Sobre o que é que as pessoas mais mentem nos CV’s? E porquê.

O episódio recente sobre os “lapsos” no currículo do Procurador José Guerra no processo de escolha para Procurador Europeu trouxe para a ordem do dia o tema dos Currículos Falsos. Abstendo-me de comentar o caso em concreto, até pela falta de dados factuais sobre o mesmo, destaco apenas que, infelizmente, a existência de informação falsa ou “distorcida” em currículos tem sido uma constate ao longo dos tempos e não é um fenómeno dos dias de hoje.

 

Por Miguel Pereira Lopes, Professor Associado de Gestão de Recursos Humanos na Universidade de Lisboa

 

Alves dos Reis, mais conhecido pela falsificação de notas de 500 escudos, é um exemplo já clássico de aldrabices curriculares, como refere Filípe Luís no seu livro “A Historia de Portugal contada pelos vilões”. Embarcado aos 18 anos para Angola, Alves dos Reis logo se apresentou por lá com um (falso) “diploma” da Universidade de Oxford, supostamente emitido pela Escola Politécnica de Engenharia, a qual efetivamente nem sequer existia. Quem poderia na Angola dos inícios do Século XX validar se tratava-se de um certificado falso ou verdadeiro?

Os tempos passaram, e mais de um Século depois temos hoje formas potencialmente ágeis de validar este tipo de informação, mas infelizmente ainda ineficazes na maioria dos casos. Aparentemente, a julgar por alguns estudos, o número de profissionais que continua a mentir ou distorcer informação curricular é hoje gigantesca, afectando a credibilidade profissional e das instituições, colocando em causa a meritocracia e a justiça e reduzindo os níveis de produtividade laboral.

De acordo com o relatório “Monster Future of Work: 2021 Outlook Survey, 66% dos empregadores concordam que os candidatos exageram na informação que colocam nos seus CVs sobre as competências e capacidades que têm. São vários os aspectos em que os candidatos mais mentem ou distorcem a informação.

O estudo feito em 2020 pela ResumeLab (www.resumelab.com) onde foram inquiridos mais de 1000 norte-americanos mostrou que as principais mentiras são relativas a:

(1) experiência profissional;

(2) competências;

(3) responsabilidades;

(4) datas;

(5) salários.

Este mesmo estudo revelou que 93% dos inquiridos afirmaram conhecer uma pessoa que tenha mentido no seu CV, mas apenas 36% admitiram abertamente terem eles mesmos mentido no seu CV… apesar de 56% terem admitido mentir ou “esticar” a informação colocada no CV. “Esticar” a informação pode assumir diversas formas. Por exemplo, ser vago, impreciso ou indefinido, ou ser omisso. Referir algo como “Mestrado em Engenharia” quando ainda se é mestrando e sem certificado ainda. Ou então “Coordenação” de projecto, quando se pertenceu à equipa, mas sem ser o coordenador. É sempre a “esticar”…

Mas porque continuam as pessoas a mentir ou distorcer a informação nos CVs? Porque em regra compensa! O mesmo estudo da ResumeLab concluiu que, dos inquiridos que tinham mentido sobre o seu CV no passado (ou melhor, os que assumiram ter mentido), apenas 21% tinham sido despedidos ou não contratados. Os demais quase 80% não tinham sido apanhados ou punidos por tais comportamentos não éticos.

O que fazer para reduzir este fenómeno que afecta a justiça, a credibilidade e a produtividade no mundo do trabalho? Há que investir nas novas tecnologias e utilizar as que já estão ao nosso dispor. É muito pouco provável que nos dias de hoje um qualquer “Alves dos Reis” tivesse pouca probabilidade de enganar alguém com um certificado falso da Universidade de Oxford. Mas como em outras esferas da nossa vida, os incumpridores e delinquentes estão sempre um passo à frente. Por isso, é fundamental que gestores e profissionais de recursos humanos se preparem e actualizem constantemente para esta tarefa hercúlea em prol da justiça e da transparência.

É mais uma área de especialização na gestão de recursos humanos que se abre, e que inclui tanto uma componente de conhecimento e inovação técnica, como de progresso nas tecnologias de informação ao nível das HR Techs. Um novo e estimulante desafio para os profissionais da gestão. Uma das profissões do futuro!

 

 

 

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