Gender Pay Gap. A lei já existe. E a prática?

Em 2023, foi aprovada a nova directiva da União Europeia que vem regular a transparência e equidade salarial. Em Portugal, mais de 1500 empresas já foram notificadas por desigualdade salarial. Os especialistas não escondem que essa desigualdade ainda existe, mas alertam que também há um problema de falta de precisão da informação.

 

Por Tânia Reis | Fotos Nuno Carrancho

 

Nos últimos anos, o tema da equidade salarial tem sido espelhado na legislação laboral de vários países, incluindo a divulgação pública das disparidades salariais. Em 2021, a Comissão Europeia deu um importante passo nesse sentido, com a apresentação de uma proposta de directiva relativa à transparência salarial, com o objectivo de garantir que, por trabalho de igual valor, os colaboradores recebem salário igual, independentemente do seu género. A aprovação da legislação em Março deste ano significa que os países membros da União Europeia têm um prazo de três anos, ou seja, até 2026, para a transpor para o direito nacional, adaptando obviamente à realidade de cada país.

Simultaneamente, no âmbito da lei n.º 60/2018, em vigor desde 2019, que regula a igualdade de salários entre homens e mulheres, recentemente a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) notificou 1540 entidades empregadoras com 50 ou mais trabalhadores, cerca de 20% das empresas portuguesas, que apresentam uma desigualdade salarial igual ou superior a 5%. Segundo dados da própria ACT, actualmente a diferença salarial entre mulheres e homens é de 13,3%, o que corresponde a mais de 48 dias por ano em que as mulheres deixariam de ser remuneradas pelo seu trabalho.

Estes dois temas, a transparência salarial e a equidade salarial, já estão na agenda de muitas empresas, que estão a tomar medidas nesse sentido, não só pela legislação nacional, mas também para preparar a entrada em vigor da directiva europeia.

Foi com este mote que a Human Resources Portugal, em parceria com a WTW Portugal, promoveu mais um Pequeno-Almoço Debate, para perceber qual o “estado da arte” das empresas em Portugal em termos de equidade salarial, como estão a ver esta “vigilância” da ACT, que mudanças acreditam ir ser necessárias e como vão ser implementadas dentro de cada organização, e de que forma afectará os modelos de gestão e a sustentabilidade das próprias empresas, no curto e médio prazo. Para isso, reuniram, na sede da WTW Portugal, em Lisboa, 13 especialistas de vários sectores como retalho, comunicação e saúde, multinacionais prestadoras de serviços, e ainda do sector legal, para reflectir sobre o tema e partilharem as suas opiniões e experiências.

Participaram Ana Amado, directora da WTW; Ana Gama Marques, directora de Recursos Humanos da Altice; Carla Caracol, directora de Recursos Humanos do Grupo Renascença; Elsa Carvalho, head of Business Development da WTW; Filipa Figueira, HR Associate director da MSD; Isabel Borgas, directora de Pessoas e Organização da NOS; José Miguel Vaz, Organizational, Reward and Analytics Deputy director da EDP; Marco Serrão, Chief People Officer da Galp; Marina Santos Sobreiro, head of Compensation and Benefits do BPI; Patrícia Macedo, senior associate Retirement na WTW; Pedro Henriques, director de Recursos Humanos da Siemens; Rita Canas da Silva, partner da Sérvulo; e Rita Távora, Country Talent Development manager da IKEA.

 

Desigualdade salarial ou reporte desadequado?
O enquadramento que serviu como ponto de partida para o debate foi feito pela WTW, que tem estado a trabalhar com algumas organizações temas que vão desde a necessidade de qualificação de funções, reskilling, revisão dos critérios de reporte de informação, critérios de gestão, entre outros, e faz notar que «tem havido um trabalho interno das empresas de tentar perceber o porquê da notificação de incumprimento», que será também o objectivo da ACT «trazer o tema para a agenda», levar as empresas a olhar para o tema da equidade salarial de uma forma mais séria.

A questão recai no facto de ainda não ser «totalmente claro para as empresas exactamente o que têm de fazer e até quando». Na notificação da ACT, referiam-se 120 dias a que a lei obriga para resposta. «Acontece que, pouco depois, a ACT veio novamente notificar as empresas que os 120 dias eram úteis e não corridos», dando mais tempo às empresas para preparar a respectiva resposta. Esta prevê «um timeline que, basicamente, terá a acção que a empresa tem de fazer, qual o prazo em que o vai fazer, e quais são os resultados específicos dessa visão». Algumas empresas «têm efectivamente problemas de desigualdade salarial», realça-se, porém outras «têm um problema de reporte no Relatório Único, porque até então tinha outros fins que não estes».

«Após resposta à ACT, as empresas terão um ano para fazer os estudos necessários, executarem o plano de avaliação que constou na resposta à ACT e, findos esses 12 meses, têm de mostrar à ACT o que fizeram, justificar as diferenças encontradas, e, caso persistam discrepâncias que não consigam ser justificadas, têm de ser eliminadas», esclarece-se.

Acontece que, enquanto a directiva prevê cerca de 5% de desigualdade, a legislação portuguesa não contempla qualquer valor mínimo de threshold (diferença limite) e a questão que se levanta é «até que ponto algumas empresas terão a capacidade – inclusivamente financeira – de, no prazo de um ano, corrigirem todas estas diferenças, e como vai a ACT reagir nesses casos».

Os especialistas presentes reconhecem que é tarefa difícil as organizações terem informação actualizada. «Um colaborador que começou na empresa com 20 anos, com o ensino secundário e, entretanto, hoje já tem um MBA, se não partilhar essa informação com a empresa, esta não a actualizou e não a reportou», exemplifica-se. Um homem pode estar a ganhar mais porque é mais qualificado, mas o reporte não espelha isso. Ou o caso das empresas que recorrem a outsourcing e que «cotaram todas as pessoas na mesma categoria profissional; obviamente, vão ter uma desigualdade salarial».

Outros factores mencionados para justificar a disparidade salarial entre géneros passam pela predisposição para o risco – uma característica mais típica do género masculino –, que se traduz numa maior mudança de emprego e, consequentemente, em «salários um pouco mais alavancados do que muitas mulheres » e o impacto da maternidade, que «acontece numa altura importante de crescimento das suas carreiras». E realça- se que, no fundo, são estas diferenças na sociedade que «esta legislação e as empresas têm de certa forma suavizar para que não haja situações de desigualdade salarial».

 

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Agosto (nº.152) da Human Resources, nas bancas. Pode também comprar online a versão em papel ou a versão digital.

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