Inconstitucionalidade da norma referente ao período experimental pode trazer problemas graves às empresas. A advogada explica

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 318/2021 – O período experimental deve ser agora aferido em vários empregadores? A segurança jurídica das relações laborais posta em causa.

Por Sofia Pamplona, associada coordenadora da Telles

 

Foi publicado, no passado dia 8 de Junho, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 318/2021, que declarou a inconstitucionalidade do art.º 112.º, n.º 1 alínea b), iii) do Código do Trabalho, apenas na parte em que se refere aos trabalhadores que estejam à procura do primeiro emprego, quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro empregador.

Recorde-se que esta norma foi introduzida no Código do Trabalho pela Lei n.º 93/2019, de 4 de Setembro, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2019, prevendo a possibilidade de se estabelecer um período experimental de 180 dias nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, celebrados com trabalhadores à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração.

Apesar de não resultar da lei a definição destes dois conceitos, tem-se entendido que é trabalhador à procura de primeiro emprego aquele que nunca esteve vinculado por contrato de trabalho sem termo e é desempregado de longa duração aquele que não tenha qualquer vínculo laboral há 12 ou mais meses.

O mencionado Acórdão veio declarar inconstitucional a norma, apenas no caso de estarmos perante a contratação de um trabalhador à procura de primeiro emprego, se esse trabalhador já tiver anteriormente sido contratado, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro empregador.

Antes de mais, não podemos deixar de pôr em causa a bondade desta decisão, na medida em que a mesma, na nossa opinião, está em clara contradição com a noção de período experimental, encerrando em si questões de desigualdade.

O período experimental é, de acordo com a definição do Código do Trabalho, o período durante o qual as partes apreciam o interesse na manutenção do contrato de trabalho, devendo as partes agir de forma a que a outra possa apreciar o interesse dessa manutenção.

Assim, desde logo, o período experimental é aferido em cada relação de trabalho que a empresa estabelece com um trabalhador, período durante o qual empregador e trabalhador devem conhecer-se, sendo indiferente o período experimental que o trabalhador já tenha tido num outro local.

Veja-se, por exemplo, o caso de um estudante de um qualquer curso superior que durante o seu período de licenciatura tem um, ou até vários, contratos de trabalho a termo em áreas completamente diferentes daquela em que está a investir a sua formação.

No momento em que esta pessoa se licenciar e ingressar no mercado de trabalho na sua área de formação, os 90 dias ou mais que teve de experiência em outras áreas não terão qualquer impacto para o novo empregador apreciar o interesse da manutenção desse contrato de trabalho. Até para o próprio trabalhador, será completamente distinta a forma como apreciará o interesse na manutenção daquele vínculo.

Na prática, este trabalhador não se distingue do colega de curso que nunca trabalhou, no entanto, a partir deste Acórdão, ao primeiro, o empregador só poderá estabelecer um período experimental de 90 dias, ao segundo, já poderá aplicar 180 dias.

À parte desta crítica à decisão do Acórdão, não podemos deixar de fazer uma outra, que poderá trazer problemas bem mais graves às empresas.

Como é sabido, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da mesma, o que significa que esta declaração de inconstitucionalidade fará desaparecer a redacção actual do artigo nesta parte, alterando-se a mesma para acolher o que resultou desta decisão.

O Tribunal Constitucional tem a faculdade de fixar efeitos mais restritos à declaração de inconstitucionalidade quando estão em causa, entre outras, razões de segurança jurídica, o que permite, por exemplo, determinar que a inconstitucionalidade da norma só tem efeitos para o futuro. Não foi o que fez no caso concreto.

Como se referiu, a lei em questão entrou em vigor a 1 de Outubro de 2019 e o Acórdão foi publicado a 8 de Junho de 2021, o que significa que durante mais de 20 meses as empresas puderam contratar trabalhadores à procura do primeiro emprego com um período experimental de 180 dias.

Neste momento, com a declaração de inconstitucionalidade da norma e com os efeitos desta declaração, as empresas correm o risco de verem os trabalhadores que foram dispensados após o decurso de mais de 90 dias de um período experimental de 180 dias, reclamarem os seus postos de trabalho.

Sendo a norma declarada inconstitucional com efeitos retroactivos, tudo se passa como se a mesma não tivesse existido, o que significa que um trabalhador à procura de primeiro emprego, que já tivesse tido um contrato a termo anterior por mais de 90 dias, nunca poderia ter celebrado um contrato sem termo com um período experimental de mais de 180 dias. Se o celebrou, e se se foi despedido entre o 91.º dia e o 180.º dia, o seu despedimento é ilícito por não respeitar nenhum dos procedimentos previstos na lei para o despedimento de trabalhadores contratados por tempo indeterminado. Confuso, não?

Queremos com isto dizer que, está aberta a porta para que muitos dos trabalhadores que foram dispensados no período experimental venham reclamar o despedimento ilícito, peticionando a reintegração no anterior posto de trabalho ou eventual indemnização.

Entendemos, mais uma vez, que esta decisão falha por não limitar os seus efeitos a situações futuras, pondo em causa a segurança jurídica das relações laborais e criando problemas seríssimos às empresas.

Como é evidente, a acontecerem situações destas, estaremos perante litígios que terão forçosamente de ser dirimidos em Tribunal, analisando-se os argumentos de parte a parte e os impactos que esta decisão causa aos empregadores.

Ainda é cedo para fazer prognósticos, tanto mais que, como é sabido, em Portugal contrata-se pouco por tempo indeterminado e ainda menos quando estão em causa trabalhadores à procura do primeiro emprego, mas acredito que ainda vamos ouvir falar muito dos impactos da declaração de inconstitucionalidade deste pequeno excerto do art.º 112.º do Código do Trabalho.

 

 

 

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