Mariana Paiva, PLMJ: «É importante tentar transformar e salvar os postos de trabalho e colher os benefícios da IA»

Mariana Paiva, Managing associate da PLMJ Advogados, marcou presença na XXVI Conferência Human Resources, que se realizou ontem, dia 24 de Outubro, no Museu do Oriente, em Lisboa. Na sua intervenção, que teve como mote “Desafio 2024 — pôr as rédeas possíveis no impacto da IA”, identificou sete impactos da inteligência artificial no mercado de trabalho.

Por Margarida Lopes | Fotos NC Produções

 

A Managing associate da PLMJ Advogados mencionou um estudo global da OCDE, publicado em Março de 2023, que avaliou o impacto da inteligência artificial (IA) no local de trabalho e entrevistou cerca de cinco mil trabalhadores e duas mil empresas dos sectores fabril e financeiro. Para a responsável, o inquérito às empresas é, por um lado, «uma fonte valiosa de informação sobre como e porque é que a inteligência artificial é utilizada no local de trabalho. Por outro lado, acaba por captar a experiência na primeira pessoa da utilização da inteligência artificial e as respostas às mudanças que ela provoca.»

Mariana Paiva dividiu o estudo em sete grandes temas:

 

  1. Produtividade e condições de trabalho

O estudo mostrou que 80% de utilizadores de inteligência artificial (IA) afirmaram que a IA melhorou o seu desempenho no trabalho, comparando com 8% de utilizadores de inteligência artificial que afirmaram que piorou. No fundo, o que se concluiu é que a IA, quando utilizada correctamente, pode contribuir para uma maior produtividade das empresas e também para melhores condições de trabalho, explica a Managing associate da PLMJ Advogados.

 

  1. Estabilidade de emprego e salário

Segundo a advogada, «de uma forma geral, este é o tema que maiores preocupações causa aos trabalhadores». Nas empresas que adoptaram inteligência artificial, 20% dos trabalhadores no sector financeiro e 15% dos trabalhadores no sector fabril afirmaram conhecer alguém na empresa que perdeu emprego devido à inteligência artificial. Olhando para o futuro, 19% dos colaboradores no sector financeiro e 14% no sector fabril estão muito ou extremamente preocupados com a perda de emprego nos próximos 10 anos.

Ainda assim, 46% dos trabalhadores do sector financeiro e 50% dos colaboradores do sector fabril não estão de todo preocupados. Nesta parte, a maioria dos empregadores não reportaram qualquer alteração nas empresas devido à inteligência artificial, mas houve mais empregadores que reportaram uma diminuição no emprego do que empregadores que reportaram um aumento no emprego. Trabalhadores e empregadores parecem indicar consistentemente que os empregos e a estabilidade no sector financeiro enfrenta maiores riscos do que no sector fabril. Em ambos os sectores, os trabalhadores têm a convicção de que a IA exercerá uma pressão descendente sobre os salários.

 

  1. Natureza do trabalho

A inteligência artificial resulta numa significativa reorganização de tarefas. Sessenta e seis por cento das empresas no sector financeiro e 72% das empresas no sector fabril referiram que a IA automatizou tarefas repetitivas ou perigosas. Isto pode naturalmente explicar por que razão os utilizadores de inteligência artificial foram tão positivos sobre o impacto da IA no desempenho e nas condições do trabalho.

Metade das empresas afirmaram terem sido criadas novas tarefas. Por outro lado, a IA aumentou o ritmo a que as tarefas são executadas, o que pode explicar o aumento da produtividade, mas há também um aumento da intensidade, e isto pode ser um motivo de preocupação para o futuro. A maioria dos trabalhadores referiu que a inteligência artificial ajudou na tomada de decisões, o que parece ser um aspecto bastante valorizado pelos trabalhadores.

 

  1. Requalificação de competências

«Também nesta matéria, a adopção da inteligência artificial resulta em alterações significativas nas competências dos trabalhadores, obrigando as empresas a investir principalmente em formação», começa por explicar a advogada. Sessenta e quatro por cento das empresas no sector financeiro e 71% das empresas no sector fabril promoveram formação interna. Por sua vez, 53% em ambos os sectores promoveram formação externa

Já 17% das empresas no sector financeiro e 14% das empresas no sector fabril viram-se forçadas a promover despedimentos. Embora a maioria dos trabalhadores não se considere especializada em IA, mais de 70% dos colaboradores afirmam estar muito entusiasmados por aprender mais. Os empregadores referem que a IA aumenta a importância das competências especializadas e indicam que também aumenta a importância das competências humanas e a necessidade de trabalhadores mais qualificados. Para a responsável, isto sugere que «cada vez mais será necessário os colaboradores terem competências mais abrangentes à medida que a inteligência artificial se torna mais omnipresente».

