Os impactos de 2020 vão continuar a fazer-se sentir na saúde mental dos colaboradores, alertam profissionais RH (com vídeo)
Nos últimos meses, praticamente só se tem falado de saúde física, mas começa a perceber-se que tão ou mais grave, pelo menos a médio e longo prazo, é a saúde mental dos colaboradores. Os riscos de deterioração da saúde psicológica estão a aumentar de forma silenciosa. Maria Roman, directora de Recursos Humanos do Lidl, e Nuno Troni, director da Randstad Professionals falaram, sem tabus, sobre a saúde mental nas organizações.
Por Sandra M. Pinto
A saúde mental e o burnout foi o tema de mais uma re(talk), que juntou Maria Roman e Nuno Troni, num debate moderado por Ana Leonor Martins, directora da redacção da Human Resources, que promove esta iniciativa em conjunto com a Randstad.
A directora de Recursos Humanos do Lidl reconhece que «cada vez a saúde mental surge como um problema junto de uma grande faixa de profissionais pelo que de todo podemos ignorá-lo dentro das nossas próprias empresa». Estando consciente deste problema, desde 2015 que o Lidl tem vindo a desenvolver o programa Mais Saúde. «No início era principalmente dirigido a implementar estilos de vida saudáveis a um nível mais físico, mas que recentemente evoluiu tendo actualmente um grande foco no promoção da saúde mental», esclarece Maria Roman.
Na Randstad passa-se o mesmo. Nuno Troni diferencia duas questões: «Por um lado a preocupação com a saúde que causa muita angustia, e, por outro, o risco de perder o emprego. Na esmagadora maioria das organizações, o ano não está a correr bem. Pode estar – e está – no Retalho, mas se olharmos para outros sectores como o Turismo, esta duas preocupações surgem agora juntas. E são já oito meses que levamos de pandemia, é muito tempo, é muito desgastante e começa já a ter impacto na produtividade e no engagement das pessoas.» Assim, o tema da saúde mental é uma das grandes preocupações que as empresas hoje enfrentam.
No caso do Lidl, a actividade não abrandou, pelo contrário, mas Maria Roman lembra que, mesmo que «a empresa possa oferecer agora uma maior estabilidade às suas pessoas, um colaborador pode estar casado com um colaborador de outra empresa que esteja em dificuldades, pelo que o impacto económico acaba sempre por estar presente. Temos tentado ao longo destes meses fazer, de alguma forma, um contrapeso com os factores que mais podem dar origem a essa ansiedade e a esse stress», conta, concretizando: «Por um lado, desde o início que desenvolvemos um minisite dentro da nossa intranet com a finalidade de manter as nossas pessoas informadas para que todos soubessem as medidas que estávamos a tomar com vista à sua segurança; depois, em Março algo que me impressionou foi o facto de as equipas de loja terem apresentado um forte sentimento de propósito, encarando o facto de estrem a trabalhar coo um verdadeira missão. Isto originou um ambiente bastante positivo dentro da organização, que veio a reflectir-se em níveis mais baixos de ansiedade.»
Empresas com realidades diferentes
Um estudo recente revelou que, de facto, as empresas reconhecem a importância deste tema, mas que apesar disso ainda não é tema prioritário. Nuno Troni tem uma explicação: «Se olharmos para o País, verificamos que o tecido empresarial é composto por pequenas e médias empresas, empresas que neste momento estão numa situação financeira complicada, pelo que há neste momento um sentido de urgência muito grande até pela sobrevivência do próprio negócio. A realidade da maioria das empresas não é a de um Lidl ou de uma Randstad.»
Na perspectiva do responsável, há muita pressão sobre as pessoas, seja ao nível dos custos e da produtividade, ou mesmo relacionado com a descida do consumo. «Há tantas prioridades do ponto de vista da sobrevivência do negócio, que o focar na saúde e no bem-estar dos colaboradores é uma coisa secundária, porque se não existir empresa e negócio também não vão haver pessoas para existir bem-estar». No fundo, é tudo uma questão de prioridades», acredita o director da Randstad Professionals.
Ana Leonor Martins acrescenta um dado partilhado na última Conferência Human Resources, pela Ordem dos Psicólogos. «Estes problemas e questões como o absentismo podem custar às empresas cerca de 3,2 milhões de euros, o que equivale a três pontes Vasco da Gama. Assim, este tema torne-se um tema de negócio, não será», questiona. Maria Roman concorda. «Se é verdade que o Lidl tem protocolos bem definidos com processos bem integrados do que fazer quando alguém está em burnout, porque tem uma estrutura que o permite, também as empresa pequenas, podem promover algumas acções, que podem nem implicar custos. Por exemplo, integrar no próprio papel de liderança, o estar atento a este tipo de situações.» Também o Lidl o tem feito, através de uma maior formação das chefia para esta matéria.
«O papel do líder é de facto fundamental nesta questão», concorda Nuno Troni, «com o confinamento e o teletrabalho, lideres de equipas pequenas que tinham menos visibilidade dentro da organização começam a ter cada vez maior importância dentro do próprio negocio pois são muito mais holísticos na forma como fazem a gestão». Ao mesmo tempo, o responsável refere a cultura de transparência e de abertura para afirmar que isto não é um problema, ou seja, «é algo que acontece e que é perfeitamente normal, sobretudo no contexto em que estamos a viver».
Ainda é um tema tabu?
