Dia do Advogado: O que sentem os profissionais sobre os desafios que se colocam à profissão?
Foi precisamente esta a questão que serviu de mote ao desafio lançado aos profissionais da lei da Abreu Advogados, da Carlos Pinto de Abreu e Associados, da Antas da Cunha Ecija, do Grupo Ageas Portugal e da Morais Leitão, para que nos transmitissem o seu testemunho sobre o papel do advogado hoje em dia.
Por Sandra M. Pinto
A 19 de Maio de 1992 comemorou-se, pela primeira vez em Portugal o Dia do Advogado, Dia de Santo Ivo. Mas quem era Ivo? Partilhemos então um pouco de história. Ives Hélory, foi juiz, padre e advogado. Nasceu a 17 de Outubro de 1253, na Bretanha. Filho de uma família da pequena nobreza rural, estudou na Sorbonne onde, entre outros, teve como professores S. Tomás de Aquino e Alberto Magno. Aí mereceu o título de Mestre em artes que o autorizaram a ensinar. Posteriormente foi para a universidade de Orléans, onde realizou os estudos de direito canónico e civil. É nessa época que nasce a sua fama de homem piedoso e compassivo, que informava gratuitamente os pobres e os mais desfavorecidos, as viúvas, órfãos, suportando do seu próprio bolso as causas daqueles. O exercício da magistratura não impediu Ivo de ser ordenado sacerdote em Tréguier. Renunciou a diversos cargos oficiais, assumindo apenas a paróquia de Louannez e a defesa, como advogado e nos Tribunais, dos pobres e inválidos. De juiz, não raro, transformava-se em advogado das partes, quando estas eram viúvas ou órfãos, ou pobres que antagonistas poderosos queriam prejudicar ou espoliar. Como seu patrono , ainda lhes fornecia o dinheiro necessário ao pagamento das custas dos processos que eram obrigados a pagar para a recuperação dos seus direitos e bens. Morreu com 50 anos de idade, em 1303, dando origem a uma extensa devoção popular face à vida exemplar que levou.
Carlos Pinto de Abreu, advogado na Carlos Pinto de Abreu e Associados
Dez mandamentos do exercício da Advocacia – O decálogo do Advogado
I. Não responderás a nenhum senhor e, com total autonomia e independência, só cumprirás os ditames da tua consciência, de acordo com a lei justa e o interesse do cliente que te confiou a sua liberdade, o seu património ou a sua honra, enfim a sua vida.
II. Não te submeterás ao próximo ou ao poderoso, nem que ele seja o teu melhor amigo ou o teu cliente, sobretudo quando te peçam para responsabilizar a vítima, culpar o inocente ou violar a lei; nem muito menos temerás o juiz ou o procurador, pois que devem ser eles a mostrar reverência pela tua seriedade, paciência, empenho, capacidade de trabalho e domínio do caso confiado.
III. Não trabalharás apenas quando tal te for necessário, agradável ou compensador, mas sempre que puderes pacificar o conflito ou restituir a liberdade a quem a perdeu imerecidamente, a dignidade ou o respeito a quem lhe foi negado o mínimo e a casa ou o pão a quem tal lhe foi injustamente retirado ou restringido.
IV. Não te limitarás a ser um técnico, porque se assim for serás um péssimo advogado; tens que ser Homem ou Mulher de princípios e valores, respeitar a tua Família ao menos ao ponto de não a negligenciares, e abrir os teus horizontes ao Outro, à Cultura e às Civilizações, porque só conhecendo as virtudes e os vícios da sociedade poderás melhor compreender as razões da maldade ou da bondade do ser humano.
V. Não desrespeitarás nunca o que há de mais sagrado no ser humano, desde logo a sua vida, mas, também, a sua dignidade, a sua condição de ser livre, os seus direitos fundamentais e naturais e a sua pluralidade de pensamento, liberdade de expressão e diversidade na acção.
VI. Não cometerás adultério aos teus juramentos de respeito pela lei justa, de fidelidade à justiça no direito, de fidedignidade aos interesses do representado, de lealdade para com os colegas e de salvaguarda absoluta do segredo do que te for relatado.
VII. Não abusarás da fragilidade quer dos que a ti recorrem quer daqueles contra quem litigas; agirás sempre com lealdade e frontalidade, mesmo que ainda assim não atinjas os objectivos imediatos a que te propunhas e até aches justos, pois que nem todos os fins justificam os meios; o que não impede que sejas frontal e corajoso e lutes com bravura pela vitória.
VIII. Não usarás da mentira, do erro, ou do engano, nem pactuarás com expedientes menos sérios; agirás sempre com rigor e verdade, ainda que realces apenas as verdades que beneficiem o teu cliente; e fá-lo-ás sempre com rigor, contenção e parcimónia não extravasando do foro ou do patrocínio, pois que o advogado não é nem arauto, nem político, empresário, jornalista ou actor.
IX. Não misturarás a tua missão com outros interesses que não os da justiça ou com outros negócios que não os da defesa do teu cliente; se és advogado não és empresário, negociante ou patrão; serás sempre livre e disponível e só verás outro advogado como teu colega e não como subordinado.
X. Não cobiçarás mais do que a igualdade de todos os cidadãos, a justiça de todas as decisões e a equidade no exercício de todos os poderes; sobretudo não cobiçarás o que não te pertence, pois que, enquanto advogado, na cobrança não és credor, no negócio não és comissionista, na sociedade não és sócio nem quinhoas nos lucros e na partilha não és herdeiro.
