
Não é “se”, é “quando” vamos precisar de novas competências (e “como” adquiri-las)
A garantia de cinco milhões de euros do Fundo Europeu de Investimento à Code for All_ vai permitir, nos próximos quatro anos, o reskilling e o upskilling de todos os profissionais que quiserem apostar no seu futuro profissional.
Por Tânia Reis
O Fundo Europeu de Investimento (FEI), que integra o Grupo Banco Europeu de Investimento (BEI), e a Quotanda, empresa financeira na área da educação, concederam uma garantia de 10,2 milhões de euros para melhorar as competências digitais e de gestão em Portugal, Espanha e Alemanha, países que representam mercados relevantes para a requalificação profissional e uma procura crescente de competências digitais e de gestão.
Em território nacional, a Code For All_ é a única escola 100% portuguesa a integrar este programa, beneficiando de uma garantia de quatro milhões de euros para apoiar a formação de alunos em cursos de reconversão de carreira. Para João Magalhães, CEO da Code for All_, este reconhecimento internacional, além do «grande sentimento de orgulho e responsabilidade», é uma prova da qualidade e relevância do trabalho que têm vindo a desenvolver e reforça a capacidade de gerar valor e impacto positivo no mercado de trabalho português. «Em última análise, contribui para a democratização do acesso à educação tecnológica, abrindo portas para quem deseja requalificar-se ou actualizar-se num mundo cada vez mais digital.»
Na prática, este mecanismo permite aos estudantes ingressarem nas formações da Code For All_ sem investimento inicial, com a possibilidade de pagarem as propinas de forma faseada até quatro anos. «Dessa forma, reduzimos de forma substancial as barreiras financeiras tradicionalmente associadas à formação em áreas tecnológicas e incentivamos um maior número de pessoas a adquirir competências em Programação, Cibersegurança e Inteligência Artificial (IA).»
Para já, o principal objectivo é permitir que mais de 1000 alunos se formem nos bootcamps de reconversão ao longo dos próximos quatro anos, aproveitando as condições de financiamento agora disponíveis, explica o responsável, número ambicioso, mas que acredita «poder ser superado, sobretudo se forem criadas sinergias com outras soluções de financiamento existentes e com o retorno natural proveniente da empregabilidade dos primeiros formandos».
Outra meta é reforçar o impacto qualitativo da iniciativa, ou seja, «garantir que cada vez mais profissionais se requalifiquem em áreas de crescente procura, como Programação, Cibersegurança ou Inteligência Artificial, contribuindo assim para um ecossistema tecnológico mais sólido em Portugal». E, apesar de o programa ter tido início há pouco tempo, já contam com mais de 40 alunos que aderiram a esta modalidade de financiamento. «Estes primeiros números são muito encorajadores», partilha, e, nos próximos quatro anos, é objectivo «contribuir para a criação de novas oportunidades de carreira e o fortalecimento do ecossistema tecnológico em Portugal».
Como funciona
O programa está aberto a qualquer pessoa que pretenda dar um salto na sua carreira, tendo a Code For All_ identificado dois perfis mais comuns.
Por um lado, profissionais que procuram mudar de área e encontrar maior estabilidade, «que actuam em sectores mais instáveis ou que não oferecem grande perspectiva de progressão, como a hotelaria, o retalho ou mesmo áreas como a arquitectura, a fisioterapia ou a economia». Geralmente, estes profissionais sentem que as suas actuais funções não são suficientemente valorizadas ou que o mercado não lhes oferece oportunidades de evolução, encontrando na Programação ou na Cibersegurança uma via para reconverterem a sua carreira e entrarem num sector com maior potencial de crescimento e estabilidade, complementa João Magalhães.
Por outro lado, os profissionais que já estão na área tecnológica, mas pretendem evoluir. «Este grupo inclui técnicos de sistemas ou profissionais que já trabalham em TI, mas que desejam aprofundar conhecimentos e especializar-se, sobretudo em áreas de elevada procura como a Cibersegurança.»