O tema é cada vez mais falado, mas não deixar de continuar a ser um tabu. As pessoas ainda sentem vergonha de pedir ajuda. Mas Maria Roman acredita que isso está a mudar. No Lidl tem existido a tentativa de fazer com que as pessoas sintam a sua privacidade salvaguardada quando acontece uma situação deste género. «Por um lado, temos a acção desenvolvida pelos próprios lideres junto dos colaboradores, depois implementámos a figura do gestor de confiança, por norma psicólogos que estão treinados pra identificar esses sinais de stress, quando surgem casos mais graves temos uma empresa especializada em psicologia organizacional com a qual trabalhamos e por fim temos uma linha de apoio gratuita», explica a directora de Recursos Humanos, para quem é de extrema importância passar aos colaboradores a confiança de que podem falar e de que não devem ter vergonha em pedir ajuda. «As nossas pessoas pedem de facto ajuda. Os Recursos Humanos têm tido nesta área um trabalho imenso, sobretudo nos últimos oito meses, sendo que tivemos, inclusive de reforçar a equipa.»
Nuno Troni defende que é preciso termos consciência de que «”a vida tem intervalos”. Foi uma frase que alguém algum dia me disse e que fixei, porque é verdade, não estamos sempre numa fase progressiva da carreira, nem sempre tudo corre bem», faz notar. «Será inevitável que, em algum momento, as coisas corram menos bem. É fundamental que depois a liderança de topo das empresas falem do tema, e também dos programas que têm à disposição dos colaboradores, incentivando à sua utilização. Um burnout ou uma situação de ansiedade são situações normais, não têm de ser um tabu. É preciso é que se fale disso e se tragam essas situações para a discussão.»
Especialmente em contexto de teletrabalho deve ser discutido o tema, «esta realidade que vivemos é de facto muito propicia a este tipo de situações», afirma Nuno Troni, lembrando que este teletrabalho que tivemos foi massivo e compulsivo. «Com a pandemia as pessoas estão 24 horas do dia, sete dias por semana em casa o que foi de facto um choque muito grande. O sistema híbrido é de longe o ideal», defende o responsável. «As pessoas querem acima de tudo querem flexibilidade, ou seja, querem muito voltar ao escritório, mas querem fazê-lo de acordo com um sistema flexível.» Enquanto isso não é impossível, «é preciso estar cada vez mais próximo das pessoas. Faço hoje mais “one to one” com a minha equipa do que fazia no escritório, há mais a necessidade de conversar, de saber como estão todos, muitas vezes obviamente com agenda, mas muitas sem agenda.
No Lidl, o teletrabalho aplica-se apenas às áreas de suporte, mas não é possível para a maioria dos colaboradores. E o sector do retalho foi dos que mais “exigiu” dos profissionais. Ficar em casa não era opção, numa altura em que se dizia que a segurança dependia de não andar na rua. O Lidl, como empresas de outros sectores se serviços essenciais, teve que pedir às pessoas para se “colocarem em risco”. Mas Maria Roman reconhece que os colaboradores foram incríveis. Exemplifica: «Como os nossos colaboradores dos entrepostos não tinham tempo de ir fazer as suas compras, houve um grupo de colegas do escritório que voluntariamente e de forma espontânea se organizaram para ir fazer as compras por eles.» Mas reconhece que «foi uma situação complicada de gerir. Tentámos desde o principio comunicar muito com as equipas, transmitindo-lhes confiança e tranquilidade para lhe demonstrar que estávamos a tentar reagir», partilha, admitindo que «havia medo, sobretudo na primeira semana, em que praticamente não havia máscaras. Tentámos que as pessoas se sentissem o mais tranquilas e seguras possível.»
Maria Roman reitera que o mais importante é a transparência e comunicar, de forma clara, explicando as medidas e as estratégias para lidar com a situação, ou até mesmo para dizer que ainda não se sabe.
Nuno Troni acrescenta que «essa transparência, esta comunicação, deve existir mesmo quando tem que se despedir. No recrutamento, a COVID-19 teve um impacto muito negativo», reconhece. «Em Março simplesmente parou. Como não sabíamos o que ia acontecer, juntei a equipa toda e fiz uma apresentação onde expliquei a situação pela qual estávamos a passar, chamando a atenção para o impacto que daí podia vir e aquilo que nos propúnhamos fazer para o combater. Foi tudo comunicado com muita transparência, transparência que se foi mantendo ao longo dos meses seguintes, pois fizemos questão que os elementos da equipa estivessem sempre bem informados sobre o que estava a acontecer e aquilo que a empresa estava a implementar, e, sobretudo, porque o estávamos a fazer.» No entanto, «há muita gente que tem medo de perder o emprego, sobretudo em sectores como aviação, turismo ou hotelaria. Ninguém sabe o que vai acontecer e isso gera muita angustia.»
2021. Sem COVID mas menos saudáveis mentalmente?
Para Nuno Troni é impossível não existirem consequências no futuro daquilo que estamos a passar agora. «Vão acontecer em diferentes níveis, consoante as empresas e consoante a experiência que as suas pessoas tiveram, mas acho que não nos vamos livrar tão cedo quanto isso das consequências. Mas também ficarão os ensinamentos e as aprendizagens que tivemos este ano. Mesmo que agora a pandemia se resolva, as consequência económicas não se resolvem assim tão rapidamente», reitera. «A saúde mental das pessoas vai ser fundamental no próximo ano e vai ser um tema ao qual vamos ter de prestar muita atenção devendo, efectivamente, ser prioritário.»
Concordando, Maria Roman perspectiva que 2020 vai ter impacto mas saúde mental das pessoas. «As organizações que já estavam focadas neste tema antes da pandemia, vão ter de reforçar a atenção, centrando-se ainda mais na discussão do tema da saúde mental dos colaboradores, alocando inclusive mais recursos ao seu acompanhamento e resolução.»
(re)Veja aqui, na íntegra.
As re(talks) são uma iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources, promovida desde Março. Recorde aqui.