«Os empregos não são criados pelo IEFP mas sim pela economia»

Em entrevista à Human Resources Portugal, o presidente do IEFP, Jorge Gaspar, fala de criação de emprego, dos estágios profissionais e da formação de adultos.

Recusa que os estágios profissionais sirvam para apoiar empresas, preferindo chamar-lhes promotores de criação de emprego. Defende que os estágios não servem para mascarar as contas do desemprego. E considera que a formação de adultos deve ser mais específica e focada em áreas de actividade com maior potencial de empregabilidade. Jorge Gaspar, presidente do IEFP, conversou com a Human Resources Portugal sobre o papel do Instituto nos dias de hoje, numa época em que o desemprego continua a ser um problema de grande dimensão em Portugal.

O Boletim de Inverno do Banco de Portugal mostrou que os estágios profissionais do IEFP representavam 0,9 pontos percentuais na taxa de crescimento do emprego privado no 3.º trimestre de 2014, um impacto bastante significativo já que alterava a taxa de 2,5% para 1,6%. Qual é a taxa de conversão em vínculos laborais permanentes nestes estágios?

É de 70%, o que significa que em cada 100 ex-estagiários, 70% destes está, num horizonte de seis meses, a fazer descontos para a Segurança Social com base num contrato de trabalho. A medida tem tido uma execução exponencial nos últimos dois anos. Mas quer os Estágios Emprego quer os empregos criados pós-estágio ocupados pelos ex-estagiários não são empregos criados pelo IEFP, mas sim pela economia. O IEFP não apoia empresas.

Mas a criação de emprego não é garantida a seguir ao estágio.

A decisão de criar emprego é das empresas. O IEFP exige, por exemplo no Estímulo Emprego que o estímulo concedido contribua para a criação de emprego. Não promove o turnover. O número de postos de trabalho da empresa tem de subir de x para y durante o apoio.

De qualquer das formas, os estágios não acabam por funcionar como empregos? Até que ponto na prática os estágios não funcionam como trabalho temporário?

Não falamos de empregos, falamos de estágios. Desde o Verão, introduzimos um conjunto de condições precisamente para potenciar a criação de emprego via estágios. Uma empresa, por cada três estágios que tenha promovido, tem de criar pelo menos um posto de trabalho. Aos estágios não sucedem estágios.

Este rácio de um terço significa que, mesmo que uma pessoa seja contratada, há mais duas que não o são. Não é um rácio que as empresas podem perpetuar?

A empregabilidade de 70% mostra o contrário. A montante temos de precaver que esse caminho vá ser trilhado. Precisamente para evitar que naquela empresa “rodem” estagiários e que não haja criação líquida de emprego é que encontra essa condição. A empregabilidade tem também uma dimensão indirecta: eu faço o estágio na entidade B e esse estágio é valorizado pela entidade C, que me contrata a mim.

Mas desses 70% da conversão em vínculos laborais, quantas empresas é que ficam com os estagiários?

Serão milhares. Temos actualmente à volta de 70 mil pessoas abrangidas pela medida Estágio Emprego. Há milhares de empresas a contratar porque 70% deste universo vão para o mercado de trabalho com contrato, não só nas mesmas empresas. Há também o lado da empregabilidade indirecta.

A remuneração proposta para os estágios profissionais é aceitável para um estagiário que, muitas vezes, desempenha tarefas comuns com pessoas que têm vínculos laborais?

Não há remuneração, há uma bolsa de estágio. A bolsa é aquela que está definida regulamentarmente e é aquela que nós aplicamos e é incorporada no pacote financeiro por conta da empresa. A medida Estágios Emprego não é algo que por si só constitua um emprego. Não podemos falar na bondade ou falta dela no pacote remuneratório associado a um estágio, já que, em bom rigor, nem sequer de um pacote remuneratório se trata. A medida Estágios Emprego é fundamentalmente dirigida a jovens, o que significa que do ponto de vista dos objectivos trata-se de uma aproximação no mercado de trabalho. Essa dimensão da discussão não é a que devemos ter no IEFP.

