Líder de proximidades

Rui Miguel Nabeiro, administrador da Delta Cafés, segue o modelo de gestão do seu avô, o comendador Rui Nabeiro. Uma gestão de proximidades, na qual conhece bem todos os colaboradores.

Por TitiAna Amorim Barroso

Fotografia Paulo Alexandrino

Na Delta Cafés desde 2003, Rui Miguel Nabeiro começou no departamento de Marketing, passou pela área Comercial e hoje, enquanto administrador, responde pelos mercados internacionais, os produtos complementares e Delta Q.

«Às vezes os gestores não têm a percepção do que se está a passar na vida do colaborador e esta proximidade que se vive na Delta facilita muito o dia-a-dia, não leva a julgamentos errados de ninguém, facilita a decisão. O segredo é tratar os colaboradores como pessoas e não como recursos, têm problemas e motivações diferentes», sublinha Rui Miguel Nabeiro.

O departamento de Pessoas da empresa está, neste momento, em remodelações. «Temos que ter políticas mais sedimentadas, sobretudo nesta fase de expansão. Estamos a trabalhar de uma forma muito séria na criação de uma cultura organizacional, isto nem sempre é fácil. Estamos agora a deixar de ser um departamento de RH para ser um departamento de Pessoas destacado nas áreas críticas, desde os planos de formação, aos de recompensa e de evolução na carreira. Até aqui as políticas eram implícitas, aconteciam de forma muito natural, agora estão a ser mapeadas», avança.

Rui Miguel Nabeiro fala-nos da estratégia da empresa, dos desafios enquanto administrador, partilha os melhores e piores momentos que a Delta atravessou, entre outros temas.

HR: Sei que gosta pouco destas “guerras” de quotas, mas a Delta Cafés representa 40,5% de quota de mercado em Portugal. Quanto crescem em média por ano?

Rui Miguel Nabeiro: Sim, é verdade. Os números do ano passado são de 6% no total do negócio. Os últimos quatro anos têm sido interessantes, o lançamento das cápsulas e Delta Q permitiu-nos um crescimento extra, que é muito importante para o vigor do grupo e para podermos continuar a acrescentar valor. E de facto é isso que tem sido o motor nestes últimos anos.

HR: A Delta Cafés atingiu 290 milhões de euros de facturação. É já um número que dá alguma tranquilidade?

Rui Miguel Nabeiro: Sim. Isto só quer dizer que a Delta tem uma obrigação muito grande de olhar, de uma forma mais séria, para os mercados internacionais. Temos produtos que são capazes de crescer fora de Portugal.

HR: Até porque a facturação externa representa 20%.

Rui Miguel Nabeiro: Sim. O que ainda é pouco. Significa que temos 80% de dependência do mercado português. Já estamos presentes com investimento directo em Espanha, França, Luxemburgo e em Angola, o resto é tudo exportação para 38 países.

HR: Qual a quota de cada mercado com representação directa?

Rui Miguel Nabeiro: Em Espanha facturámos 30 milhões de euros, é um mercado consolidado. Não só temos que crescer nos mercados internacionais como também temos que crescer fora da Península Ibérica, esta é outra das grandes apostas. Fechámos Janeiro com 25% de crescimento em Espanha. França facturou, no ano passado, 1,3 milhões de euros, deverá este ano chegar aos 2 milhões. Luxemburgo arrancou em Dezembro do ano passado, mas temos um primeiro mês muito interessante, podemos superar as expectativas neste mercado.

HR: Qual a estratégia internacional?

Rui Miguel Nabeiro: Passa sobretudo por encontrar parceiros interessantes que nos ajudem a crescer e por outro lado por consolidar os investimentos directos. Vamos, em breve, abrir num país e grande.

HR: Em qual?

Rui Miguel Nabeiro: Estamos muito próximos de revelar. A estratégia passa também por abrir novos países directamente, e passa muito pelos PALOP, pela adaptação cultural.

HR: Então podemos assumir que é num dos PALOP?

Rui Miguel Nabeiro: Ninguém disse isso.

HR: Quais os desafios na gestão global?

