Nelson Pires, director-geral da Jaba Recordati: «O factor breakthrough das organizações são as pessoas»
«As organizações querem pessoas invulgares, que vão para além do que é esperado e dêem EQQC: Ética, Quantidade, Qualididade e Clienteling.»
Por Nelson Pires, director-geral da Jaba Recordati Portugal; e administrador da Recordati UK / Recordati Irlanda
«10 anos parece pouco tempo, mas foi uma eternidade no mundo da Gestão de Pessoas. Se há 10 anos estávamos a discutir o que era melhor para as organizações, gestores ou líderes, e a iniciar uma forma de comunicar omni-channel, agora fomos empurrados para uma forma de comunicar Smart Channel (isto é, utilizar a tecnologia em nosso benefício, de forma inteligente, “one-to-one” e não massiva).
O mundo era humano, com um toque digital, e continua a sê-lo, mas cada vez mais digital. Ou seja, falamos provavelmente do momento mais integrativo entre digital e humano, em que um não funciona sem o outro. Mesmo integrando a inteligência artificial (IA) como poderosa ferramenta de consolidação da informação.
Mas ainda não é o momento exclusivo da tecnologia e do digital, nem este irá excluir o humano do trade-off social e económico que se verifica. A era pós-COVID, será a 3.ª revolução, depois da industrial e tecnológica, a era da revolução laboral.
Para aferirmos as diferenças, importa relembrar que há 10 anos vivíamos na era da sociedade global gerada pela conectividade. Actualmente, vivemos na era da integração desses mesmos dados com o big data crunch que os transformam em informação útil . Vivíamos na era da criação, em que os empreendedores tinham sucesso.
Actualmente, vivemos na era da co-criação, em que a gestão de projecto se tornou real. Os cidadãos e as organizações compreenderam que é mais rápido e rentável unirem-se (mesmo que aos seus competidores), para desenvolverem ideias, produtos e tudo aquilo que o conhecimento permitir. Vivíamos em organizações flexivelmente hierarquizadas e rigorosas, agora vivemos menos em hierarquias definidas e mais em projectos – no inglesismo – “smart”, em que não é o chefe que lidera mas o mais competente para aquele projecto especifico.
Vivíamos no tempo do bem material, do sucesso individual e do worklife balance, e agora vivemos na cultura da conveniência, em que o tempo se tornou o bem mais precioso de todos. Logo, toda a nossa vida e das organizações se tornou conveniente. Comprar online com entrega em casa, ver o saldo bancário no telemóvel, receber o resultado do meu clube de futebol na hora e no telemóvel…
Vivíamos numa sociedade em que ter 70 anos era ser-se velho, agora vivemos numa sociedade sem idade, com a emergência de uma nova geração: os perennials. O aumento da esperança média de vida criou uma cultura de longevidade de cidadãos, mas uma jovem “velhice”.
Vivíamos um mundo muito mais social e comunitário, em que comecávamos a falar de responsabilidade social; agora vivemos num mundo de preocupação individual com o bem estar pessoal, preocupados com o “me”. Em que o “eu” se tornou o elemento mais importante nas vidas dos cidadãos. As preocupações com os meus desejos, a minha imagem, as minhas vontades e aspirações, são muito mais importantes do que o colectivo.
Mas os cidadãos estão preocupados com o futuro do mundo, com o “we”! Daí as inúmeras iniciativas de respeito pelo meio ambiente, as preocupações sociais, o voluntariado, o respeito pela igualdade do género. Ou seja, um mundo “we me” assimilado de forma natural.
Em suma, vivemos num mundo que tenta construir um novo modelo de contrato social, em que o paradigma mudou. Daí que a forma de liderar as pessoas se tenha alterado forçosamente. Porque as pessoas, as comunidades e as sociedades mudaram. Mas continua a ser o elemento fundamental de gestão da organização. E porquê “as pessoas” como o factor crítico de sucesso, quando existem outros factores relevantes na organização?
