O Clínico Geral e o Líder

Por Isabel Moisés, directora executiva de Recursos Humanos do Grupo Secil

Há muito que reflito sobre a ausência de conhecimento especializado que os gestores têm da variável Pessoa e, como esse dado, do meu ponto de vista, prejudica determinantemente a sua ação eficiente no papel de Líderes.

Senão vejamos, a grande maioria dos líderes que ocupa cargos de gestão no mundo empresarial tem uma formação base académica (teórica/prática) de cerca de 3/4/5/6 anos, em que estudaram, treinaram e se focaram em  conhecer a origem, fundamentos teóricos, relação, comportamentos e efeitos da ação de um conjunto de variáveis e elementos, bem como os resultados que produzem conforme os vários ecossistemas e contextos específicos.

Pensando na origem latina da palavra gestão, que começou como “gestio” e que tem uma ligação magnifica à palavra “gestação” que é o processo de cuidar, nutrir e preparar um organismo até que ele se torne formado o suficiente para sobreviver no mundo por conta própria, mas focando na utilização do termo no mundo empresarial, podemos dizer que a gestão define o ato de administrar recursos de modo eficaz para que determinadas metas possam ser alcançadas, ou que a gestão tem em vista o desenvolvimento de um organismo eficiente, otimizado e que tenha autonomia para operar.

E se definirmos as funções do gestor, que consistem,  em princípio, em fixar as metas a alcançar através do planeamento, analisar e conhecer os problemas a enfrentar, solucionar os problemas, organizar recursos e dirigir e motivar pessoas, tomar decisões e avaliar/controlar os resultados, o que gostaria de sublinhar é a parte da “dirigir e motivar  pessoas”. E podemos especificá-la por: selecionar, orientar, analisar, avaliar, desenvolver, inspirar, etc.

Reparem que a questão principal não se altera se usamos designações diferentes e chamamos as pessoas de variáveis, recursos, capital humano ou o centro de tudo. A questão principal continua a ser: Qual o grau de conhecimento especializado que os Gestores têm sobre o entendimento e funcionamento científico do ser humano? A resposta terá de ser zero na sua grande maioria. Ah, e então as horas gastas ao longo dos anos em formação de liderança, etc? São, na maioria dos casos, manifestamente insuficientes e desadequadas para a eficiência que precisamos dos Líderes e Gestores, nesta matéria.

Mal comparado, é como dizer que uma formação de primeiros socorros (que até pode ser repetida e atualizada anualmente) é suficiente para o exercício da clinica geral.

Fui procurar uma definição sobre os médicos de família para ilustrar este dilema e encontrei A DEFINIÇÃO EUROPEIA DE MEDICINA GERAL E FAMILIAR (CLÍNICA GERAL / MEDICINA FAMILIAR) WONCA EUROPA 2002 – (Sociedade Europeia de Clínica Geral / Medicina Familiar), que explica:

“Os médicos de família são especialistas com formação…. São médicos pessoais, … responsáveis pela prestação de cuidados abrangentes e continuados ….”. Prestam cuidados a indivíduos no contexto das respetivas famílias, comunidades e culturas, respeitando sempre a sua autonomia. … Quando negoceiam os planos de ação com os seus pacientes, integram fatores físicos, psicológicos, sociais, culturais e existenciais, recorrendo aos conhecimentos e à confiança gerados pelos contactos médico-paciente repetidos. .. Conseguem-no quer diretamente, quer através dos serviços de outros profissionais, consoante as necessidades de saúde …, auxiliando os pacientes, …, a acederem àqueles serviços. Os médicos de família devem responsabilizar-se pelo desenvolvimento e manutenção das suas aptidões, bem como dos seus valores e equilíbrio pessoais, como base para a prestação de cuidados efetivos e seguros. … Constitui um ideal a que todos os médicos de família poderão aspirar. ..”

Em conclusão, e na simplificação possível para um tema tão complexo, para obtermos aumentos significativos de eficiência e proficiência na atuação dos nossos líderes na componente gestão de pessoas, ou para termos gestores a liderar pessoas de forma excelente, deveríamos clarificar o seu papel comparando-o por exemplo ao ideal de “médico de família” e investirmos consistentemente na sua formação para que possam adquirir esse conhecimento especializado e se treinem de forma continuada na arte de gerir pessoas.

 

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