Regresso ao escritório? Do teletrabalho (ainda obrigatório em algumas situações) aos certificados de vacinação e testes (podem ser exigidos?)

Com o regresso ao trabalho presencial, as dúvidas em torno dos direitos e deveres dos trabalhadores e das empresas adensam-se.

 

Por Maria Barbosa, associada coordenadora do departamento de Laboral da CCA

 

Entrámos em Setembro e o país, que actualmente conta com 85% da população vacinada com, pelo menos, uma dose, desespera por regressar à normalidade (ou pelos a uma sensação de normalidade). Particularmente o retorno dos trabalhadores ao trabalho presencial ou, pelo menos, ao trabalho prestado num modelo híbrido de divisão do período normal de trabalho entre teletrabalho e trabalho on site tem revelado um interesse maior nas empresas.

No entanto, as dúvidas em torno dos direitos e deveres dos trabalhadores e das empresas adensam-se. Damos resposta a algumas das perguntas mais frequentes.

 

  1. O teletrabalho é obrigatório?

O teletrabalho deixou de ser obrigatório a partir do dia 1 de Agosto para passar a ser “apenas” recomendado.

  1. Nos casos em que é recomendado o teletrabalho, exige-se um acordo escrito entre o trabalhador e o empregador?

Sim. Nos casos em que o teletrabalho não é obrigatório, mas apenas recomendado, é necessário que o empregador e o trabalhador celebrem, por escrito, um acordo de teletrabalho.

  1. Há situações em que o teletrabalho é obrigatório?

Sim. Desde que o teletrabalho seja compatível com a actividade desempenhada pelo trabalhador, continua a ser obrigatório nas seguintes situações,

a) Vítima de violência doméstica;

b) Trabalhador com filho com idade até 3 anos;

c) O trabalhador, mediante certificação médica, se encontrar abrangido pelo regime excepcional de proteção de imunodeprimidos e doentes crónicos;

d) O trabalhador possua deficiência, com grau de incapacidade igual ou superior a 60 %;

e) O trabalhador tenha filho ou outro dependente a cargo que seja menor de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, seja considerado doente de risco e que se encontre impossibilitado de assistir às atividades letivas e formativas presenciais em contexto de grupo ou turma.

A interpretação desta última alínea e) tem suscitado diversas dúvidas e discussões de monta, o que conduziu a que o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (“Ministério”) emitisse um comunicado a clarificar que trabalhadores com filhos ou outros dependentes a seu cargo menores de 12 anos poderão ver rejeitados os pedidos de teletrabalho por parte dos seus empregadores.

Não acompanhamos esta abordagem do Ministério, que cremos demasiado simplista. Com efeito, o referido pelo Ministério estará correcto se atentarmos apenas ao regime geral previsto no Código do Trabalho, que apenas dispõe a obrigatoriedade de teletrabalho para trabalhador com filho menor de 3 anos. Por outras palavras, se o menor tiver mais de 3 anos, o teletrabalho apenas será possível se houver acordo entre trabalhador e o empregador, salvo no caso da alínea e).

Com efeito, a redação actual do artigo 5.ºB, da Lei n.º 79-A/2020, vai muito para além dos esclarecimentos do Ministério e decreta como obrigatório o teletrabalho quando:

(i) o trabalhador tenha um filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica;

(ii) seja considerado doente de risco pela autoridade de saúde; e

(iii) não possa frequentar as aulas em contexto de grupo.

O caso mais comum é a situação de isolamento profilático do menor por ter estado em contacto na escola com alguém com Covid-19. Deste modo, concluímos que teletrabalho nestes casos é obrigatório, ainda que se circunscreva a um limite temporal mais reduzido que as demais situações acima elencadas.

  1. Nos casos de teletrabalho obrigatório é necessário um acordo escrito?

Depende. Nas situações d) a e) do elenco acima não se exige acordo escrito. Porém, o acordo de teletrabalho, reduzido a escrito, já será necessário nos casos a) e b).

  1. Quando o teletrabalho é obrigatório, cabe ao empregador “mandar” o trabalhador prestar a sua actividade em teletrabalho?

A Lei é omissa quanto ao ónus que recai sobre o empregador (artigo 5.ºB, da Lei n.º 79-A/2020), nomeadamente se este deve cuidar de apurar junto dos seus trabalhadores se algum se encontra nas situações das alíneas d) a e) ou se cabe ao trabalhador informar o seu empregador de que pretende acionar o teletrabalho obrigatório.

Em nossa opinião (que sabemos não ser isolada), o espírito da norma não pretende “obrigar” os trabalhadores a prestarem teletrabalho, mas sim possibilitar que aqueles que estejam incluídos nas alíneas d) a e) possam fazê-lo sem qualquer constrangimento. Imaginemos uma mãe de uma criança de 6 anos que tem um apoio que poderá acompanhar o menor durante o respectivo horário de trabalho e que por esse motivo não vislumbra motivos para prestar atividade em teletrabalho.

Assim, entendemos que cabe ao trabalhador solicitar e provar que está enquadrado numa das situações previstas naquelas alíneas para ficar abrangido pelo teletrabalho obrigatório, restando ao empregador aceitar.

  1. Aquando do regresso ao trabalho pode ser exigido o certificado de vacinação?

As opiniões a este respeito não são consensuais, mas o nosso parecer é que, salvo casos muito pontuais (como o trabalho prestado em hospitais e em lares), o empregador não pode solicitar aos seus trabalhadores que apresentem o certificado de vacinação.

Do mesmo modo, o empregador não pode exigir aos seus trabalhadores que se vacinem, pois a vacina contra a COVID-19 não fza parte do Plano Nacional da Vacinação.

  1. E o empregador pode exigir que os trabalhadores sejam testados à Covid-19 com frequência?

Novamente, não existem respostas unânimes, mas tem sido defendido que sempre que exista um risco de propagação da Covid-19 ou se possa colocar em causa a saúde de outros trabalhadores ou de terceiros pode ser exigida a testagem.

  1. Em caso afirmativo, quem deve custear os testes?

Em nossa opinião, se a necessidade de testagens regulares for determinada pelo empregador, caberá a este custear os testes.

  1. O empregador pode atribuir benefícios adicionais a quem esteja vacinado?

Em nossa opinião a atribuição de benefícios adicionais a trabalhadores vacinados representará uma medida discriminatória em relação aos trabalhadores que (i) ainda não tomaram a vacina contra a doença Covid-19, independentemente do motivo pelo qual ainda não se encontram vacinados, e (ii) aqueles que não se irão vacinar, independentemente do motivo.

Com efeito, não sendo a vacinação obrigatória, qualquer medida que beneficiasse um trabalhador vacinado em detrimento de um não vacinado seria um ato discriminatório, e por isso ilegal.

 

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