O que move o talento, para lá do salário

Num contexto em que a escassez de profissionais é inegável, o que é essencial para atrair e reter talento? Quatro especialistas de diferentes sectores juntaram-se em mais um pequeno-almoço debate Human Resources para reflectir sobre o tema. Fala-se muito dos modelos de trabalho, mas a opinião é consensual: a flexibilidade é importante, mas não é esse o factor diferenciador.

 

Por Ana Leonor Martins | Fotos Sérgio Miguel

 

Foram dois anos de pandemia que mudaram o mundo. Se no nosso dia-a-dia, a normalidade parece ter regressado, no mundo do trabalho, as restrições também acabaram mas a realidade mudou. Foram dois anos com dois períodos de confinamento, com o teletrabalho a ser obrigatório durante vários meses. As empresas e os profissionais tiveram de se adaptar a uma nova forma de trabalhar. E não foi só isso que mudou. A logística familiar foi reorganizada, criaram-se novas rotinas e até uma nova forma de encarar a vida, uma redefinição de prioridades, que está a ter impacto no regresso às empresas e, em concreto, na Gestão de Pessoas.

A juntar a este desafio, junta-se um “antigo”, identificado como o principal desafio nas organizações no pré-pandemia – a atracção e retenção de talento. Porque, depois de dois anos em que a actividade e os negócios de muitas empresas estiveram condicionados, agora todos os esforços estão na retoma e recuperação do “terreno” perdido. As vagas de emprego estão a surgir às centenas, mas parece não haver pessoas suficientes para as preencher. E isto de forma transversal aos vários sectores e funções.

O desafio aumenta quando a dificuldade não se restringe à atracção de talento, mas também à sua retenção. Não só por causa da competitividade e concorrência pelos melhores profissionais, mas também porque – e voltamos ao início – as pessoas mudaram, e parecem já não querer o mesmo, das empresas e das suas vidas. É o que tem estado a motivar o fenómeno “The Great Resignation”. Será que a pandemia veio diminuir o fit entre empresas e profissionais? Entre o “me” e o “we”, onde está o foco?

Por outro lado, se actualmente, a seguir ao salário, a pergunta mais feita nas entrevistas de emprego é sobre o modelo de trabalho, isso significa que a empresa em si deixa de ser relevante na atracção e retenção de talento? Factores como uma cultura organizacional forte, boa reputação, oferecer estabilidade, o bom ambiente de trabalho, preocupação com o bem-estar e progressão de carreira das suas pessoas, a responsabilidade social e a sustentabilidade, ou o propósito, perderam importância? O que move, afinal, os profissionais de hoje? O que mais valorizam? Nas funções onde transversalmente há escassez de talento, as empresas podem dar-lhe ao luxo de continuar a não oferecer aquilo que os profissionais procuram? Isto é válido só para a atracção, ou também para a retenção de talento? As empresas ainda têm uma palavra a dizer, ou o “poder” está definitivamente do lado dos profissionais? O que estão a fazer para garantir que têm as pessoas essenciais ao sucesso do negócio?

Foram estas as questões que propusemos para reflexão em mais um Pequeno- Almoço Debate promovido pela Human Resources e que se realizou no hotel Vila Galé Opera, em Lisboa, no passado mês de Fevereiro. Para procurar algumas respostas, convidámos quatro especialistas, que representam quatro sectores diferentes: Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati (sector Farmacêutico); Joana Queiroz Ribeiro, directora de Pessoas e Organização da Fidelidade (sector Segurador); Paulo Barreto, director central de Recursos Humanos do Grupo Crédito Agrícola (Banca); e Pedro Ribeiro, director de Recursos Humanos do Super Bock Group (indústria agroalimentar – bebidas).

 

Uma mudança de mindset
Em jeito de contextualização, começa-se por ressalvar que, mesmo dentro de cada sector individualmente considerado, há realidades ambivalentes: «Dois anos de pandemia, com períodos grandes de lockdown, fizeram com que algumas companhias fechassem e desistissem da sua presença em Portugal, e outras desfizessem a 100% a sua rede de vendas, fazendo com que, de repente, haja pisos inteiros vazios nas empresas, e não porque as pessoas estão em teletrabalho. Assim, para a força de vendas não há escassez, o mercado está inundado e as pessoas têm estado à procura de outras soluções, enveredando por áreas comerciais noutros sectores.»

«Por outro lado, temos assistido a uma escassez enorme em áreas muito especializadas e regulamentares, e aí tem sido um drama encontrar pessoas especializadas nestes temas mais científicos. Não se consegue encontrar estes profissionais, quando há dois anos havia imensos, todas as semanas recebíamos dezenas de currículos de pessoas com esta formação. Possivelmente foram para fora, porque há muito trabalho regulamentar em mercados emergentes e as companhias têm estado a contratar para esses mercados. E nessas pessoas, sim, nota-se que querem uma forma diferente de trabalhar e de estar ligado à empresa. Num processo recente feito para esta área – partilha-se –, nas entrevistas de emprego, as pessoas já perguntaram pelo modelo de trabalho, que suporte é dado ao trabalho híbrido, e houve quem tenha recusado a oferta porque tinha construído uma forma estar na vida, com um conjunto de horários, que já não era compatível com um horário de trabalho.»

Ainda que não se esteja a fazer sentir em Portugal de forma significativa, o fenómeno “The Great Resignation” é uma realidade. E o impacto na atracção de talento também denota que várias pessoas adoptaram um novo estilo de vida, do qual não estão dispostas a abdicar. Os exemplos começam a multiplicar-se nas empresas. «Já perdemos uma boa pessoa, mas tem de haver uma linha de até onde a empresa pode ir, até pela sua cultura. Ainda não há disponibilidade mental, nem faz sentido, em alguns casos, pensar em modelos tão disputivos como não ter nenhum horário de trabalho. A pessoa, mesmo estando 100% remota, não tinha disponibilidade para trabalhar entre as 9h e as 11h, podia até às 15h, mas a partir daí só de noite… Não é viável. É uma lógica de prestação de serviços, quanto muito. E não dá para todas as funções.»

Há mais exemplo, noutro sector, e a resposta também depende da imprescindibilidade da pessoa em causa. «Uma colaboradora veio perguntar – e isto só aconteceu porque houve uma pandemia, caso contrário de certeza que nem lhe passaria pela cabeça – se podia ir para o Algarve porque é desportista e tinha lá uma oportunidade de competir a outro nível. Aceitei e vem cá quando é preciso. Mas outra pessoa disse que estava a ponderar ir para outra empresa porque permitia trabalho 100% remoto e a resposta foi, muito bem, então vá. Até porque há funções que não se podem fazer em casa. O desafio depois passa também por comunicar porque é que para uns dá e para outros não.»

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Março (nº.135)  da Human Resources, nas bancas.

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