
Internacionalização para as micro e pequenas empresas: desafio ou utopia?
Ajudar as nossas PME a ir mais além naquilo que podem ser os seus planos de internacionalização, estimulando o crescimento da economia portuguesa, continuará a ser uma miragem enquanto não houver políticas governamentais consentâneas. É fundamental garantir que a Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME) tenha assento nos órgãos de definição dos critérios de programação e aplicação dos Fundos Comunitários 2030, como acontece com as suas congéneres nos restantes países da União Europeia.
Por Jorge Pisco, presidente da direcção da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME)
Muito se tem dito e escrito sobre a importância da internacionalização para as empresas portuguesas. Para muitos, o processo de internacionalização é considerado como um factor decisivo para o crescimento e o desenvolvimento da nossa economia. Os sucessivos governos têm propalado aos quatro ventos a internacionalização como sendo a galinha de ovos de ouro que permitirá resolver os problemas do tecido empresarial nacional e dar um contributo decisivo para o crescimento económico português.
Salvo melhor opinião, trata-se de uma visão redutora e excessivamente voluntarista, que não tem na devida conta a realidade objectiva do país e omite os pontos fracos que caracterizam o nosso tecido económico, assim como as ameaças que sobre ele impendem.
Para Portugal, com um tecido empresarial composto maioritariamente por micro e pequenas empresas (96%), são enormes os desafios que esta internacionalização representa e gigantesco o esforço necessário para incrementar as suas vendas no exterior. Sendo ainda muito importante realçar que o processo de internacionalização ultrapassa em muito o conceito tradicional de «exportações», abarcando igualmente todos os serviços que são prestados, no nosso país, aos turistas e demais clientes estrangeiros.
As micro, pequenas e médias empresas (MPME) ocupam, portanto, posições preponderantes na maior parte dos serviços, incluindo os sectores fortemente exportadores do têxtil, calçado, metalomecânica, construção e turismo. Em bom rigor, as MPME são o verdadeiro motor da economia portuguesa e as maiores geradoras de contribuições fiscais para o Orçamento do Estado.
As políticas fiscais, de crédito e de atribuição dos apoios comunitários têm discriminado negativamente as MPME, criando enormes obstáculos à sua modernização e ao aumento da sua competitividade relativamente às suas congéneres da União Europeia.
As exportações constituem uma vertente muito importante no funcionamento das economias modernas, não só na geração do produto mas, particularmente, no quadro do equilíbrio da balança comercial, na perspectiva da produção-exportação de bens/ mercadorias, com vista a obter taxas de cobertura das importações pelas exportações o mais elevadas possível.
Contudo, as exportações, tal como a sua dinamização, reportam quase exclusivamente à vertente que podemos designar por quantitativa, e muito menos, ou mesmo quase nada, à vertente qualitativa das exportações – isto é, às suas características e valor acrescentado em território nacional.
Naturalmente, são de destacar e valorizar aspectos tais como a abertura de novos mercados, a diversificação do risco, o aproveitamento de economias de escala, a presença global das marcas, a inovação e a competitividade, variáveis e aspectos arrastados pela presença nos mercados externos. Todavia, se regressarmos ao que atrás escrevemos, tal internacionalização, na vertente exportadora, está pratica- mente dissociada do elevado e insustentável nível de importações, seja de bens de consumo ou bens de equipamento, que não se produzem no país, muitas vezes a níveis preocupantes.
É deveras importante recordarmos que muitos dos bens de consumo e de equipamento, mesmo os de elevado nível tecnológico – tais como material circulante ferroviário e os grandes navios para a marinha mercante –, já foram, num passado não longínquo, fabricados em Portugal, alavancando a criação e a sustentabilidade de milhares de PME e dezenas de milhares de postos de trabalho alta- mente especializados e bem remunerados.
Isto é, se actuarmos somente na quantidade de bens exportados, a probabilidade de quase nada, ou mesmo nada, alterarmos na vertente qualitativa do aparelho económico, sobretudo no domínio da esfera material, a economia nacional continuará inexoravelmente a reproduzir no tempo as suas debilidades e insuficiências estratégicas, porventura agora somente num patamar mais elevado do PIB e do peso do valor das exportações neste agregado macroeconómico.
