O silêncio do intraempreendedor
No som do silêncio, encontro a predisposição perfeita para escrever. O da equanimidade ou da serenidade mental. Nunca o silêncio foi tão importante como nos dias de hoje, num mundo ultra-sónico em constante ruído e hiperestimulação sensorial. Mas será que efectivamente nos conseguimos silenciar?
Por Rita Oliveira Pelica, Chief Energy Officer ONYOU & Portugal Catalyst – The League of Intrapreneurs
Erling Kagge, na sua obra “Silêncio na Era do Ruído”, diz- -nos que «o silêncio é sobretudo uma ideia. O silêncio que nos rodeia pode conter muito, mas o tipo de silêncio mais interessante é o interior. Um silêncio que cada um de nós tem de criar». Creio que faz sentido, nas organizações e na “vida”, sermos leitores e praticantes do silêncio, principalmente pela exigente azáfama diária em que nos encontramos.
Não é fácil silenciarmo-nos e, talvez por isso, tenho feito a procura consciente do silêncio. Um silêncio provocado que faz ecoar o poder do silêncio criativo. Cada vez mais entendo o silêncio como uma necessidade de manifestação pessoal. É algo estratégico, como se diz nas organizações.
Na descontração do silêncio, entramos num estado de tranquilidade que permite à mente descansar, reorganizar informações e estimular a criatividade. E na complexidade do silêncio, quando este é declaradamente uma opção, podemos encontrar uma plenitude de sons e de ideias alternativas. Ainda penso nos 4’33 de John Cage, com um misto de desconforto e de feliz descoberta. Será que realmente nos podemos atrever a isto? A assumir o silêncio como uma fonte de aprendizagem? E a “ouvi-lo”, nos seus diferentes tons?
Naturalmente, para vos dar mais substância e fazer a ponte com a escuta activa e a capacidade de observação, o silêncio não pode ser visto como um luxo, mas antes como um “bem de primeira necessidade”. Não me refiro ao silêncio a que, por vezes, nos remetemos porque queremos evitar dar uma resposta menos politicamente correcta, ou por receio de represálias por termos uma opinião diferente, sendo aniquilados pelo pensamento de grupo. Refiro-me a usufruirmos do silêncio de forma prazerosa, enquanto escolha deliberada. “Enjoy the silence”, já se canta desde 1990, a provar que o silêncio nunca passa de moda!
Se nas organizações se fomentasse uma cultura em que o silêncio é visto como parte integrante do processo criativo, e não como um sinal de inactividade, isso poderia levar a um aumento na qualidade e na originalidade das contribuições dos colaboradores. Será o silêncio uma ferramenta para o intraempreendedor? E se experimentássemos, com esta intenção, traçar um caminho para a inovação? Já imaginaram empresas com salas de leitura e cabines de concentração? E sessões de brainstorming silencioso (bem, já existe e chama-se brainwriting)? Dias de reflexão (ou começar, pelo menos, com alguns momentos matinais ou mais vespertinos, sem interrupções)? Instalar espaços de criação, num misto entre estúdios de arte, salas de música ou laboratórios de inovação (sei que será demasiado ousado nalguns casos)? Retreats criativos (já tão na moda!)? Silent hours (ou minutos) de criatividade?
E se… fora das organizações também nos dessemos ao trabalho de estimular o nosso silêncio? Mesmo inspirados por práticas de meditação e de atenção plena, podemos não conseguir a total ausência de som (utopia?), mas podemos atingir um estado de “som funcional” e usufruir do chamado “ruído branco” – fazermos uma escuta activa ao ambiente que nos rodeia e evitarmos a sobrecarga auditiva. Podemos não conseguir fechar os olhos à realidade, mas podemos evitar a sobrecarga visual. Sim, podemos.
Para me permitir saber mais sobre o assunto, comprei o livro “A Arte do Silêncio”, de Amber Hatch. Mais de 100 páginas sobre silêncio. A autora menciona o silêncio enquanto estratégia de vida, uma forma de negociação pessoal. Gostei do conceito e aqui estou desassossegadamente a partilhá-lo, para podermos todos beneficiar desta quietude, enquanto colectivo. Em três pontos, podemos: (1) serenar o nosso ambiente, criando as condições para termos ambientes mais calmos; (2) cultivar relações tranquilas: a qualidade dos nossos relacionamentos impacta a nossa tranquilidade e paz interior; e (3) promover o nosso silêncio interior, definindo o nosso “espaço/lugar” interior, ao qual podemos aceder sempre que nos apetecer “desligar”. O resto, terão de descobrir por vocês…
Poderá o silêncio ser a nova vibe do mundo corporativo? Tendo o “The Sound of Silence” na playlist das nossas organizações? Sejamos bons ouvintes, porque a música – na frequência certa – é extraordinária para ditar o ritmo.
Este artigo foi publicado na edição de Julho (nº. 163) da Human Resources, nas bancas.
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