carreira e como se chegou lá, e de poderem ver “pessoas como eles”. E isso tem de começar cedo. Na escola, ninguém me falou da engenharia até ao último ano de escolaridade, quando o meu professor de estudos técnicos me sugeriu que a estudasse. O meu pai disse-me que eu era a sua “pequena engenheira” quando tinha seis anos, por isso, quem diria que ele estava certo?

 

Refere que «incentivar mais raparigas a estudar STEM e estabelecer objectivos de género para as práticas de contratação não é suficiente». Porquê?

A contratação faz com que as pessoas entrem na empresa, mas não as mantém lá. Se tivermos pessoas extremamente capazes a fazer regularmente trabalho pouco valorizado ou trabalho para o qual não se candidataram, e sentirem que as suas competências e talentos não são valorizados, não é provável que fiquem muito tempo. Isto pode incluir tomar sempre as notas das reuniões, ser sempre o único a partilhar o seu ecrã mesmo quando não é o orador, reservar as salas de reunião e os dias de descanso, a lista continua.

 

O que é necessário para mudar essa realidade?

Vejo três áreas-chave. Primeiro, o reconhecimento dos comportamentos reais que ocorrem numa organização. Obter os testemunhos e factos das pessoas a diferentes níveis. Em segundo, incluir as competências técnicas correctas. Certificar-se de que uma pessoa é utilizada para gerar valor com base no seu conjunto de competências únicas e ajudá-la a desenvolver-se mais. E por último, capacitar os futuros líderes com mentoria e apoio. Se as pessoas que gere não forem desafiadas e incentivadas a desenvolver-se, o seu planeamento de sucessão será prejudicado. Na minha opinião, se uma pessoa se sentir respeitada, psicologicamente segura, valorizada pelas suas competências e puder desenvolver-se, e se estiver a ser apoiada para desenvolver a sua carreira, é muito menos provável que saia.

 

É isso que aborda em “Valued at Work: Shining a Light on Bias to Engage, Enable, and Retain Women in STEM”?

No meu livro, partilho histórias da vida real que foram ficcionadas através de personagens. São exemplos do que acontece em muitas indústrias diferentes onde trabalham mulheres nas STEM. No final de cada capítulo, há dicas para as organizações e dicas para as mulheres que se encontrem em situações semelhantes.

 

Quais as vantagens de uma força de trabalho diversificada?

A diversidade da força de trabalho favorece o pensamento inovador e pode gerar ideias e soluções inovadoras. Mas, na minha opinião, não são apenas as forças de trabalho diversificadas que são necessárias — é preciso que os locais de trabalho sejam inclusivos para tirar partido da diversidade de pensamento. Sem inclusão, a diversidade é prejudicada.

 

Tradicionalmente, as mulheres têm competências transversais que não são tão comuns nos homens, como a empatia, a sensibilidade e a capacidade de realizar várias tarefas. Que impacto é que isso tem nas empresas? 

A liderança empática é necessária no mundo actual. Há muitos problemas que não são a preto e branco/binários, há muitas áreas cinzentas, e muitas pessoas não se sentem confortáveis nesse espaço. Mas ter empatia, por exemplo, torna as negociações mais eficazes, uma vez que se procura encontrar soluções vantajosas para ambas as partes. Depois, quando o trabalho é efectuado, essa relação fundamental dá frutos para ambas as partes.

 

Acredita que vamos alcançar a igualdade de género e de remuneração num futuro próximo?

Não creio que seja num futuro próximo, infelizmente. Não vi grandes mudanças nos 18 anos em que trabalho. Mas acredito que se as organizações mudassem o seu enfoque das métricas de diversidade para os dados de inclusão, seriam muito mais eficazes na introdução de melhorias para os seus colaboradores, hoje e no futuro.

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