De facto, exigem-se alterações muito profundas no perfil de especialização da economia nacional, designadamente por via da absoluta necessidade de acontecerem alterações radicais na relação entre o VAB (Valor Acrescentado Bruto) industrial e o VAB dos serviços, em particular da sua componente turismo e no próprio perfil de especialização da indústria transformadora, nomeadamente pela reconstituição de sectores básicos e estratégicos extintos – ou profundamente diminuídos durante a década de 90 do século passado e ainda na primeira década deste século –, bem como de uma profunda ligação orgânica-funcional entre a silvicultura, a agricultura, as pescas e a actividade extractiva, por meio do espectro diversificado de sectores da indústria transformadora, no quadro das fileiras industriais crescentemente valorizadas.
Caminharmos nessa direcção de progresso e sustentabilidade económica alteraria profundamente, para melhor, a densidade do tecido económico, em particular na sua vertente industrial, os níveis de criação de valor no quadro de uma muito maior autonomia, e, porventura, a sua especialização.
Isto também significa, e não é pouco importante, que qualquer processo de internacionalização seria obviamente escorado numa muito maior capacidade interna soberana, que significaria uma capa- cidade de escolha verdadeiramente nacional dos caminhos da internacionalização, e não das escolhas de outrem.
Por outro lado, a questão da reduzida dimensão do mercado interno não pode nem deve ser utilizada como argumento impeditivo da alteração e valorização do perfil económico da nossa economia.
Aliás, o desenvolvimento económico equilibrado, moderno e soberano – mediante uma forte intervenção de empresários portugueses, com capitais portugueses, e mesmo, em circunstâncias de muito elevada exigência, com capitais do próprio Estado – é uma condição absolutamente necessária para que as insuficiências estratégicas (atrás elencadas de forma muito genérica) sejam atenuadas de modo seguro, e, por fim, eliminadas.
Esta questão da absoluta necessidade de um desenvolvimento económico soberano, enquanto via de superação das insuficiências estratégicas da economia nacional, adquire uma especial relevância face ao nível e características do investimento estrangeiro em Portugal, assustadoramente crescente e omnipresente, sobretudo há algumas décadas. Tal investimento, perante as características que apresenta – quantitativas-dimensão e, sobretudo, qualitativas-perfil –, só na aparência é que tem um papel globalmente positivo sobre a economia nacional, ressalvadas as devidas excepções.
Também pela sua dimensão asfixiante e diversidade, nomeadamente pela sua presença quase absoluta nos sectores básicos e estratégicos, que quase inexplicavelmente nos sobraram, a presença do capital estrangeiro não resolve, antes reproduz, no essencial, e já quase numa perspectiva histórica, as insuficiências da economia nacional, que, nalguns domínios, ele próprio ajudou a agravar. E não esquecer de que os centros de decisão estratégica de tão importante fatia da economia nacional não estão em Portugal. As decisões a vários níveis – estratégico, táctico e operacional – não têm a mínima participação portuguesa, designadamente das autoridades nacionais.
Basta ver quem define as regras, os critérios e os modelos a aplicar nas candidaturas aos milhões de euros que dizem pôr à disposição dos empresários das MPME nacionais, no âmbito do Portugal 2030, para apoiar os mais diversos projectos de internacionalização!
Sendo certo que estes apoios não são a fórmula mágica para incrementar a exportação de bens da economia portuguesa, a verdade é que estes programas, tal como foram e estão concebidos, não permitem às micro e pequenas empresas aceder plenamente à sua utilização.
Estimular e fomentar a internacionalização e, assim, ajudar as nossas PME a irem um pouco mais além naquilo que podem ser os seus planos de internacionalização, estimulando o crescimento da economia portuguesa com a alavanca do mercado internacional, continuará a ser uma miragem enquanto não houver políticas governamentais consentâneas.
É fundamental garantir que a Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), enquanto estrutura representativa das MPME, tenha assento nos órgãos de definição dos critérios de programação e aplicação dos Fundos Comunitários 2030, como acontece com as suas congéneres nos restantes países da União Europeia.
Para terminar, na consideração de que as MPME, embora não determinantes, são claramente dominantes na economia, é fundamental recordar e enfatizar que o seu protagonismo constitui uma condição necessária e fundamental para o país e para esse grupo de empresas. E também a sua participação na concretização do alargamento a cada vez mais empresas das políticas de investigação experimental e inovação, sejam as dinamizadas e geridas directamente pelo Estado – laboratórios do Estado e estabelecimentos de ensino superior –, sejam as da responsabilidade de associações privadas.
A CPPME defende uma economia sustentável e dinâmica como fundamental para o desenvolvimento económico nacional.
Pré-publicação do livro “71 Vozes pela Internacionalização”, da colecção coordenada pelo ISCTE Executive Education.