Em ambos os casos, «o ponto comum é a ambição de melhorar o seu futuro profissional, aproveitando as oportunidades que surgem num mercado de trabalho em rápida transformação tecnológica».
O processo foi concebido para ser o mais simples e acessível possível aos alunos, explica o CEO. Para quem não dispõe de poupanças suficientes, é possível ingressar nos bootcamps de mais de 500 horas de formação especializada sem ter de pagar um valor de entrada, ou seja, sem investimento inicial. A partir do momento em que começam a formação, os alunos podem optar por um plano de pagamentos até 48 meses, de cerca de 160 euros por mês, para cobrir o valor total do curso. «Assim, as propinas vão sendo pagas de forma equilibrada ao longo de quatro anos, facilitando a gestão financeira individual e tornando o acesso à formação tecnologicamente avançada mais inclusivo.» Para quem já tem poupanças ou deseja apenas complementar parte da propina, «a garantia do FEI também permite financiar apenas a fracção em falta, ajustando a mensalidade consoante o valor que o aluno queira ou possa investir inicialmente».
O processo de selecção, «intencionalmente rigoroso», assenta em dois grandes pilares. Um passa pela avaliação MIT – Máquina Identificadora de Talento, uma solução de machine learning, «desenvolvida in-house», que recorre a algoritmos de inteligência artificial e machine learning para aplicar e corrigir exercícios de raciocínio lógico e competências básicas em programação. Segundo João Magalhães, ajuda a «identificar o potencial de cada candidato para prosperar numa carreira tecnológica, contribuindo para um melhor alinhamento entre o candidato e o curso». Após a fase de exercícios, há uma entrevista conduzida pela equipa de admissões e pela quipa pedagógica. «Este contacto directo permite-nos conhecer a motivação, a capacidade de aprendizagem e as competências interpessoais do candidato, validando se terá o perfil certo para enfrentar os desafios intensivos de um bootcamp.»
Com estes dois factores — tecnologia e factor humano —, João Magalhães assegura que «é possível garantir que cada pessoa que entra no programa tem as melhores condições para desenvolver uma carreira de sucesso na área tech».
Competências mais necessárias (e escassas)
Com as estimativas do Fórum Económico Mundial (FEM) a indicarem que, até 2030, cerca de mil milhões de pessoas em todo o mundo poderão ter de mudar de ocupação devido à disrupção tecnológica, e que dois quintos (39%) das competências actuais dos colaboradores serão transformadas ou ficarão desactualizadas, o responsável defende que o reskilling é a forma mais rápida e concreta de ajudar profissionais a dar uma volta de 180 graus na sua vida profissional. «Saem de áreas que se estão a tornar obsoletas ou estagnadas e abraçam oportunidades em sectores em franco crescimento, como o da tecnologia.» Nesse sentido, a aposta da Code for All_ nesse tipo de formação «permitirá manter as pessoas e as empresas competitivas num mundo em constante mudança».
Até porque, à velocidade a que a tecnologia avança, o gestor está convicto de que a única alternativa é apostar em formação contínua. «Quer se trate de reskilling ou de upskilling, o objectivo é o mesmo: evitar a obsolescência profissional e maximizar as oportunidades de crescimento.» E exemplifica com a revolução causada pela inteligência artificial, que, «além de criar funções, exige uma compreensão prática de como aplicar algoritmos e soluções em sectores que vão do retalho ao jurídico».
O FEM refere ainda que cerca de 59% dos trabalhadores precisarão de requalificação, com as competências em redes e cibersegurança a ocuparem um lugar de destaque nesse processo. «Para quem quer avançar na carreira e manter-se competitivo, a verdade é simples: não há outra via senão evoluir. A grande questão deixou de ser “se” vamos precisar de novas competências, mas sim “quando” e “como” vamos adquiri-las.» É aqui que entram formações intensivas e orientadas para o mercado, capazes de fazer a ponte entre o estado actual do profissional e a realidade tecnológica que está a moldar o futuro do trabalho, reforça.