Muitas vezes o IEFP é criticado por financiar as empresas para colocar jovens com uma remuneração, ou a bolsa de estágio, abaixo dos valores de mercado, tirando-os das contas de desemprego…

Há uma nuance técnica onde está o nó górdio da questão. Está a falar dos chamados ocupados. Os ocupados em estágios e formação profissional não aparecem no desemprego registado. É verdade e é aquilo que resulta da lei. Mais: a informação mensal do mercado de Emprego que o IEFP publica, além do número associado ao desemprego registado, tem um conjunto de outros indicadores, inclusivamente os abrangidos naquele mês em formação e estágios profissionais, os chamados ocupados. Mas até Setembro de 2011 quem estava em formação profissional e em estágios profissionais não só não eram considerados desempregados registados nem ocupados: eram desconsiderados, não existiam nas estatísticas. Nós hoje temos de perceber que no mês x o desemprego registado no IEFP é de x e que temos o número y de pessoas em formação profissional. Quem quiser soma x com y. Até 2011, o IEFP trabalhava assim, com desemprego registado. A implicação prática é: não havia ocupados, não se podia somar x com y, e por outro lado, findo o processo formativo, iam para fora do universo do IEFP. Se quisessem, tinham de voltar a inscrever-se no IEFP para serem considerados desempregados. Hoje, o processo é mais transparente. Eu sou um trabalhador desempregado que iniciou no dia 2 de Dezembro uma acção de formação profissional que terminou em Janeiro. Entre esse período sou ocupado e não estou no desemprego registado. Mas no dia seguinte ao fim, o sistema informático do IEFP vai colocar-me imediatamente no desemprego registado. Até 2011, havia uma consequência perversa: interrompia séries de desemprego de longa duração.

Houve uma reformulação nos estágios profissionais no passado ano que diminuiu o tempo de duração dos estágios de 12 para 9 meses, mantendo os níveis das bolsas de estágio. Para além das recomendações da Comissão Europeia, que sugeriam uma redução do tempo de estágio, que outras variáveis contribuiram para recalibrar a estrutura dos estágios?

No que toca à empregabilidade dos estágios, percebe-se que a medida Estágios Emprego enquanto tal tem potencial para a criação de emprego e percebeu-se que esse potencial não era prejudicado pela diminuição do valor associado ao estágio. É uma questão de pura opção na alocação de recursos. E os números dos apoios concedidos em matéria de estágios demonstram que a opção estava correcta porque não baixaram, pelo contrário, subiram.

Mas falamos de dificuldades de orçamento da parte do IEFP?

Não, se olhar para os números o orçamento foi executado.

O orçamento sofreu alguma alteração?

No ano passado tivemos um rectificativo e este ano vamos ter um orçamento superior ao que tínhamos em 2014. O nosso orçamento tem de estar ajustado às necessidades do IEFP.

Falamos de quantos milhões de euros?

Mil milhões de euros, sensivelmente.

Quais são as previsões do IEFP em termos de alocação de recursos para o emprego este ano?

A nossa expectativa é que, quer na área do emprego, quer na da formação profissional, quer na dimensão da reabilitação profissional, este sirva e esteja à altura das nossas responsabilidades, que são muitas.

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Imagine uma pessoa que trabalhou toda a vida com máquinas e à qual o IEFP propõe uma formação em TI. Há possibilidades reais dessa pessoa encontrar trabalho nessa área? Até em termos de pertinência: não seria melhor direccionar essas pessoas a áreas mais próximas com as áreas onde trabalharam a vida toda?

Nós, como País, se insistimos em formação profissional em áreas com potencial de empregabilidade diminuto, não estamos a devolver à comunidade nada, estamos a exaurir recursos sem qualquer retorno. Não foi por acaso que falei em TIC: é uma área com potencial de empregabilidade muito forte. O potencial de empregabilidade depende da modalidade de formação profissional. Podemos estar a falar de um curso EFA de formação de adultos mais longo ou podemos falar de formação modular, cursos de mais curta duração. O que a investigação e a dimensão empírica demonstram é que quanto mais curta e dirigida, com um objectivo muito específico, for a formação, maior é o seu potencial de empregabilidade. Isto é, se for para fazer rádios, se 50 horas foram suficientes, é mesmo isso que vamos fazer, sem procurar trabalhar umas colunas, o que dura mais tempo, diminuindo o potencial de empregabilidade. O que procuramos fazer na formação modular no âmbito do Vida Activa é isto mesmo. O afastamento do mercado é um factor não despiciendo que obstaculiza o regresso ao mercado de trabalho.

Há planos para colocar cerca de 20 mil desempregados de longa duração no programa Vida Activa nos próximos meses. Como é que vão ser direccionadas essas pessoas?

O objectivo é a empregabilidade. Temos de olhar para as necessidades que as empresas possam sentir, temos que olhar para as ofertas que as empresas colocam e temos que olhar para o perfil do desempregado de longa duração para aproximar uns dos outros no chamado processo de ajustamento. Pese o número de ofertas captadas pelo IEFP junto das empresas tenha subido exponencialmente nos últimos dois anos, o que significa que as empresas confiam cada vez mais no IEFP para a colocação, a taxa de satisfação tem subido. Não escondo que um dos grandes objectivos, não só na área do emprego como da formação profissional, para 2015, é trabalhar a vertente qualitativa da nossa actuação porque o processo de ajustamento entre a oferta e a procura assim o exige.

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