Rui Miguel Nabeiro: Temos que pensar cada vez mais de forma global mas sermos capazes de agir localmente de acordo com a cultura e forma de trabalho. É um bocado o act glocal. É pensar global e agir local. Antigamente era muito natural as empresas expatriarem, defendemos que temos que encontrar pessoas locais que nos garantam os resultados que temos de alcançar.

Muitas das vezes nos processos de internacionalização o que falha não é a qualidade do produto, não é a estratégia, nem a táctica que se implementa, são acima de tudo questões culturais que trazem problemas de adaptação e para evitar este tipo de erros nada como ter pessoas locais para ajudar, portanto vamos privilegiar sempre os locais e pontualmente expatriar.

O que se vive no nosso País não é fácil e temos muitos candidatos a quererem ir para estes mercados. Desde o momento, em que comunicámos que estamos no Luxemburgo, as candidaturas internas e externas dispararam.

HR: Quais os melhores e piores momentos da Delta Cafés?

Rui Miguel Nabeiro: Os melhores estão também associados aos piores. Historicamente a Delta tem um momento complicado quando o meu avó vai para Angola comprar café, no pós 25 de Abril, foi preciso encontrar recursos financeiros para poder ir, o meu avó pediu dinheiro a amigos e familiares. A ameaça de poder ficar sem café transformou-se com a ida de risco a Angola – que atravessava um período de guerra – numa oportunidade tremenda, porque passámos a ser os únicos em Portugal no pós 25 de Abril a ter café verde para torrar.

Foi um dos momentos mais complicados que a Delta atravessou e foi superado da forma mais airosa. Há seguramente outro momento, mais recente, quando apareceu a moda do café em cápsulas e a Delta não tinha uma solução. Ainda passámos muito tempo em busca da ideal: Delta Q, que se transformou numa das principais referências da empresa. Obrigando a uma reestruturação e a um investimento cada vez maior em Research & Development e hoje em dia temos uma equipa de Desenvolvimento e Investigação da Diverge Design. Hoje, posso dizer, que somos líderes em Inovação.

HR: No ano passado, em Portugal, 90% do crescimento em facturação foi Delta Q. Como dizia é já o motor da empresa.

Rui Miguel Nabeiro: É motivo de orgulho saber que em quatro anos construímos uma marca, que hoje em dia está praticamente ao nível da marca mãe. Nos últimos estudos está próximo do valor da Delta Cafés e vai ombreando com os grandes players internacionais. Hoje tem que dar um salto também e será seguramente um motor para puxar a empresa a crescer fora de Portugal. É Delta Q que faz com que possamos dizer que vamos crescer.

HR: É licenciado em Gestão e pós-graduado em Marketing e RH pela Católica. Se iniciasse a vida profissional escolheria o mesmo caminho?

Rui Miguel Nabeiro: Sim… se calhar fazia alguns corta-matos com a experiência que tenho. Mas não me arrependo das opções, quer na época de estudante quer já como profissional, penso que dei todos os passos que tinha que dar e cometi os erros que tinha que cometer, parece-me que não é possível aprender sem eles. E a formação tem que ser contínua, as pessoas não podem pensar que tiram uma licenciatura e sabem tudo.

HR: Mas tinha algum sonho de carreira?

Rui Miguel Nabeiro: Quando fiz os testes psicotécnicos ou era gestor ou jornalista. Mas estava mais inclinado para a Gestão, bom, também porque a família tinha esta empresa e eu tinha a oportunidade de pôr em prática, de uma forma muito séria, aquilo que aprendi. E isto ligado a alguma ambição, acabou por ditar a minha opção.

HR: Assim que terminou a licenciatura, como foi o seu percurso?

Rui Miguel Nabeiro: Terminei a universidade em Agosto de 2003, já que tive de fazer alguns exames e em Setembro entrei na Delta. Tive um mês em Campo Maior e logo no início o meu avô planeou uma formação complementar e fui para Madrid, onde estive na Coprocafé, empresa de um grupo alemão. Estive um mês e meio e depois acompanhei-os ao Vietname – onde fazem visitas de compra-, eles vendem café verde mas têm que ir às origens comprar, durante 15 dias assisti ao processo de compra para perceber as questões técnicas e qualitativas do café.

