Isabel Borgas, NOS: Organizações abertas e ligadas ao mundo. Sem perder o Norte

O mundo tem mudado muito e muito depressa. E as empresas têm de acompanhar essa mudança, também para estabelecer relação com o talento que precisam de incorporar. Cabe a quem trabalha a Gestão de Pessoas ajudar as empresas a manter presentes os seus alicerces programáticos e os pilares culturais.

 

Por Isabel Borgas, directora de Pessoas e Organização da NOS

 

Em jeito de ponto prévio quero, desde já, deixar o alerta de que neste artigo vai encontrar mais perguntas do que respostas.

Quando a Human Resources me desafiou para escrever este artigo de opinião, com base nas minhas perspectivas e experiências, achei que seria mais importante partilhar algumas das questões mais complexas e desafiantes com que me tenho debatido e às quais mais tempo e atenção tenho dedicado, sem que, no entanto, possa dizer que tanto estudo e contributos se tenham traduzido em respostas realmente certas ou definitivas.

Como ponto de partida para esta reflexão conjunta, pensemos nos jovens profissionais recém-entrados no mercado de trabalho, que hoje procuram juntar-se às nossas organizações. Que organizações vão estes encontrar e que profissionais vamos nós recrutar? É a sociedade que está a mudar o trabalho ou é a forma como nos organizamos e trabalhamos que está alterar a nossa vida em sociedade?

Todas estas reflexões acabarão por, de alguma forma, vir desaguar ao modelo e ao nível de relação que as empresas terão de estabelecer com o talento que precisam de incorporar e valorizar. Mas, para já, passemos os olhos pelo contexto social.

O mundo tem mudado muito e muito depressa, e uma grande parte da sociedade também, e as empresas são pressionadas a acompanhar essas cascatas de mudança.

É neste tal mundo, que dizemos estar cada vez mais pequeno, que encontramos as novas gerações. São realidades com noções de território, fronteiras e distâncias esbatidas. Onde o digital e o real são uma e a mesma coisa.

As afinidades e a cultura são cada vez menos geográficas e mais temáticas, ora condicionadas por um algoritmo, ora servidas por castas sucessivas de influenciadores e influencers de escala planetária. Para muitos dos nossos jovens, é mais fácil, e até natural, sentirem-se amargurados com as desventuras e as tristezas de alguém que seguem num qualquer lugar do mundo, do que com os problemas mais próximos, da própria família ou vizinhos.

Nunca como agora houve tanta informação acessível. É um mundo onde aparentemente tudo é alcançável e cheio de caminhos e soluções alternativas. E quase sempre com doses raquíticas de esforço.

Se, por um lado, esta realidade tem contribuído para alargar horizontes e para uma desejável consciência social, por outro tem também ajudado a criar uma errónea ideia de auto-suficiência: pouco mais é necessário do que uma ligação por wi-fi e baterias carregadas.

Esta facilidade de saber, chegar e acontecer, quando pouco contextualizada e sem qualquer tipo de compensação, contribui decisivamente para a forma como estes jovens pensam, actuam e decidem.

São gerações que raramente foram contrariadas, para quem as referências com as quais os seus pais cresceram pouco ou nada lhes dizem. E por isso rejeitam-nas liminarmente. Não aceitam, nem querem, uma vida de esforço ou qualquer tipo de sacrifício, como a que tiveram as gerações anteriores, não querem uma vida de sofrimento como viveram os seus avós. Querem tudo e querem rápido. Agora.

Mesmo que amanhã possam querer algo totalmente diferente. E querem. Ainda assim, há talentos fantásticos, desenvolvidos sem qualquer interesse em colocarem-se ao serviço de empresas ou organizações. O problema é que, invariavelmente, perdem perspectiva!

Na euforia do imediato e do instantâneo, na adição de dopamina desde muito cedo, não entendem a importância e o significado de compromisso. Nunca tiveram de superar verdadeiras adversidades. Desconhecem a resiliência, não aprenderam a gerir frustração, temem o desconhecido e lidam mal com a imprevisibilidade. Procuram a resposta na experiência seguinte, por incapacidade de a construírem por si e em si próprios. Agarram-se às causas, por inaptidão para atribuírem significado ao dar e ao partilhar. Querem uma vida com propósito e ambicionam deixar a sua marca no mundo. Querem criar impacto. Mesmo que apenas seja medido em likes e seguidores.

E aplicam o mesmo princípio em contexto profissional: se não estiverem a “salvar o mundo” no primeiro ano de trabalho, mudam de emprego; se o reforço positivo não for constante, mudam de emprego; se o reconhecimento não for imediato, mudam de emprego.

E então como reagir e actuar? Se estivermos atentos, em poucos anos têm-se reformulado muitos dos paradigmas à luz dos quais os sistemas de ensino, a legislação laboral, o mercado de trabalho, os modelos de recrutamento, as próprias empresas e as políticas de gestão de talento se têm vindo a desenvolver.

Mas é fácil, e até compreensível, perceber que as empresas que competem desenfreadamente por atrair e reter talento sejam apanhadas neste frenesim e percam muitas vezes o norte.

Este fenómeno torna ainda mais complicada a vida nas empresas mais clássicas, nos sectores primário e o secundário, com argumentos aparentemente menos apetecíveis para estas gerações digitais. O que podem estas empresas fazer para atrair o melhor talento de que tanto precisam para continuar a progredir? Como podem, a este nível, adaptar-se as empresas mais antigas?

Aqueles projectos empresariais que são pensados e implementados à luz das novas realidades e desenhados para e por estas gerações mais novas já se orientam de forma diferente. E, mesmo assim, será suficiente, até quando

No meio de tantas dúvidas ficam-me algumas certezas, nomeadamente sobre a importância crescente do papel de todos os que trabalham com a gestão de talento e pessoas.

Compete-nos a nós ajudar o resto da organização a ganhar perspectiva e manter presentes os alicerces programáticos e os pilares culturais que têm sustentado gerações de organizações e projectos empresariais ao longo de muitas etapas com mudanças aceleradas.

É necessário saber ler o negócio nos contextos macro e nas realidades individuais, antecipar obstáculos e desafios, trabalhar as forças e os princípios que promovam o equilíbrio e a renovação do talento necessário à sustentabilidade futura.

Cabe-nos a nós ajudar a criar um ambiente de trabalho com uma cultura que promova a cooperação, a confiança e o compromisso, onde todos – os mais novos e os que estão nas empresas há mais tempo – se sintam seguros para errar, para aprender e para crescer. São necessárias organizações abertas e ligadas ao mundo.

 

Este artigo foi publicado na edição de Dezembro (nº.132) da Human Resources, nas bancas.

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