Livro Verde para o Futuro do Trabalho. O essencial das propostas, explicadas por um advogado

O Governo apresentou aos parceiros sociais o Livro Verde para o Futuro do Trabalho, pretendendo, assim, suscitar a reflexão, diagnosticar problemas e orientar a sua discussão pública. Não se espere, por isso, que este Livro Verde aponte soluções, pois se assim fosse seria Branco e não Verde.

Por Gonçalo Pinto Ferreira, sócio da TELLES

 

Este Livro Verde é um reflexo não só dos enormes desafios que enfrentam as relações laborais, mas também das novas realidades que as transformaram. Do teletrabalho às plataformas e nómadas digitais, reconhece-se a necessidade de melhorar a regulação em diferentes dimensões, densificando-as até na legislação. Pela sua relevância e actualidade, sublinhamos, em seguida, algumas das temáticas versadas no Livro Verde.

 

Trabalho à distância e teletrabalho

No contexto do trabalho à distância e teletrabalho, reforça-se a importância de salvaguardar o princípio basilar do acordo entre empregador e trabalhador, para assegurar a voluntariedade das partes na adopção deste modelo de prestação de trabalho. Não obstante, sugere-se igualmente o alargamento do elenco de casos em que o trabalhador tem direito ao teletrabalho, por forma a passar a abranger, nomeadamente, os trabalhadores com deficiência, incapacidade ou doença crónica.

Em complemento, relevou-se, também, a necessidade de afastar o acréscimo de custos do teletrabalho para os trabalhadores, nomeadamente em matéria de instalação, manutenção e pagamento de despesas relativas aos instrumentos de trabalho utilizados.

Foi igualmente salientada a necessidade de estipular normas que salvaguardem a privacidade dos trabalhadores e dos seus agregados familiares, não olvidando, a propósito da protecção dos trabalhadores, a efectivação do cumprimento de regras de segurança e saúde no trabalho, bem como o direito à reparação em caso de acidentes de trabalho, realidades que, no quadro jurídico vigente, carecem de regulamentação.

Por fim, foi proposto que a aplicação do regime de teletrabalho descrito passasse a abranger igualmente os trabalhadores da administração pública, promovendo a sua adopção de modo total ou parcial e numa perspectiva, não só de melhoria das relações e condições de trabalho e conciliação com a vida profissional e familiar, mas também como forma de potenciar a fixação de postos de trabalho fora dos grandes centros urbanos, nomeadamente em regiões de menor densidade populacional.

 

Trabalho em Plataformas Digitais

No que concerne aos trabalhadores em plataformas digitais, que, até agora ainda não foram objecto de regulamentação, encontra-se em destaque no Livro Verde a possibilidade de criação de uma presunção de laboralidade específica.

Pretende-se que esta presunção de laboralidade seja adaptada ao trabalho nas plataformas digitais, para tornar mais clara e efectiva a distinção entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria, sublinhando que a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital

 

Tempos de trabalho, conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e direito à desconexão

Após as reformas legislativas ocorridas no ano de 2019, as quais vieram, entre outras, reforçar a proteção da parentalidade, como uma forma de conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, foi realçado no Livro Verde a necessidade de continuar a evoluir nessa matéria, identificando-se a necessidade de:

  • Efectivar e regular o direito à desconexão ou desligamento profissional;
  • Criar mecanismos de horário mais flexíveis para facilitar a conciliação entre vida profissional, familiar e pessoal;
  • Promover uma cultura, forma e tempos de organização do trabalho que favoreçam o equilíbrio entre a actividade profissional e a vida familiar e pessoal;
  • Reforçar os incentivos à partilha entre homens e mulheres do gozo de licenças parentais e a criação de mecanismos de licença a tempo parcial;
  • Melhorar, em particular, a regulação relativa aos cuidadores informais.

 

Protecção social nas novas formas de prestar trabalho

Como forma de abrigar as novas formas de prestar trabalho, torna-se também essencial adequar o sistema de Segurança Social às particularidades que as mesmas venham trazer.

Para esse efeito, destacou-se a necessidade de:

  • Promover o alargamento da cobertura dos sistemas de protecção social, estimulando a adesão aos sistemas de segurança social de todos os trabalhadores;
  • Simplificar o acesso aos sistemas de protecção social para todas as categorias de trabalhadores;
  • Incentivar a entrada na economia formal dos trabalhadores não declarados ou subdeclarados;
  • Reforçar a protecção social dos trabalhadores em formas atípicas de trabalho, em especial daqueles que se encontram em modalidades cuja atipicidade e risco de precarização é maior, como os trabalhadores das plataformas ou os trabalhadores independentes, em particular com atividade ocasional ou muito intermitente;
  • No caso das plataformas digitais, aprofundar a protecção mesmo nos casos em que não exista contrato de trabalho;
  • Reforçar os direitos e a protecção conferida aos trabalhadores que se encontram na “zona cinzenta” entre trabalho dependente e trabalho independente.

 

Associativismo, representação dos trabalhadores e diálogo social

As novas formas de prestação de trabalham exigem, também no âmbito da negociação coletiva, de uma alteração que permita uma adequada proteção dos interesses das partes. Nessa medida, foram realçadas as seguintes medidas:

  • Alargar a cobertura da negociação coletiva a novas categorias de trabalhadores, incluindo os trabalhadores em regime de outsourcing e aos trabalhadores independentes economicamente dependentes;
  • Estimular a cobertura e o dinamismo da negociação colectiva, através da introdução de incentivos e condições de acesso a apoios e incentivos públicos, financiamento comunitário e contratação pública relativos à existência de contratação colectiva recente;
  • Promover, em articulação com os parceiros sociais, mecanismos para combater o isolamento e a fragmentação que caracterizam muitas das novas formas de prestação de trabalho;
  • Estudar, em articulação com os parceiros sociais, modos de promover a participação e representação dos trabalhadores das formas de trabalho ditas atípicas.

 

Complementarmente, e para a garantia da efectivação das medidas referidas, salienta-se o papel que poderá desempenhar a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

Uma nota final para sublinhar o protagonismo que o Livro Verde pretende já dar a áreas tão importantes como a protecção de dados, a inteligência artificial, a inclusão, igualdade e não discriminação, o aumento das competências e formação profissional e as alterações climáticas, transição energética, recuperação verde e território. São ainda linhas de caráter eminentemente programático, necessitando, por isso, de uma maior concretização e densificação após a sua discussão em sede de concertação social, mas que aqui merecem ser salientadas, pelo que poderão vir a representar na protecção da esfera jurídica dos trabalhadores.

 

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