Depois disso estive na Suíça, numa empresa em Wintherthur que se chama Volcafé, outro player da área, a fazer praticamente o mesmo, a aprender toda esta área de Trading durante um mês e meio. Estas duas experiências foram de formação complementar, mas tentei também pôr as mãos na massa e perceber como se trabalha do lado de lá, de quem está a vender café. Logo de seguida estive um mês em Itália numa empresa de máquinas de café, aqui já falamos de café torrado, estive a aprender sobretudo questões mais técnicas, como funcionam as máquinas, como se tira um bom café, a procura do expresso perfeito. Depois regressei para a Delta.

HR: E assume diversas funções.

Rui Miguel Nabeiro: Sim. Entrei no departamento de Marketing, em Campo Maior, durante ano e meio. Para quem tinha estado a viver uma vida inteira em Lisboa, ir morar para o Alentejo profundo não foi fácil, mas o trabalho em si ía-me fazendo esquecer, também chegava tarde e nem me passava pela cabeça sair de casa. Ao final desse ano e meio, o director

Comercial de Lisboa foi convidado a integrar o novo Governo. E na altura, numa reunião discutíamos quem deveria ser o novo director, levantei o dedo e disse que me candidatava, era uma oportunidade de me pôr à prova e de correr alguns riscos. Em Campo Maior tinha a mais-valia de estar junto do centro de decisão e de ter funções de administrador.

HR: Era portanto um downgrade.

Rui Miguel Nabeiro: Mas o desafio era muito grande. Ía para director, gerir pessoas, na altura eram 120 pessoas em Lisboa, com 30 comerciais. Essa foi uma etapa interessante, de muita aprendizagem, de muita rua, que é importante – 80% das nossas vendas, em 2005, eram no canal horeca, tínhamos uma dependência muito grande, e em Lisboa representava uma facturação total da empresa de 20%.

Aprendi muito com a equipa. Tive os primeiros momentos de conflito, mas aprendi a fazer uma boa gestão, a ser mais duro quando se tem que ser, a acarinhar e a reconhecer o mérito aos que o merecem e a abdicar de trabalhar com aqueles que não eram valor acrescentado.

Em Campo Maior tinha o meu pai e o meu avô, a probabilidade de erro era mínima com a experiência deles, já em Lisboa estava sozinho e tive que aprender com os erros, isso foi muito enriquecedor. Fui-me rodeando das pessoas certas, logo um ano depois comecei a trabalhar com a equipa de Inovação no projecto Delta Q. Trabalhámos com parceiros para o desenvolvimento da cápsula actual e de uma máquina de consumo competitiva.

HR: Foi a primeira experiência de desenvolvimento de produto.

Rui Miguel Nabeiro: É verdade. Delta Q era a minha segunda oportunidade, já que a primeira foi de aprendizagem, de demonstrar que era capaz e de construir uma equipa próxima de mim, agora era o momento de lançamento de um produto novo. Depois, Delta Q vai começando a crescer e a verdade é que acabei por ter mais responsabilidades em áreas diferentes, comprámos uma empresa que é a Diverge, que faz sobretudo inovação. Hoje em dia, temos competências para desenvolver de fio a pavio uma máquina, só não a produzimos.

Fiquei também com os mercados internacionais e tenho uma equipa que trabalha todos os produtos não café – gerimos a Tetley; o Vimeiro; o limoncello italiano Villamassa; a Hero; e uma parceria com uma cervejeira com a marca Beck’s.

HR: Qual a área que teve mais gosto trabalhar?

Rui Miguel Nabeiro: Acima de tudo sou um homem de Marketing, apesar de ser um gestor. O Marketing é o cérebro de uma empresa, sendo que normalmente a fábrica é o coração, sem coração e cérebro não funcionamos. Diria que o Marketing é onde todas as áreas se centram, tem a ver com todos os Ps que o senhor Kotler fala. Sou um homem muito orientado para resultados.

HR: E o P de Pessoas?

Rui Miguel Nabeiro: A Gestão das Pessoas passa muito por Marketing, por saber levar as pessoas. E essas pessoas não são só os consumidores são também as pessoas de casa. Os primeiros a estarem envolvidos com qualquer coisa que façamos são os nossos. São essas pessoas essenciais para o desenvolvimento de qualquer negócio. 80% da produtividade vem da motivação, se as pessoas acreditarem no produto, isso motiva-as. As pessoas são críticas em todos os processos, ninguém trabalha sozinho.