 

  1. Consulta dos trabalhadores

Quarenta e três por cento dos empregadores no sector financeiro e 45% dos empregadores no sector fabril que adoptaram a IA afirmaram ter consultado os trabalhadores ou os seus representantes. Os temas mais abordados nestas consultas são a formação e aquisição de novas competências, e a verdade é que ficou plenamente demonstrado que os locais de trabalho onde os trabalhadores ou os seus representantes são consultados são onde se verificam os impactos mais positivos na produtividade e nas condições de trabalho. «Esta é uma conclusão muito coerente com outras publicações da OCDE que demonstraram que o diálogo directo entre trabalhadores e gestores está sempre associado a um ambiente de trabalho de maior qualidade», faz notar Mariana Paiva.

 

  1. Confiança de empregadores

A maioria dos trabalhadores inquiridos revelaram que confiam nos seus empregadores para tomarem as decisões correctas em matéria de IA, mas ainda há muito a fazer neste domínio. Cinquenta e sete por cento dos trabalhadores apoiam que a IA deve ser proibida de decidir quais os trabalhadores a despedir, enquanto 40% dos trabalhadores apoiam que a IA deve ser proibida de decidir quais os trabalhadores a contratar.

Os trabalhadores revelaram ainda uma grande preocupação na recolha de dados pessoais quando a inteligência artificial é introduzida no local de trabalho. As empresas identificaram as pessoas com deficiência como um grupo que pode beneficiar da inteligência artificial, e, pelo contrário, os trabalhadores mais velhos ou aqueles com menores qualificações são o grupo de trabalhadores que poderão ser mais prejudicados.

 

  1. Obstáculos à introdução da IA

O estudo concluiu que os dois maiores obstáculos à introdução da IA são os custos e a falta de competências. Apenas 20 a 25% dos empregadores consideram a ausência de regulamentação como um obstáculo à introdução de inteligência artificial.

 

Mariana Paiva destacou ainda que «a legislação laboral é bastante rígida, e a experiência mostra que ainda vamos esperar algum tempo até alcançarmos uma maior flexibilização das leis laborais, mas o impacto da inteligência artificial está aí e já chegou a muitas empresas, e é neste panorama legislativo que temos de nos mover».

Neste contexto, a advogada defende que as empresas devem garantir que a IA é utilizada de forma responsável e fiável no local de trabalho. É também necessário permitir que trabalhadores e empregadores escolham os benefícios da IA e se adaptem, nomeadamente mediante formação e diálogo social. «Mais do que substituir os postos de trabalho, a IA está a mudá-los, quer em termos de funções, quer em termos de competências.»

 

A Managing associate da PLMJ Advogados acredita que, para as empresas assumirem as rédeas do impacto da IA, o caminho passa por:

  1. Antecipar necessidades;
  2. Actualizar descritivos funcionais para torná-los cada vez mais abrangentes;
  3. Criar novos postos de trabalho;
  4. Identificar as necessidades de formação e adaptar os planos tendo em vista os planos de reconversão profissional dos trabalhadores;
  5. Apostar na comunicação com os trabalhadores ou os seus representantes;
  6. Preparar regulamentos e códigos de ética para um uso responsável da inteligência artificial no ambiente de trabalho.

 

Mariana Paiva alertou que, embora existam benefícios potenciais, também existem riscos significativos para o emprego. «Neste estudo da OCDE, as empresas confirmaram que uma das principais motivações para investir em inteligência artificial será melhorar o desempenho dos colaboradores e, em consequência, a produtividade das empresas. Mas também existe um grande objectivo, que é reduzir os custos com o pessoal, por isso, é provável que a inteligência artificial vá também resultar em muitas reestruturações e despedimentos.»

E salientou estar já previsto na legislação laboral um despedimento por extinção de posto de trabalho ou despedimento colectivo por motivos tecnológicos quando existem alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, controlo ou movimentação de cargas, bem como informatização de serviços e de meios de comunicação. A advogada terminou dizendo que, apesar disso, «é importante tentar transformar e salvar os postos de trabalho e colher os benefícios da inteligência artificial».

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