Fuga de talentos, um drama nacional?

Relatei o momento sobre o qual vos vou falar em 2018, no dia em que se passou. Estamos em 2023.

 

Por Joana Russinho, People Enthusiastic, head of Human Resources e autora de Eu e os Meus

 

De seu nome Teresa, entrou esbaforida no gabinete de estágios e carreiras de uma Universidade onde trabalhei.

– Preciso de ajuda! – disparou.

Fiquei atenta porque me chamou a atenção a sua declaração tão peremptória.

– Recebi agora uma proposta de estágio para Madrid, mas tenho também uma multinacional atrás de mim. Ah, e uma start-up onde já trabalhei também me quer de volta. Gostava de ir para Madrid, quero muito viajar e conhecer novas culturas, apesar de ser um estágio não remunerado.

 A Teresa, com ânsia de aventura, inquieta, a saltitar entre duas cadeiras, como se estar numa só fosse pouco.

–  Racionalmente sei que devia aceitar a proposta para a multinacional, para aprender e fazer curriculum. Preciso de aprender e dizem que é uma grande escola. Dizem que paga mal, mas que compensa – afirmou.

A Teresa a ser racional. Provavelmente a ouvir os pais, penso.

– Mas eu não ia gostar nada daquilo, horas e horas sem sentido…. embora fosse bom, dizem – disse hesitante.

A Teresa progressivamente mais serena, já confinada a uma só cadeira.

– Do que gostei mesmo foi de ter trabalhado na start-up. Gostei tanto! E querem que volte. Pagam alguma coisa e tem um ambiente óptimo. E agora tenho de escolher e não consigo. Dava tudo para que escolhessem por mim – suspirou.

A Teresa já fora das duas cadeiras, num frenesim de cruza e descruza pernas, agita os braços enquanto fala. É-lhe difícil estar imóvel no meio de tanto desassossego. Teresa como quem canta. Teresa encanta com uma energia que contagia, um sorriso que conquista… quando por fim:

– Se a Joana fosse eu, o que faria?

A Teresa, astuta, tenta outra jogada. Não lhe posso dar essa resposta.

– Que idade tens? – pergunto.

– 22 anos.

Tão pouco tempo até aqui e tanto ainda para vir.

– Sabes que não tens um problema? Problemas são aquelas coisas para as quais não há solução. Pareço o meu pai a falar (e como me zangava quando o ouvia com a mesma idade dizer-me a mesma coisa).

Mas a Teresa não parece incomodar-se com a provocação. Agita-se mais uma vez. Olha-me nos olhos.

– Tens três boas possibilidades. Muito boas mesmo. Agora é pensar e tomar uma decisão. Dou-te uma sugestão, faz uma reflexão escrita, de um lado as vantagens, de outro as desvantagens de cada hipótese. Mas com uma nuance muito importante: quando pensares nestas vantagens e desvantagens tem presente o que te faz feliz.

A Teresa não diz nada. Noto que se espanta com o meu desafio.

– Como não pensar nisso? Daqui a uns anos na mesma situação a fazer a mesma lista vais eventualmente ter de incluir outros critérios, tais como família, casa, encargos. Coisas mais “sérias”. Variáveis que te vão afectar a mutável felicidade, para melhor espero, mas que alterarão a análise.

A Teresa com as mãos no cabelo, ajeita a écharpe, já de pé. Olhos grandes. Cabe tanto naqueles olhos.

– É que eu gosto de tantas coisas que não sei. Apareceu tudo ao mesmo tempo. Já viajei e adorei, sei que quero continuar a ir e… mas também quero aprender para crescer e ser alguém. E do mestrado, não me posso esquecer, senão os meus pais matam-me. Mas na multinacional não me vejo! Foi o máximo no outro sítio, trabalhava com adrenalina!

Fala a uma velocidade incrível e com alegria. A Teresa a ser millennial. tenho a certeza de que é inteira em tudo o que faz. Que será feliz se seguir o instinto, se se ouvir como a ouvi, no alto do seu desconcerto concertado.

– O que te faz feliz? Ouve-te – sugiro.

– Mas se fosse eu? O que faria? – insiste.

Seria eu, outra pessoa, em outro tempo, e isso muda tudo.

 

Os anos passaram e nada se alterou no que respeita aos desafios das novas gerações que têm cedo demais, na minha opinião, de tomar decisões com base no que não sabem, com a pressão da sociedade e de um País com pouco para oferecer do ponto de vista de estabilidade.

Espero e desejo que alguma empresa tenha encontrado a Teresa, que a tenha sabido guiar, motivar e ajudado a crescer pessoal e profissionalmente. Espero que não tenha optado por continuar a investir na educação antes de encontrar o seu propósito de vida.

Por outro lado, sinto que a Teresa apanhou um avião só com bilhete de ida. E que as condições do nosso Portugal, e de gestão do nosso talento sejam insuficientes para a convencer a voltar. Talvez tenhamos perdido esta Teresa em 2018. Poder-se-á perguntar: “Até que ponto será o valor da perda destes talentos suportável pelo País?”

A tentativa de retenção e desenvolvimento de talentos poderá ser encarada como uma meta objectivo, e não como um drama nacional, afinal há soluções que podem e devem ser accionadas, uma vez que este não é um movimento silencioso: conhecemos as causas, resta querermos e podermos, cada um, assumir as devidas responsabilidades.

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