Quando gerimos uma empresa, gerimos dois factores: tempo dos colaboradores e recursos financeiros da companhia. Esta gestão dos recursos pode ser feita em três dimensões, o acrónimo PPP:
– Produtos, que acrescentam valor aos cidadãos que os consomem;
– Processos inovadores, que acrescentem valor nas funções e tarefas existentes;
– Portanto, temos produtos, temos processos, mas existe um terceiro “P”, que é crucial, porque bons produtos com eficientes processos mas trabalhados por pessoas sem qualidade, não resultam. As Pessoas são o elemento crítico de sucesso na organização que mais influencia o seu sucesso. Gerir o seu tempo, com o objectivo de aumentar a sua produtividade, torna-se portanto uma das ferramentas estratégicas de gestão da companhia, pois torna eficiente o “tempo das pessoas em trabalho”.
Em suma, ao líder cabe exactamente esse papel, “conseguir o máximo resultado das pessoas no seu trabalho e fazer com que cada um goste de o fazer e se sinta motivado”. O objectivo é o mesmo que há 10 anos, a forma de o conseguir é que o mudou. Até porque as organizações passaram a ser mais inteligentes na maneira como usam a hierarquia na liderança de equipas que cada vez são mais remotas, promovendo a autonomia e a diversidade facilitando a coordenação, promovendo a gestão de projectos, mas não criando entropias no processo de decisão.
Trata-se de um líder que promove a autonomia, mas de proximidade, que estimule a cultura corporativa e o employer (e customer) branding. Que comunique de forma simples, mas regular e eficaz. Que crie metodologias e recursos de reporte inovadores e abrangentes, dado que o trabalho “samrt remoto” passará a ser uma constante. E com esta mudança radical no mundo do trabalho, mudam as formas de contratar, que serão mais flexibilizadas e “franchizadas”; as remunerações mais variáveis; a rede de segurança social tem de se tornar mais estável; o local de trabalho mais indefinido; as hierarquias menos rígidas e mais “achatadas”; os KPIs de avaliação mais eficientes; a origem do capital continuará global; a mobilidade será uma constante; as empresas serão mais locais e regionais; as funções serão mais virtualizadas e digitalizadas; ir-se-ão valorizar ainda mais cartacterísticas e soft skills como a resiliência, empatia e adaptabilidade, enquanto as hard-skills se tornarão comodities; o processo de recrutamento será mais baseado em assessment centers em lugar de entrevistas (de forma a poder avaliar as soft skills); reduzir-se-á o assédio e o bullying; as remunerações serão mais transparentes!
Mas se tudo muda, também muda o perfil dos colaboradores dessas mesmas organizações. Vão passar a querer “EQQC”. As organizações não querem colaboradores responsáveis, querem cidadãos accountable. As organizações vivem de produtos, pessoas e processos. Querem produtos únicos, mas que demoram muito tempo a desenvolver e milhões a conceber. Processos que podem ser inovados e melhorados. Mas o factor breakthrough das organizações são as pessoas. As organizações querem pessoas invulgares, que vão para além do que é esperado e dêem EQQC: Ética nos negócios, Quantidade de trabalho , Qualidade de trabalho e Clienteling. Ou seja, o que se pretende é:
-Ética: não queremos empregados mas cidadãos, pessoas que se comportem num ambiente microsocial equilibrado que é a empresa, e que tenham um comportamento ético nos negócios;
-Quantidade: pessoas trabalhadoras e esforçadas, que trabalhem quando necessário, para além do job profile, quando e necessário e de acordo com o projecto e objectivo a atingir. Mas certamente mais que os competidores;
-Qualidade: não basta fazer o que se espera, o que está descrito no job profile e atingir o objectivo. E necessário impressionar e surpreender, fazer para além do que se lhe pede, ser pró-activo, melhorar a função e o projecto, com iniciativa e eficiência. Ser melhor hoje, do que ontem. E o segundo é o primeiro dos últimos;
– Clienteling: Que saibam seleccionar os clientes e criar o seu storytelling de acordo com o posicionamento do nosso produto, de forma a proporcionar experiências irrepetíveis aos clientes. Mas sempre encontrando a solução adequada a cada um, de forma a acrescentar valor ao cidadão, à sociedade e à organização.
Em suma, um admirável mundo novo, acelerado por um vírus que ninguém conhece e sequer consegue ver. Mas que certamente ditará o mundo no futuro. Até porque a única certeza que temos, é que tudo muda, nada é imutável! “Mas quando uns choram, há sempre quem venda lenços de papel”, por norma, os mais sortudos (que são aqueles em que a oportunidade encontra a preparação).»