Holmes Place: A comunicação começa na intenção

Em 20 anos a liderar equipas, fui aprendendo muito sobre comunicação. Mas foi quando comecei a mergulhar na cultura organizacional, no bem-estar e na forma como nos relacionamos no trabalho que percebi algo essencial: comunicamos o tempo todo, mesmo quando achamos que não estamos a comunicar.

Por: Cláudia Presa, Wellbeing and Culture Manager do Holmes Place Portugal

O silêncio comunica. O olhar desviado comunica. A ausência de resposta comunica.

E aquilo que não é dito grita, muitas vezes, mais alto do que mil palavras bem escritas num e-mail ou memorando institucional.

Então, o que é, afinal, “Comunicação Interna”? É o conjunto de processos, canais, práticas e atitudes que nos ajudam a criar alinhamento, conexão, partilha e clareza dentro da organização. Mas, mais do que isso, é o principal instrumento para construir cultura. Não vive só nos e-mails, nem nos murais, nem nas newsletters. Vive nas reuniões informais, nos pequenos gestos, na forma como escutamos ou não escutamos, na escolha das palavras, na presença. E, sobretudo, na intenção.

A comunicação interna eficaz não começa nas palavras – começa na intenção com que falamos. Para que é que estou a comunicar isto? Para controlar? Para informar? Para envolver? Para inspirar? Como o dizemos importa. Quando o dizemos importa. Mas mais ainda: porque o dizemos importa.

COMUNICAÇÃO COMO PRESENÇA E CONGRUÊNCIA

Quando estou a passar alguma mensagem não tenho dúvidas que comunicar é estar presente. Quantas vezes respondemos no automático? Quantas vezes ouvimos com o corpo presente, mas a mente ausente? A escuta activa começa na intenção de estar verdadeiramente com o outro. É dizer, sem palavras: “Eu estou aqui. Eu importo-me.” Quando isto acontece, até as conversas mais difíceis ganham leveza. Há espaço. Há segurança emocional. E só com segurança emocional é que a comunicação interna cumpre o seu verdadeiro propósito.

Um dos maiores erros organizacionais é pensar que a comunicação interna é responsabilidade do “departamento certo”. Não é. A comunicação interna começa em cada líder, em cada reunião, em cada decisão sobre o que dizer e como dizer. Cada gesto comunica. Cada silêncio educa. Cada resposta molda a experiência emocional das pessoas no trabalho.

Por isso, sim, a comunicação é uma ferramenta. Mas também é espelho. Mostra a cultura real da empresa. Mostra quem somos quando ninguém está a ver.

A ILUSÃO DA COMUNICAÇÃO IGUAL PARA TODOS

Todos os que lideramos equipas ou organizações temos, no fundo, o mesmo desejo: que toda a gente reme na mesma direcção. Que todos saibam onde estamos, para onde vamos, e que partilhem o mesmo nível de motivação, foco e ligação ao trabalho. E, em última instância, todos sonhamos com uma equipa coesa, focada e eficaz, capaz de aumentar margens de lucro e garantir a sustentabilidade do negócio para alcançarmos os tão desejados resultados financeiros. Só que esse desejo, apesar de legítimo, esbarra numa verdade que nem sempre é confortável: não existe uma forma única de comunicar que tenha o mesmo impacto em todas as pessoas.

Comunicamos com pessoas diferentes. Com percursos, histórias, referências, experiências e representações internas que influenciam a forma como recebem a nossa mensagem. O que para uns soa a “inspiração”, para outros pode soar a “pressão”. O que para uns é claro, para outros pode ser ambíguo. É como pedir a um grupo que pense numa maçã: cada pessoa imaginará uma maçã diferente – na cor, no cheiro, no tamanho. Porque somos todos diferentes por dentro, mesmo quando a palavra que ouvimos é a mesma.

A isto somamos outro factor: os diferentes níveis de motivação e ligação à organização. Um colaborador recém-chegado, alguém que acaba de ser promovido ou alguém que está muito satisfeito com o seu trabalho, vão todos receber a mesma mensagem – mas o impacto que ela vai ter em cada um será totalmente diferente. Uns vão ler com atenção. Outros vão passar os olhos. Outros nem vão abrir o e-mail.

Mas o desafio vai ainda mais longe: a comunicação não é só diferente de pessoa para pessoa – é também diferente entre os vários níveis de liderança. Vou dar um exemplo prático. Para que as avaliações de desempenho dos colaboradores sejam mais fidedignas, é essencial termos pelo menos 80% de avaliações por cada pessoa avaliada. A minha função, enquanto responsável por esta comunicação, é garantir que todos os directores das várias empresas agem em conformidade. Enviei a mensagem como ela me foi passada – de forma directa, clara, objectiva. Fiz isso mais do que uma vez. Mas a verdade é que… pouco mudou. A taxa de resposta continuava baixa em várias empresas. Foi quando parei para pensar no impacto e na intenção que tudo mudou.