Entre as competências mais em falta no actual mercado de trabalho, João Magalhães considera que, do ponto de vista das hard skills, ainda existe um défice generalizado de literacia digital e pensamento computacional na população. «Competências de Programação, Cibersegurança ou Análise de Dados continuam a ser muito procuradas, e agora a capacidade de desmistificar e utilizar inteligência artificial — como, por exemplo, saber integrar ferramentas de IA nos fluxos de trabalho do dia-a-dia ou aplicá-las em sectores específicos — está a tornar-se cada vez mais relevante.»
Contudo, salienta que o ritmo acelerado de inovação também impacta a importância das soft skills. «A capacidade de aprender de forma contínua, de adaptar-se rapidamente a novas tecnologias e de colaborar com equipas multidisciplinares são qualidades que distinguem os profissionais em qualquer sector.» Com a inteligência artificial a automatizar muitas tarefas repetitivas, confirma que serão cada vez mais valorizados atributos humanos como pensamento crítico, empatia e comunicação eficaz.
A seu ver, tanto a experiência no terreno como o feedback do mercado indicam que as áreas de Cibersegurança e Inteligência Artificial vão assumir cada vez mais importância no futuro. No caso da primeira, à medida que as empresas intensificam a sua presença digital, a segurança dos sistemas e dos dados torna-se crítica. «Os ataques informáticos e as vulnerabilidades tecnológicas têm destaque crescente na esfera pública, aumentando a procura por especialistas capazes de prevenir e mitigar riscos» e criando oportunidades profissionais.
Quanto à segunda área, refere que a adopção de IA nas empresas é cada vez mais transversal e acelerada, e é uma área que exige não só competências técnicas de desenvolvimento e aplicação de algoritmos, mas também um entendimento prático das suas implicações no negócio ou no sector onde é aplicada. «Muitas empresas já aplicam e usam IA, mas ainda sem conhecimento sobre como retirar a praticidade das ferramentas e como estar a par e reconhecer os riscos inerentes ao uso.» E embora existam inúmeros cursos assíncronos e teóricos, sente que a procura se concentra em formações práticas e síncronas, onde «a presença de formadores e de exercícios em tempo real faz toda a diferença na rápida aquisição de competências aplicáveis ao dia-a-dia profissional».
Apesar deste foco crescente em Cibersegurança e IA, realça que a formação em programação full-stack continua a ser uma base muito procurada, tanto por quem quer dar os primeiros passos na área tecnológica como por quem pretende solidificar competências de forma transversal.
Consequentemente, destaca que esta iniciativa irá democratizar o acesso à educação, sem investimentos iniciais elevados. «Isto viabiliza a reconversão de carreiras em perfis que, de outra forma, nunca sonhariam estudar Programação ou Cibersegurança», exemplificando casos de profissionais que trabalhavam na construção civil e hoje estão empregados em empresas de referência no sector tecnológico.
O impacto para as empresas é igualmente significativo. «Os talentos que passam por um processo de reskilling trazem consigo experiências e competências de outros sectores, enriquecendo as equipas tecnológicas com maior diversidade de perspectivas e abordagens. A dinâmica e a criatividade dentro das equipas beneficiam muito desta mistura de backgrounds, tornando-as mais ágeis e adaptáveis perante os desafios da transformação digital.»
Em última análise, João Magalhães refere que esta iniciativa é um passo importante para aumentar a competitividade de Portugal no panorama tecnológico. «Ao criarmos condições financeiras mais justas e inclusivas, ampliamos o número de profissionais capazes de responder às exigências crescentes do mercado e, simultaneamente, ajudamos as empresas a inovar e a diferenciar-se.» Nesse sentido, «a Code For All_ pretende continuar a ser parte activa desta evolução, promovendo oportunidades de crescimento que impactem não apenas o universo tech, mas toda a sociedade».
Este artigo foi publicado na edição de Março (nº. 171) da Human Resources, nas bancas.
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