Isabel Borgas, NOS: O que é mesmo uma empresa?

Uma organização é muito mais do que um conjunto de factores produtivos. Andamos há muito a dizer – e a ouvir – que as empresas são as pessoas. Mas, se não estão lá… Para que não fiquem dúvidas, sou uma defensora da flexibilidade, mas cada vez menos da ausência de vida nos corredores dos escritórios.

Por Isabel Borgas, directora de Pessoas e Organização da NOS

 

Quem trabalha em Gestão de Pessoas sabe que esta é uma área pródiga em reflexões, tendências, inovações, opiniões e numa enormidade de constantes vicissitudes que nos ensinam a confiar ao tempo uma boa parte da ponderação que, normalmente, beneficia com o distanciamento.

A verdade é que no meio de tanta efervescência de contextos, há sempre mais questões e incógnitas do que respostas definitivas e, por isso mesmo, as opções que seguimos e as decisões que tomamos vivem do que são as nossas convicções, à luz dos princípios pelos quais orientamos o que fazemos e pelas balizas que enformam os nossos mandatos.

Os estudos chegam invariavelmente a seguir. E, para quem os pode fazer, ajudam a confortar os caminhos seguidos, ou, em alguns casos ainda mais afortunados, permitem corrigir as rotas iniciadas.

Vem tudo isto a propósito de alguns dos temas quentes que mais estão a pressionar as organizações (e a própria sociedade), e que, estando interligados, vão marcar os próximos tempos.

No epicentro estão os novos modelos de trabalho.

E para que não fiquem dúvidas, assumo desde já que sou uma defensora da flexibilidade, mas cada vez menos da ausência de vida nos corredores dos escritórios. É algo que transcende em muito a tão desejada melhoria dos nossos rácios de produtividade.

Uma organização é muito mais do que um conjunto de factores produtivos. E estaremos todos de acordo quanto a isso. Andamos há muito a dizer e a ouvir que as empresas são as pessoas, como estas as vivem, trabalham e transformam. E se assim é, como se constrói o necessário engagement nestes novos modelos?

Mais, como se cria e consolida uma identidade? O que faz uma equipa? O que diferencia uma organização de outra? Como se vivem os valores e princípios?

Dir-me-ão que o que importa é a performance. É essencial, sim, mas não pode ser apenas numa lógica de curto prazo.

Unidades que apenas se focam em performance produtiva têm menos capacidade de afirmação identitária e estão claramente orientadas para o sucesso em ciclos curtos. Em última análise, será até mais difícil competir com a inteligência artificial… se o tema for apenas performance!

A socialização é essencial para o nosso desenvolvimento individual e colectivo. Sem querer caminhar para um campo científico, para a qual não estou habilitada, há muitos exemplos da importância da convivência social para a construção e maturação da nossa identidade e dimensão humana.

A este propósito deixem-me partilhar, sem spoilers, algo que encontrei no último livro de Isabel Allende, “O vento conhece o meu nome”. Serve esta alusão para falar da referência ao isolamento do mundo em período pandémico, que nesta narrativa serve de âncora ao desenrolar da história.

É aí que aparece a Anita, uma criança resgatada à sua infância. Tal como todas as crianças nascidas em plena pandemia. Aquelas que aprenderam a gatinhar confinadas a quatro paredes, que brincaram sem saberem o que é um brinquedo partilhado, que aprenderam a andar sem terem caído na rua, no parque ou na praia… a quem foi retirado do direito a muitos e necessários afectos.

Tenho a convicção de que esta factura também nos irá chegar.

Como serão estes jovens do amanhã? Os que crescerão com os pais em casa. Os que verão esbatidas as fronteiras entre sala onde jantam e o escritório onde estes trabalham. Os que não distinguirão o pequeno-almoço na bancada da cozinha da pausa para o café. Os que não ouvirão falar nas conversas ao jantar da importância da opinião do outro no desenvolvimento do próprio, do aprender a ver fazer. Todos aqueles que não saberão lidar com a diferença, a adversidade, a divergência e a frustração.

Agora, se a isto tudo juntarmos a bola de neve em que se começam a transformar as doenças mentais e psicológicas, será fácil perceber que estamos ainda muito longe de modelos definitivos e devidamente consolidados. Por muito que alguns teimem em tentar convencer-nos do contrário.

Uma nota final: uma grande parte do que acima refiro sobre os modelos de trabalho é uma discussão das organizações ditas de serviços, uma vez que numa larga maioria das tarefas nas unidades dos sectores primário e secundário estas questões não se colocam exactamente nestes moldes.

 

Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº. 154) da Human Resources, nas bancas.

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