A minha intenção não era “avisar”. Era impactar. Era provocar acção. E conhecendo bem toda a equipa – altamente competitiva – percebi o que poderia realmente funcionar com a maioria. Criei um ranking das empresas, onde coloquei em primeiro lugar e a cor verde quem já estava entre 80% e 100% de respostas. Quem ainda estava longe disso coloquei nos últimos lugares, a amarelo e a vermelho. Usei cores para destacar visualmente a situação. Em vez de enviar apenas números, enviei contexto. Em vez de informar, provoquei um sentimento. Em menos de três horas, a maioria das empresas chegou perto dos 100%. A mensagem era, no fundo, a mesma. Mas foi o formato e o tom que fizeram toda a diferença no impacto.

Este é o verdadeiro trabalho da Comunicação Interna: entender que o nosso papel não é apenas dizer, é chegar. E para isso, temos de estar atentos à forma como a mensagem é recebida, vivida, interpretada. Porque não comunicamos para um grupo homogéneo, e porque queremos (ou devíamos querer) mais do que apenas “informar”. Queremos ligar, inspirar, alinhar. E isso só se consegue com intenção, escuta e flexibilidade.

O PRINCÍPIO 20-60-20: UMA REALIDADE PRÁTICA

Na minha experiência, tenho percebido um padrão, não oficial nem estudado cientificamente, mas que se repete com muita frequência na prática do dia-a-dia: cerca de 20% das pessoas não vão “ouvir” ou integrar a informação, independentemente do quanto ela foi bem pensada e transmitida; outros 20% vão estar sempre atentos, conectados e dispostos a absorver o que lhes é comunicado; e os 60% restantes… esses vão oscilar conforme a forma como comunicamos e o contexto em que se encontram. O que sinto e vejo em muitas equipas e organizações é esta tensão: a diversidade humana torna difícil chegar a todos com o mesmo impacto. Mas a meta deve ser sempre clara: colocar os olhos nos 100%, mesmo sabendo que o resultado será um número mais baixo. Porque manter os olhos nesse ideal ajuda- nos a tentar mais, a ajustar estratégias, a ouvir feedbacks e a alcançar cada vez mais pessoas.

Partilho um exemplo: imagine que faz uma comunicação importante para a equipa sobre um novo processo. Envia um e-mail detalhado. Sabe que há quem nem leia, quem leia de forma superficial, e quem leia atentamente. Em vez de desistir, pode complementar com uma reunião, perguntas abertas, criar um canal de dúvidas, criar uma competição, etc. O objectivo não é garantir que todos vão entender à primeira, mas sim aumentar as hipóteses de que, a cada passo, mais pessoas se envolvam e compreendam o que está em jogo. O “20-60-20” não é uma sentença, mas um princípio para lembrar que a comunicação interna é dinâmica, precisa de persistência e exige um olhar constante para o impacto real que tem nas pessoas.

Tal como acontece com a cultura organizacional, também a comunicação interna exige tempo, paciência e consistência. É comum querer resultados imediatos. Mas comunicar bem, com impacto, implica repetir mensagens, testar canais, ajustar abordagens, escutar feedback, melhorar continuamente. E isso leva tempo. A cultura não muda com um cartaz na parede. Muda com a repetição de acções coerentes, e a comunicação é o fio condutor que costura essa coerência.

UM SEGUNDO ANTES DE COMUNICAR!

Da próxima vez que for comunicar algo à sua equipa, deixe um segundo de pausa antes de premir “enviar” ou de abrir a boca numa reunião. E pergunte-se: Qual é a minha verdadeira intenção? O que quero provocar? Qual é o impacto que quero ter? Como se vai sentir quem vai receber esta mensagem? Se colocarmos mais intenção, escuta e consciência na comunicação interna, ela deixa de ser apenas “um canal” – e passa a ser um acto de liderança. A cultura da empresa começa a tornar-se visível no ar que se respira, nos rostos das pessoas, nas conversas informais. Porque, no fim, não há comunicação sem relação. E não há relação sem presença. E isso, mais do que tudo, é o que transforma uma organização por dentro.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Comunicação Interna” que foi publicado na edição de Julho (nº. 175) da Human Resources.

Disponível nas bancas e online, na versão em papel e na versão digital.

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