Liderança: Os mentores estão a imitar as normas tóxicas do “trabalhador ideal”?

Os mentores devem ver a relação de mentoria como um espaço de trabalho de identidade e não apenas de desenvolvimento de competências. Há práticas que ajudam mentores e mentorados a desafiarem o status quo.

 

Por Rajashi Ghosh e Sanghamitra (Sonai) Chaudhuri, MIT Sloan Management Review

 

Os programas de mentoria são uma ferramenta popular e importante para apoiar os colaboradores no desenvolvimento de competências e progresso profissional. No seu melhor, proporcionam uma forma de os gestores de topo potencializarem colaboradores promissores, por vezes defendendo-os em momentos chave, outras vezes ajudando-os a lidar com os desafios das suas funções.

Mas a mentoria também pode falhar. Os gestores de topo podem acabar por perpetuar normas não inclusivas e prejudiciais de um “trabalhador ideal”, em vez de capacitarem os seus mentorados a desafiar o status quo.

Na nossa investigação sobre relações de mentoria, raramente vemos mentores a usarem os seus papéis para se envolverem num trabalho de identidade que celebra as características únicas dos seus “protegidos”. Em vez disso, os mentores aconselham frequentemente os “protegidos” a “encaixarem” e assimilarem comportamentos tóxicos e culturas de género nas organizações. A mentoria torna-se mais um instrumento de opressão do que de esclarecimento e inclusão.

Eis um exemplo: Latika foi uma mentorada emparelhada com Agnes num programa formal de mentoria da sua organização de serviços financeiros. Agnes subiu nas fileiras através de trabalho árduo e tinha a reputação de líder dura, mas justa. Nas suas primeiras reuniões, Agnes enfatizou os sacrifícios que tinha feito. «Não se pode ficar a meio», afirmou. «Se eles querem que feches negócio durante reuniões que duram toda a noite, faz isso. Se fazer as coisas significa não almoçar, faz isso. Tens de mostrar que o teu trabalho é a coisa mais importante da tua vida.» Agnes explicou a Latika que, como mulher, teria de fazer ainda mais do que um homem para se provar o seu valor.

Apesar de Latika ter apreciado a franqueza de Agnes, ficou desiludida. Perguntou-se se seria realmente impossível para alguém tão bem-sucedido como Agnes desafiar a cultura do excesso de trabalho e da discriminação. Perguntou-se o que significaria seguir as pegadas de Agnes para a sua saúde, bem-estar e equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Perguntou-se se é isso que os mentores fazem – ajudar pessoas como ela a adaptarem-se aos compromissos.

Essa desilusão não é injustificada. Jovens ambiciosos, especialmente mulheres e negros, procuram modelos que sejam pioneiros não só por alcançarem sucesso pessoal, mas também por mudarem culturas pouco saudáveis e injustas para melhor. Procuram formas de sucesso sem se moldarem à definição dos chamados trabalhadores ideais e sem a exigência de limitar a sua expressão de identidade. No caso de Latika, ela perguntou-se porque é que Agnes não questionava as expectativas pouco razoáveis da organização em vez de as seguir para provar o seu valor. Talvez tivesse de o fazer quando se encontrava num nível júnior na carreira, mas tinha-se tornado uma líder reconhecida.

Porque é que ainda jogava segundo as regras deles? A nossa investigação sugere que a mentoria pode ser uma oportunidade perdida se mentores como Agnes vêem estas relações meramente como formas de adaptar os indivíduos acompanhados a estruturas e culturas injustas. Se Agnes não reflecte a sua oportunidade de pôr em causa algumas das expectativas tóxicas da sua organização, torna-se cúmplice na perpetuação de práticas que reforçam as desigualdades de poder entre mulheres – especialmente mulheres negras – e os seus homólogos brancos e masculinos. Em vez disso, se mentores como Agnes pudessem fazer parceria com “protegidos” como Latika para reflectirem colectivamente se seguir cegamente expectativas produz ganhos a curto prazo em termos de uma promoção, mas dificulta resultados a longo prazo no bem-estar e equidade, então as relações de mentoria poderiam tornar-se veículos de mudança.

 

Dicas para os mentores desafiarem o status quo do “trabalhador ideal”. A criação de uma parceria de confiança mútua – uma parceria de respeito e de valorização tanto da vulnerabilidade como dos pontos fortes – depende da medida em que os mentores estão dispostos a ver a relação de mentoria como um espaço de trabalho de identidade, e não apenas de desenvolvimento de competências.

Publicámos recentemente um estudo que descreve como nós as duas, sendo mães académicas imigrantes, vivemos a nossa relação de co-mentoria como um espaço de cura durante a pandemia. Tirando conclusões desse trabalho e da nossa investigação sobre parcerias de co-mentoria, oferecemos algumas dicas concretas para os mentores (formais e informais) ajudarem os mentorados a prosperar. Isto significa por vezes ajudar os indivíduos acompanhados a evitar o escrutínio que as minorias e as mulheres experimentam no seu dia-a-dia de trabalho com base em estereótipos, atribuições negativas e suposta falta de competência – um escrutínio que molda a sua imagem como trabalhadores menos ideais.

 

Redefinir a bitola do sucesso. Os mentores precisam de considerar a imagem do “trabalhador ideal” que a sua organização promove de forma implícita e explícita. É saudável, ou é prejudicial para o bem-estar dos seus “protegidos”? Os mentores têm a oportunidade fundamental de redefinir a retórica muitas vezes dada do tipo de sucesso que recompensa o trabalho ideal à custa do bem-estar. Eles podem alargar a definição de sucesso e incluir noções de compaixão, vulnerabilidade e cuidado. Os nossos estudos recentes confirmam trabalhos anteriores que demonstram que esses cuidados e confiança são inestimáveis para promover uma relação de mentoria de alta qualidade que pode desafiar o status quo nas organizações.

 

Praticar a mutualidade. Os líderes precisam de reconhecer que as relações de mentoria, principalmente aquelas em que o protegido não partilha identidades pessoais, sociais ou organizacionais semelhantes, são inerentemente hierárquicas. Estas dinâmicas relacionais podem inibir os indivíduos acompanhados de trazerem os seus eus autênticos para a relação. A “prática da mutualidade” pode significar ter mentores a desafiarem-se a aprender com os seus “protegidos”, ou a debater como o desequilíbrio de poder na relação pode afectar o mentor. A mentoria oferece aos mentores uma rara oportunidade de aprenderem perspectivas diferentes. Optar por ser mentorado por um colaborador de nível júnior numa relação de mentoria invertida pode prepará-los para a mutualidade na mentoria também.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Dezembro (nº. 144)  da Human Resources, nas bancas.

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