O Líder e o Momento

Por Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders

 

Em todos os sistemas sociais, dos mais simples, como empresas ou associações, aos mais complexos, como os estados-nação, existem momentos-chave que colocam desafios a todos os elementos que os integram (e aos próprios sistemas/ instituições, como um todo). Desafios que podem definir a sua ascensão, relevância ou mesmo sobrevivência. Como apaixonado por história, vou buscar muitos exemplos e ensinamentos à evolução de povos, nações ou impérios, ao longo dos últimos séculos. Na fase mais contemporânea, em que a complexidade e ambiguidade são mais marcantes, descortinamos, se tivermos curiosidade, múltiplas experiências em momentos históricos marcantes, nas quais as lideranças marcaram, inequivocamente, a diferença. A grande questão que se sempre se colocou (ainda sem resposta definitiva) é conhecida: são os líderes que tornam os momentos excepcionais ou são as circunstâncias extraordinárias que fazem sobressair de homens e mulheres “normais” o carácter de verdadeiros Líderes?
Esta breve introdução vem a propósito de uma das minhas leituras actuais, o livro “Liderança” (Leadership: Six Studies in World Strategy, 2022), de Henry Kissinger. O autor, como muitos saberão, foi secretário de Estado dos EUA na década de 1970, tendo recebido o Prémio Nobel da Paz em 1973. Figura polémica, hoje já com 100 anos, continua a ser um dos maiores conhecedores de política, história e geoestratégia a nível global.  Em “Liderança”, Kissinger analisa as vidas fascinantes de seis líderes marcantes do século XX que, em momentos-chave da história das respectivas nações – e, por vezes, com impactos a nível mundial – foram agentes de mudança. Cada um sublinhou, com a sua acção, traços e atributos de liderança que foram decisivos para o seu sucesso. E que são transferíveis para outros contextos, nomeadamente empresariais/ organizacionais.
No primeiro caso, no pós-Segunda Guerra Mundial, o chanceler Konrad Adenauer recuperou a Alemanha derrotada e moralmente falida, para a plena participação na comunidade internacional, através de uma “estratégia de ética e humildade” e catarse em relação ao passado recente. Depois, Charles de Gaulle, com a sua personalidade afirmativa, renovou o papel e a grandeza histórica da França com uma “estratégia da vontade”, assente na firmeza da sua visão. Em terceiro, Richard Nixon que, não obstante o final de carreira sombrio com o caso Watergate, foi um dos presidentes americanos mais bem preparados de sempre. No contexto melindroso da Guerra Fria, conseguiu dar vantagem geoestratégica aos Estados Unidos concebendo a “estratégia do equilíbrio” e conseguindo a proeza da abertura da China ao mundo. Temos depois exemplo do presidente do Egipto, Anwar Sadat, o qual, após vinte e cinco anos de conflitos com Israel, criou condições para a paz no seu país – e para o Médio Oriente em geral – com uma “estratégia de transcendência”. Em seguida, um caso único no mundo: perante circunstâncias adversas e com poucos recursos, Lee Kuan Yew criou a Singapura moderna, uma poderosa cidade-estado que amplifica em muito a sua pequena dimensão com uma grande influência regional – seguindo uma notável “estratégia da excelência”. Por último, o exemplo de Margaret Thatcher, que travou a decadência global do Reino Unido e renovou a sua posição moral e reputação internacional – seguindo a “estratégia da convicção”. Todos estes líderes fizeram face a desafios hercúleos, em momentos da verdade, de encruzilhada na história nacional e mesmo universal. Tiveram de clarificar contextos, construir consensos nacionais quanto aos desafios e liderar a responsabilidade das suas comunidades para que se produzisse a mudança.
Com escalas diferentes, os líderes empresariais vivem desafios similares. Em momentos de mudança no modelo de negócio, de expansão global, de diversificação, de fusão ou aquisição, de reestruturação, de transformação digital ou outros. Momentos da verdade nos quais, a humildade, a vontade férrea, a transcendência, o equilíbrio, a busca da excelência ou a firmeza das convicções serão estratégias de liderança e aplicar de acordo com as circunstâncias e com a visão e autenticidade dos Líderes. E servirão, desejavelmente, como modelo e inspiração para os que partilham essa viagem.
E a História, para a qual todos contribuímos, segue dentro de momentos.