O multitasking e a liderança

Por André Rosa, consultor e formador em Liderança / mestre em Gestão de Recursos Humanos

Estou sentado numa reunião de lideranças, composta por quatro pessoas, enquanto observo o que se está a passar à minha volta: um dos participantes está a comunicar dados importantes para os colegas (resultados do trimestre e comparação com período homólogo), mas os colegas parecem estar mais interessados em analisar os emails e as SMS que recebem.

Passado um tempo, o colega que está a partilhar as informações chama à atenção os restantes, pedindo para que se foquem no que está a dizer. “Estou a ver os emails mas consigo ouvir o que está a dizer”, “se não responder agora a esta SMS, não vou ter mais tempo”, respondem automaticamente.

Impotente, a reunião continua nestes moldes e, como é óbvio, o orador sente-se obrigado a repetir algumas informações devido à falta de atenção destas pessoas. Importante dizer que todos os participantes desta reunião têm cargos importantes e de igual responsabilidade na empresa.

Quem nunca esteve numa reunião destas?

Até começar a fazer consultoria em empresas, acreditava que isto acontecia apenas nas empresas em que as coisas estavam mesmo a correr mal. Contudo, tenho encontrado esta realidade em quase todas as empresas onde vou, mesmo quando têm resultados espectaculares.

A “falta de tempo” faz com que as pessoas acreditem que, durante aquela hora de trabalho, podem estar a fazer duas, três e, por vezes, quatro coisas ao mesmo tempo, para avançar com as suas tarefas.

Multitasking, chamam alguns. Pois bem, o multitasking funciona quando estamos a fazer “coisinhas”. Mas quando estamos a fazer “coisas” importantes, não resulta.

Imaginem um cirurgião a operar alguém enquanto vê os emails que está a receber. Imaginem um piloto de aviões, enquanto descola o avião, a actualizar o seu feed das redes sociais.

Também já ouvi em algumas reuniões e até formações que lecciono aquele comentário típico de que “nós mulheres conseguimos fazer duas coisas ao mesmo tempo”. Conseguem, claro. Da mesma forma que os homens. Mas… se forem “coisinhas”. Ninguém tem performance em multitasking e a ciência já demonstrou que não há diferenças significativas entre homens e mulheres no que toca a este ponto.

Posto isto, e sabendo que ambos os géneros estão em pé de igualdade, deixem-me explorar um pouco o multitasking.

Há momentos onde posso estar em multitasking, por exemplo:

  • posso estar a cozinhar e a ouvir um podcast
  • posso estar a correr e a ouvir música
  • posso estar a limpar a casa e a cantar

Mas, se repararmos, dificilmente conseguimos estar em multitasking com duas coisas, ou mais, que precisam do nosso raciocínio. Não preciso de raciocinar para passar a ferro (apesar de ter que ter cuidado para não me queimar), mas preciso de pensar sobre o que estou a ouvir num podcast sobre liderança, enquanto passo a ferro.

Não preciso de raciocinar enquanto canto, mas se estiver a cantar e a ler um email ao mesmo tempo, pode correr mal. Ainda vou responder ao meu chefe “As saudades que eu já tinha da minha alegre casinha, tão modesta quanto eu…”.

E, tal como nesta reunião que partilhei no início deste artigo, estar a receber informação de alguém sobre os resultados da empresa, onde é necessário analisar e reflectir, e estar a ler emails (usar a mesma zona do cérebro – análise e reflexão), não resulta.

E o que é que tudo isto tem a ver com liderança? TUDO!

Tudo porque não podemos liderar em multitasking. Liderar não é fazer “coisinhas”.

Ora vejamos.

O líder precisa de estar presente. E estar presente não é estar a fazer duas coisas ao mesmo tempo. Estar presente não é estar numa reunião com um colaborador e, a ler as mensagens que recebeu.

Uma reunião requer o foco na reunião. Uma conversa com o colaborador requer foco nessa conversa. Se estamos a dar ou a receber formação, é ai que deve estar a nossa cabeça. Não noutras tarefas ou assuntos. Se estamos a ver emails e a dar respostas a esses emails, é nisso que deve estar o nosso foco. Se estamos numa chamada telefónica, é aí que deve estar o nosso foco. Se estamos num momento de lazer, é aí que deve estar o foco.

Não se lidera em multitasting. Não se descansa (a mente) em multitasking.

Mas André, então nunca posso estar em multitasking? Pode! Pode se aquilo que está a fazer não forem coisas como:

  • interagir com uma pessoa ou várias
  • tarefas onde é necessária concentração
  • tarefas onde é necessário o raciocínio

Boa liderança!

 

PS: Se a leitura deste artigo foi em multitasting, volte ao início e verá que houve informação que não captou.

Ler Mais