OE 2023: Não vai trazer descida de imposto, nem mais rendimento disponível. Veja aqui os números. Mas não “matem” o mensageiro!

 

Por Madalena Caldeira, sócia contratada da Abreu Advogados

 

Tenho sempre um especial gosto em escrever para a Human Resources. Desta vez, porém, a tarefa soou a desafio e deixou-me angustiada. Porquê? Porque os dias que vivemos não são “dias felizes”. Explico: por força da actual conjuntura mundial, experimentamos um período de muita incerteza, de grande ansiedade e em que esperamos muitas dificuldades, sobretudo por parte das famílias, dos trabalhadores que assistem, impotentes, ao aumento das taxas de juro, ao regresso (e infelizmente em força, da inflação) e que, por isso, depositam no Governo e em particular nas medidas por este propostas para o Orçamento de Estado para 2023 (adiante OE2023), as suas esperanças. As esperanças de não verem a sua situação piorar, mas mais,  as esperanças de a verem melhorar podendo até, quem sabe, recuperar parte do seu poder de compra entretanto perdido durante este ano.

Por tudo isto, as expectativas são altas e por isso o desafio. Porque as expectativas podem resultar defraudadas – antecipando a conclusão – por, afinal, as propostas do OE2023 não trazerem a redução de imposto e o consequente aumento de rendimento disponível esperado. Podem resultar num alívio na carteira, conferindo maior liquidez imediata, mas será um alívio de pouca dura, a “pagar” no cheque do reembolso de IRS de 2024. Tentando explicar. As medidas do OE2023 que terão (maior) impacto nos trabalhadores e que nessa medida destacamos, sumariam-se da seguinte forma:

 

(i) Alteração escalões IRS:  actualização dos escalões de IRS em 5,1% – em linha com o que se prevê ser o valor de referência para ao aumentos salarias em 2023 – ou seja, simplificando, em cada escalão “cabe” um valor superior de rendimento o que pode conduzir a que, algumas pessoas baixem de escalão e lhes seja aplicável uma taxa mais baixa. Igualmente, a taxa marginal do 2º escalão desce de 23% para 21%, conduzido à descida da taxa média nos demais escalões;

 

(ii) Reforma do Mínimo de Existência: o mínimo de existência é o montante do rendimento que fica isento de IRS, ou seja, acima do limite estabelecido na lei o contribuinte passa a pagar IRS. Esta medida, que não é nova, visa assegurar que contribuintes com rendimentos mais baixos possam ter à disposição um determinado rendimento líquido: o maior entre dois valores, o valor anual do salário mínimo nacional e 1,5, vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS). A reforma proposta que visa sobretudo “anular” alguma distorção que resulta da tributação a 100% dos rendimentos brutos que se situem imediatamente acima dos limites – passando de um mecanismo de liquidação final para abatimento a montante e que passará ainda por a atualização deste valor ter lugar em função da evolução do IAS – entrará em vigor a 1 de  janeiro de 2024. Em 2023 o regime será aplicado em termos similares aos atualmente em vigor, embora os limites resultem alterados em face do aumento do salário mínimo nacional e do IAS.

 

(iii)Retenções na fonte:

(iii.i) “reforma” do sistema de retenções na fonte: reformulação do sistema de modo a assegurar que a taxa de retenção na fonte aplicada seja adequada à situação do contribuinte e em particular assegurar que um aumento do rendimento ilíquido não é consumido pela taxa de retenção e antes se traduz também num aumento  do rendimento líquido. Implementa-se um sistema de taxas marginais, ao invés do atual modelo de taxa única.

(iii.ii) trabalho suplementar: para os trabalhadores que sejam residentes fiscais em Portugal, redução para metade da taxa de retenção na fonte de IRS autónoma aplicável ao trabalho suplementar a partir da 101ª hora, inclusive. Para os não residentes fiscais, deixa de ter lugar aplicação de retenção na fonte liberatória quanto às primeiras 50 horas de trabalho suplementar. Não altera a tributação em sede de taxas progressivas de IRS.

(iii.iii) redução  da retenção na fonte para titulares de crédito à habitação: para os rendimentos de trabalho dependente, redução facultativa da taxa de retenção para o escalão imediatamente anterior, desde que o crédito se destine a habitação própria permanente e desde que não aufira uma remuneração mensal superior a € 2.700. Não altera a tributação em sede de taxas progressivas de IRS.

Estas serão, teoricamente, as medidas que mais ajudarão os trabalhadores e as famílias. Na verdade e após uma leitura aturada, não querendo ser o mensageiro portador das más notícias, o OE2023 não traz uma descida de imposto, não traz mais rendimento disponível para os trabalhadores. Importa não esquecer que, infelizmente, o número de agregados familiares com rendimentos baixos é muito significativo e portanto o impacto real das alterações descritas ou não existe ou é residual.

Podemos, eventualmente assistir ao tal alívio na carteira, designadamente por força das alterações em sede de retenção na fonte mas esse alívio será pago na data de liquidação do imposto – aplicação das taxas progressivas – quando o reembolso for menor (ou inexistente) porque o que não foi retido vai ser pago a final.

 

Não matem o mensageiro…

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