“Saber deixar ir” para mais tarde “voltar a abrir portas”

Por Joana Russinho, People Enthusiast, head of Human Resources e autora de “Eu e os Meus rh

– Podemos conversar?
– Claro, respondi. Vamos para uma sala.

Eu estava concentrada, num open space quase vazio dada a hora e martelava no computador atrás de um prazo. Pedro aproximou-se, hesitante. Parecia desconfortável no seu fato, como se estivesse a usar uma armadura que o prendia mais do que o protegia. Tinha os olhos baixos, a voz trémula. Brincava de uma forma nervosa com a gravata, à procura de um alívio para o nó apertado no seu pescoço.

– Não me sinto bem aqui, Joana. Gosto muito dos meus colegas e da empresa, mas há algo que não me deixa respirar.

Lembrei-me da história da Princesa e a Ervilha, um dos meus contos de infância de Christian Andersen. Imaginei o Pedro deitado sobre uma ervilha, incapaz de encontrar conforto.

– É a ervilha, não é, Pedro?
– Ervilha? – respondeu, confuso.

Lacunas geracionais, que vergonha. Sorri e continuei:

– O que é que não te está a deixar respirar? Consegues identificar?
– Não sei ao certo. Ou talvez saiba. No geral, gosto de aqui estar, da equipa e da cultura da empresa, mas acho que sou muito novo para isto. Tenho 22 anos e já pareço o meu pai. Odeio estes fatos e gravatas, a rotina, o peso da responsabilidade, o não ter tempo para mim. Sinto que ainda não estou pronto para “assentar”. Tenho a família super orgulhosa de ter acabado a licenciatura e ter vindo para aqui, mas eu não estou, e na verdade até me sinto-me infeliz.
– Compreendo, Pedro, mas tu estudaste e investiste muito para chegares até aqui. Foste escolhido de entre uma grande quantidade de colegas do teu curso e chegaste há pouco tempo. A adaptação não é automática. Não coloques tudo em questão já. Relativiza, dá tempo ao tempo, e a ti também.

Pedro endireitou-se na cadeira, olhando fixamente para um ponto qualquer. Nesse momento, senti que me via como “mais uma figura familiar” a debitar a ladainha de sempre. Ao menos se ele tirasse a gravata, pensei. 

– Joana, eu sei, pensei muito sobre isto, e falei com a minha família. Decidi que quero ir embora. E se me acontece alguma coisa amanhã? Quem é que diz que eu tenho tempo?!?

Inesperado, mas nada que não tivesse já visto, embora a urgência do imediato não deixasse de me surpreender.

– Ir embora? Como assim? Vais mudar de trabalho? Recebeste uma oferta de emprego?
– Não, não vou mudar de emprego. Eu simplesmente não quero continuar a trabalhar, por enquanto. Vou viajar com as economias que tenho, mesmo que isso signifique apertar o cinto. Quero descobrir qual é o meu propósito neste mundo…

Às vezes, é-me difícil retirar o paternalismo do papel de gestora de pessoas. Eu estava preocupada. Sair assim, sem nada, sem um plano estruturado, sem uma análise SWOT, sem uma folha de Excel e sem o apoio da família?

– Pedro, mas assim, de repente? E sem um plano B? Vais para onde, por quanto tempo? E quando voltares? Já pensaste no que terás perdido? E se tirasses uma semana para repensar?
– Obrigada, mas não. Vou para onde o destino e a minha vontade me levarem, sem planos, até o dinheiro acabar. Quando eu voltar, se voltar, logo decidirei.

Pedro agora estava mais relaxado. A decisão parecia compreensível e bem definida na sua cabeça. Os olhos brilhavam enquanto falava. Sabia o que queria, e, acima de tudo, podia fazê-lo. Naquele momento, perante o entusiasmo, até eu lamentei não ter feito algo semelhante quando tinha a idade dele.

– Bem, só te posso desejar tudo de bom. Espero que encontre as respostas que procuras e que aproveites ao máximo cada dia. Peço-te apenas que, quando voltares (porque eu acredito que vais voltar), me ligues. 

Pedro saiu. Naquele dia, saiu da sala; na semana seguinte, saiu da empresa. No último dia, vi-o de jeans e com uma camisa descontraída a entregar o computador. Não parecia o mesmo. Estava entusiasmado. Eu também estava orgulhosa dele, apesar de não o ter partilhado com ninguém. Pedro estava prestes a voar, a deixar um pouco de si em cada lugar que visitasse e a enriquecer-se com novas experiências. Pedro não ia perder tempo. Ia enriquecer-se com o que beberia do mundo.

Dois anos depois, o meu telefone tocou. Era ele. Voltara a Portugal depois de conhecer meio mundo. A voz estava diferente. Encontrara-se. Tinha tantas histórias para partilhar!

– Quero voltar ao lugar de onde saí, Joana. Eu gostava da empresa, e percebi que também do trabalho, simplesmente não era a minha altura. Achas que me consegues ajudar?

E assim se cumpriu o efeito boomerang. No entanto, aqueles que o receberam não souberam reintegrá-lo. Pedro já não era o recém-licenciado com poucas skills interpessoais e pessoais. Pedro tinha viajado durante dois anos, conhecido diferentes países e culturas, aprendido outras línguas, desembaraçando-se quando necessário, e com diferentes biscates, feito amigos e superado desafios. Tinha crescido. Quando o reintegraram na mesma função de há dois anos, com colegas da mesma idade, mas que tinham menos experiência de vida, Pedro sentiu-se deslocado.

Tinha então um entendimento mais profundo das responsabilidades e ansiava por outros desafios. A empresa não soube valorizar os conhecimentos que o Pedro adquirira durante a sua viagem. Era um talento valioso que a empresa deixou escapar, pela segunda vez.

Hoje, o Pedro não poderia estar melhor. Encontrou o seu lugar e lidera uma equipa com excelência. Se alguém lhe diz que pretende viajar e explorar o mundo, ele responde: “Vai em frente, mas volta para me ajudares a melhorar o negócio com o conhecimento que, entretanto, vais adquirir.”

Pedro, um gestor dos tempos catuais, de uma PME no sector de tecnologia, alguém que, também por vicissitudes do negócio, sabe ver para além das convenções e não desiste de lutar por um mundo melhor, dentro do que está ao seu alcance. Pedro deixa as pessoas irem, mas não perde todo o talento – porque sabe que quando regressam, trazem consigo riqueza e motivação para criar ainda mais valor.

E nós, caso o nosso negócio o permita, estamos predispostos a mudar o paradigma e considerar que há alturas em que é preciso “saber deixar ir” para mais tarde “voltar a abrir portas”?

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