HR: Como motiva os colaboradores?

Rui Miguel Nabeiro: Acho que os nossos segredos sempre foram, de facto, as pessoas e o envolvimento com a marca, que é muito grande e advém da relação que têm com a administração da empresa. Há uma gestão de pessoas pela proximidade, isto é uma vantagem enorme, as pessoas quando têm problemas, sejam eles quais forem, a minha porta está aberta, terão sempre tempo de antena.

Por vezes até partilham problemas pessoais, que é o que mais satisfação me dá. E isto resulta na estabilidade no posto de trabalho, o que gera também estabilidade emocional. Mas não a podemos confundir com tranquilidade, tem que haver exigências. Se trabalharmos bem e os resultados aparecerem não há razão nenhuma para ter medo, inclusivamente há oportunidade de progressão na carreira na Delta, e isto faz diferença. Tenho casos de pessoas que promovi, e que não estavam à espera que estivesse atento ao seu trabalho.

HR: Quais as melhores práticas na Delta?

Rui Miguel Nabeiro: É o facto da administração conhecer todas as pessoas pelo nome. Campo Maior é uma terra pequena, conhecemos todas as pessoas, sabemos as dificuldades, pontos fracos e fortes, conhecemos a família. Mas é aqui que está a vantagem, quando há um problema pessoal nós sabemos, e aquilo vai ter um impacto na sua performance profissional e sabemos porquê.

Às vezes enquanto gestores não temos a percepção do que se está a passar na vida do colaborador e esta proximidade facilita muito o dia-a-dia, não leva a julgamentos errados de ninguém. O segredo é tratar os colaboradores como pessoas e não recursos, têm problemas e motivações diferentes.

HR: Que políticas definidas nesta área?

Rui Miguel Nabeiro: Estamos a fazer remodelações no departamento. É importante saber quem são as pessoas que estão a ter uma boa performance, quem são os líderes informais. Temos que ter políticas muito mais sedimentadas, as políticas são críticas sobretudo numa fase de expansão internacional. E como se faz a passagem desta cultura para fora do País?

Estamos a trabalhar de uma forma muito séria na criação de uma cultura organizacional onde isto seja possível, porque isto nem sempre é muito fácil. Estamos agora a deixar de ser um departamento de RH para ser um departamento de Pessoas destacado nas áreas críticas, desde os planos de formação, aos planos de recompensa e de evolução na carreira.

HR: Gostaria de deixar algum conselho aos gestores?

Rui Miguel Nabeiro: Estar próximo das pessoas, deixá-las cometer erros, se cometerem muitos e se for mesmo erro temos um problema, agora penso que estou rodeado de pessoas inteligentes que aprendem com os erros como eu. Também erro, sou igual, tenho é um cargo com mais responsabilidades. O meu conselho é não liderar com policiamento, mas sim com liberdade, responsabilidade e proximidade.

HR: Que características acredita que o fizeram ter sucesso?

Rui Miguel Nabeiro: Para além da vontade de arriscar foi sorte, mas sorte é quando a preparação encontra a oportunidade, e preparo-me bastante antes de tomar decisões, não quer dizer que pondere demasiado, mas tento minimizar os riscos e fazer bem o trabalho de casa. A sorte é uma das características que leva aos resultados que tenho tido até aqui.

HR: Se tivesse que alterar a forma como geriu e foi gerido?

Rui Miguel Nabeiro: Dava-me jeito ter uma varinha mágica e quando escolho alguém para um cargo de responsabilidade ter a certeza que vai cumprir com a minha expectativa. Mas isso não é possível, já errei várias vezes. Aprendi a valorizar, cada vez mais, o que tenho, a deixar crescer e a desenvolver os colaboradores.

Perfil

Nascido a 23 de Janeiro de 1979, Rui Miguel Nabeiro mostrou desde cedo capacidade de liderança e espírito empreendedor.

Concluiu, em 2003, a licenciatura em Gestão na Católica. Enriquecer o currículo e ter uma aprendizagem constante são objectivos que marcam o percurso profissional e pessoal de Rui Miguel Nabeiro, com o Programa de Marketing e Gestão de RH para Executivos – na Católica.

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