João Carlos Teixeira, advogado e sócio da Antas da Cunha Ecija
O advogado teve, tem e terá, assim esteja à altura dos desafios que o futuro coloca a todas as profissões, sobretudo às de recorte clássico, um papel social absolutamente decisivo. O advogado é o garante do respeito dos direitos de todas as pessoas, individuais e colectivas. Sem advogados não há justiça e sem justiça não há nem pode haver respeito pela dignidade dos indivíduos. O advogado é aquele que procura que o direito seja aplicado ao caso concreto e, desta forma, atingida a realização da justiça. Esta função social do advogado nunca mudará, mudem-se os tempos e as vontades. O advogado que aconselha, que sugere, que traça o caminho, que define a estratégia, nunca deixará de existir. Aliás, os tempos actuais apenas confirmam a importância do advogado, em tempos de incerteza e em que os direitos são muitas vezes postergados em nome de outros valores. Apesar dos brutais avanços tecnológicos que se vivem e que se avizinham, com a transformação radical da forma como se aplica a justiça, quer nos tribunais quer noutras instâncias, a relevância social do advogado nunca deixará de ser essencial. As novas ferramentas informáticas alteram e alterarão, seguramente, o paradigma da administração da justiça mas o que se pretende é que a mesma seja mais certa, segura e rápida. E, nessa administração, o advogado ocupará sempre papel central, contribuindo no âmbito do relacionamento interdisciplinar com outras profissões que tanta falta fazem à advocacia moderna e que respondam às necessidades actuais das pessoas.
Inês Sequeira Mendes, Managing Partner da Abreu Advogados
A advocacia, nas suas várias vertentes, é um pilar fundamental do Estado de Direito e constitui um garante da democracia, contribuindo diariamente para uma justiça mais robusta e independente, na defesa intransigente dos direitos, liberdades e garantias. O papel do advogado extravasa a mera prestação de serviços jurídicos e tem uma importante vertente humana e, por isso, também social, materializada no contacto com os seus clientes, na defesa dos seus direitos e na promoção do acesso universal à justiça, um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa e em instrumentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Os advogados são agentes e promotores da justiça e estão na primeira linha da defesa da dignidade humana e da inalienabilidade dos seus direitos. Há que nunca perder de vista esta especial responsabilidade que recai sobre cada um num contexto que é cada vez mais desafiante. Diria que os principais desafios da profissão se relacionam, por um lado, com a necessidade de garantir a existência de condições para que todos a possam exercer de uma forma independente, com responsabilidade ética e social, e, por outro, com a adaptação às mudanças aceleradas em curso no mundo contemporâneo.
A esse título, destacaria a transformação digital e o crescente recurso à tecnologia que, sendo certo que permitem uma maior eficiência, não só não devem afastar o advogado da atenção personalizada às pessoas individuais e coletivas que recorrem aos seus serviços, como implicam um cuidado redobrado na defesa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Concluo sublinhando o papel importante que cada advogado pode assumir na promoção de um sector cada vez mais responsável socialmente, empenhado na construção de um futuro mais sustentável e justo para todos.
Bruno Caeiro, responsável da Assessoria Jurídica do Grupo Ageas Portugal
O reforço da importância dos responsáveis jurídicos nas empresas resulta da realização por estas da vantagem de dispor internamente de elementos com a capacidade de conciliar de forma mais adequada o risco legal com as necessidades do negócio.
Os departamentos jurídicos são, por isso, cada vez mais considerados no ciclo de vida do desenvolvimento da atividade das empresas, sendo-lhes exigido uma colaboração cada vez mais estreita com as áreas de negócio e, por conseguinte, uma comunicação clara e com contributo para a solução.
Algo que se torna ainda mais desafiante nos dias de hoje em que as necessidades de trabalhar mais, mais rápido e melhor se fazem sentir com maior intensidade, levando a que os responsáveis das áreas jurídicas devam repensar o modo de prestar o seu apoio para atingir maiores ganhos de eficiência e impacto positivo nas organizações.”
Gonçalo Rosas, associado principal da Morais Leitão
A advocacia tem, em primeira linha, uma vocação reativa: uma pessoa que seja confrontada com um problema de natureza legal, procura um advogado para o resolver. No entanto, o papel do advogado enquanto actor da justiça não se esgota aí. Muito pelo contrário: é na prevenção de um problema, na sua antecipação, que o advogado tem, provavelmente, um papel mais importante. O advogado está, a este respeito, numa posição única, porque tem uma visão macro (do sistema legal) e micro (do problema em concreto) para aconselhar o seu cliente sobre a melhor forma como resolver o seu problema. Frequentemente, esse aconselhamento não se limita a temas estritamente legais. Há que asserenar ímpetos, evitar precipitações ou pressas que levem a arrependimentos.
Nos tempos que correm, o sistema de justiça é complexo, de acesso nem sempre fácil e de resposta demorada, o que coloca um especial desafio não só aos advogados, mas a todos os que trabalham na justiça. É neste contexto que o papel de mediação do advogado assume especial relevância. A prevenção é essencial, porque – em primeiro lugar – resolve um problema antes dele se verificar, aliviando assim o sistema de justiça, mas também porque poupa custos e recursos, que de outra forma seriam gastos na resolução do litígio.
Este papel de mediação é cada vez mais exigente. Por um lado, porque a legislação avoluma-se e complexifica-se, porventura tornando-se menos acessível ao cidadão comum e, por outro, porque as organizações e os potenciais problemas também se têm complexificado. A necessidade de actualização, de acompanhamento dos clientes, de novos métodos de trabalho e de comunicação que, afinal, sempre foi uma exigência da profissão, é agora ainda mais premente num momento em que se assiste a uma acelerada transição tecnológica e social