O que podemos aprender com a Estónia?

Por Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders

Neste verão, tive a oportunidade de visitar um pequeno país no norte da Europa, ali junto ao mar Báltico. A Estónia, de que falo, é uma nação com uma população relativamente reduzida (1,3 milhões de pessoas) e com uma identidade national recente – forjada no século XIX, ganhou independência entre 1918 e 1940 e, finalmente, em 1991, após o colapso da União Soviética, onde estava integrada.

Os recursos naturais são escassos. Para além de algumas reservas de petróleo (oil shale) que, com as soluções renováveis, asseguram alguma autonomia energética, a sua economia real assenta em indústrias com elevado potencial de exportação – máquinas e equipamentos, madeira e papel, têxteis, produtos alimentares, móveis e metais e produtos químicos. Para além de serviços, nomeadamente financeiros. Mas a sua grande riqueza assenta no seu elevado capital humano e tecnológico, valorizado nas últimas duas décadas.

Comecemos pela educação. Logo no final da década de 90 do século passado, a Estónia lançou várias iniciativas das quais se destaca o projecto Tiigrihüpe (“salto de tigre”) para investir de modo robusto no desenvolvimento de infraestruturas informáticas na educação – o que permitiu desde cedo o acesso à Internet para todas as escolas da Estónia. O ensino de tecnologias de informação foi massificado e os professores preparados para tal. A aprendizagem de línguas (nomeadamente o inglês) tornou a maioria da força de trabalho multilingue. Um ensino focado empreendedorismo, na gestão do risco e na inovação, incrementou também a competitividade e adaptabilidade dos profissionais das novas gerações. Passada uma geração, a Estónia detém talento excepcional em áreas como a engenharia, a electrônica, o desenvolvimento de software, a cibersegurança e em áreas emergentes como IOT e blockchain. Este progresso, sustentado no tempo, revela-se também no ranking PISA, o qual evidenciou a educação estónia como a melhor da Europa nos três(!) domínios de avaliação – em leitura, matemática e ciências (dados de 2018).

A Estónia conseguiu construir, nos últimos 25 anos, uma sociedade fortemente digital.  Logo em 2002, lançou um sistema de identificação nacional de alta tecnologia – cartões de identificação físicos combinados com assinaturas digitais para fins fiscais, bancários ou de cidadania. Os exemplos na “vida social” são elucidativos: pelo que apurei, 99% dos serviços públicos da Estónia estão disponíveis via internet 24 horas por dia e os impostos são processados e pagos online em menos de 5 minutos. O voto electrónico está também massificado e quase um terço dos cidadãos vota pela internet (dados de 2019).

O ecossistema de startups de alta tecnologia é formidável – robusto, orientado para o mundo, com uma importância desproporcional para a pequena dimensão do país. Já atraiu imensos investimentos externos e produziu várias scaleups e unicórnios. O Skype é o mais emblemático, mas podemos citar também o Kazaa, o GrabCAD, o Fortumo, a TransferWise e a Taxify/ Bolt. Consta que a Estónia detém o maior número de startups tecnológicas por milhão de habitantes.

Iniciativas como a e-residency (possibilidade conferida a estrangeiros para abrir um negócio, fazer transações, assinar contratos e até declarar impostos) e vistos para nómadas digitais, junto com uma fiscalidade atractiva para as empresas, ajudaram a construir uma cultura (e reputação global) de digital nation.

Em suma: a digitalização de uma economia nunca será um objetivo em si mesmo; mas é uma estratégia sólida para tornar a vida em sociedade mais simples e alavancar a qualidade em dimensões como a formação, a cidadania ou o trabalho. Deve ser congruente, alinhando educação, e-government, investigação & desenvolvimento (I&D), inovação empresarial e formação ao longo da vida. A receita: visão, estratégia, consenso nacional, consistência e comunicação. Uma lição de uma pequena nação, da qual se podem (devem!) retirar boas aprendizagens para Portugal!

Ler Mais