Quando se corta as pernas a alguém, dá-se um tiro no próprio pé

Por Diogo Alarcão, Gestor

Recentemente soube de mais uma pessoa que foi impedida pela sua Chefia de transitar para um novo desafio profissional. É um erro clássico de gestão que muitas pessoas continuam, cega e persistentemente, a cometer. Se não bastasse a dimensão ética de tal ato, este tipo de atitude é também um “erro de palmatória” na gestão.

Do ponto de vista ético, creio que ninguém tem o direito de impedir uma pessoa de procurar alcançar os seus sonhos e desejos. Podemos não concordar com eles e, no limite, podemos até procurar dissuadir a pessoa de os perseguir por entendermos, à luz da nossa lente de observação, que é um erro, que acarreta riscos excessivos ou pode ser “um passo maior do que a perna”. Todavia, não podemos impedir a pessoa de o fazer se for, de facto, esse o seu desejo. A questão ganha uma dimensão ética superior quando quem impede esse ato é alguém que tem poder hierárquico sobre essa pessoa. Nunca me cansarei de dizer que o exercício de liderança deve ser visto como serviço ao próximo e não como serviço para o próprio. Por conseguinte, nunca poderemos colocar os nossos interesses acima dos interesses da outra pessoa.

Mas também do ponto de vista de gestão, impedir alguém de sair da organização é um erro. Senão, vejamos. Se a pessoa manifesta vontade de sair é, muito provavelmente, porque está confrontada com uma destas situações:

  1. Tem vontade de evoluir na carreira e já não consegue fazê-lo na organização onde está;
  2. Quer abraçar novos desafios e vivenciar novas experiências profissionais;
  3. Está desmotivada pela rotina do dia-a-dia na organização;
  4. Não se revê no atual estilo de liderança da sua organização;
  5. Não vê perspetivas para ela, ou para a organização, a médio/longo-prazo.

Todas estas situações são atendíveis e legítimas pelo que o líder, confrontado com o desejo de sair de uma pessoa da sua organização, deve procurar analisá-las e perceber porque surgiram em vez de seguir pelo caminho mais fácil do exercício arbitrário do poder. Porquê? Porque ao fazê-lo, para além de estar a abusar do poder que lhe foi confiado, só irá potenciar as causas de desconforto, insegurança e desmotivação da pessoa. Ao contrário do que possa pensar, quem assim atua não está a defender os interesses da organização, mas apenas a defender os seus próprios interesses de forma míope e numa perspetiva de curto-prazo. O velho argumento de que a saída dessa pessoa provocaria um grave dano à organização, não colhe por duas razões simples de compreender:

  1. não há pessoas insubstituíveis;
  2. uma pessoa frustrada e que se sente injustiçada ou desmotivada nunca poderá dar todo o seu melhor em prol dessa mesma organização.

Então o que fazer quando confrontados com estas situações?

No setor privado, pela lógica natural de mercado, o líder não poderá impedir a pessoa de sair pelo que deverá escutar e ponderar se é possível reverter a situação trabalhando as causas estruturais e evitando o “caminho mais fácil” que é oferecer um aumento salarial. Por vezes, estes aumentos resultam, mas se não forem acompanhados de outras medidas terão, geralmente, apenas um efeito temporário porque, mais cedo ou mais tarde, as outras causas ressurgirão.

No setor público, em que a mobilidade é menor, aumenta a obrigação ética de salvaguardar o interesse das pessoas garantindo que não se cometem abusos de poder. O gestor público deve, pois, fazer tudo o que está ao seu alcance para dar resposta aos anseios legítimos e razoáveis dos seus colaboradores e, se apesar disso, a pessoa quiser mudar de Serviço ou Ministério deve incentivá-la a fazer e dar-lhe todo o apoio e acompanhamento para que se sinta feliz e realizada no seu novo desafio. Desta forma, estará a prestar um melhor serviço à própria Administração Pública e colocará a sua função de líder ao serviço do outro.

Independentemente de ser no setor público ou privado, a mobilidade entre organizações traz múltiplas vantagens porque:

  1. Permite que as pessoas cresçam, pessoal e profissionalmente;
  2. Permite perceber como é que a organização compara com as outras, nomeadamente em termos de gestão de pessoas;
  3. Permite questionarmo-nos como líderes;
  4. Permite tirar o pulso ao clima organizacional e perceber quais os pontos fortes e as áreas de melhoria;
  5. Permite (re)pensar estratégias de atração, desenvolvimento e retenção de talento.

É, pois, tempo de deixar de “cortar pernas” às pessoas e de começar a dar-lhes “asas para voar”.

Ler Mais